Passaram cerca de dois meses desde que o mundo começou a deparar-se com expressões como ‘coronavírus’, ‘covid-19’ ou ‘SARS-CoV-2’. A rapidez e a facilidade de contágio transformaram a doença na principal adversária do desporto a nível global. E é fácil entender a mudança radical que esta área em particular sofreu já que desde esse momento as palavras ‘suspenso’, ‘adiado’ ou ‘cancelado’ passaram a integrar praticamente todas as notícias.
Durante a semana, a lista de eventos desportivos afetados pela pandemia continuou a crescer. Foi, contudo, na terça-feira, que chegou uma das decisões mais aguardadas pelos adeptos do desporto-rei. Basicamente, a UEFA oficializou a decisão de que já todos falavam, empurrando o Europeu para 2021. A medida surgiu depois de os cinco principais campeonatos de futebol da Europa (Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França) já terem, recorde-se, suspendido as provas, por tempo indeterminado. Por cá, também a Liga portuguesa fechou as portas à casa devido ao novo coronavírus. Para o organismo que tutela o futebol europeu não há dúvidas de que a principal prioridade neste momento é a decisão dos títulos nacionais – meta que visa apurar o campeão de cada país na forma tradicional, disputando as jornadas em falta em cada competição. Esta posição do organismo liderado por Aleksander Ceferin não é, de resto, surpreendente, uma vez que é ainda essencial que o processo de apuramento das várias equipas para as provas europeias (Champions e Liga Europa), assim como as respetivas despromoções, seja concluído de forma justa.
Com o adiamento do Euro2020, naquela que se trata de uma decisão sem precedentes – o futebol vai parar pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, e é a primeira vez que o Campeonato da Europa vai falhar a sequência de quatro anos desde que a competição foi criada, em 1960 –, a UEFA acredita agora que os campeonatos fiquem concluídos até ao próximo dia 30 de junho, como revelou no plano de contingência.
A UEFA prevê ainda o regresso das provas europeias para finais de abril, no caso da Liga Europa, e início de maio, no que respeita à prova milionária.
Daqui para a frente podem esperar-se também vários cenários inéditos, como jogos europeus disputados ao fim de semana. Quanto às ligas nacionais, o mais provável é que sejam disputados dois jogos por semana de maneira a recuperar o tempo de pausa forçado pela covid-19.
Em Portugal, aponta-se o regresso da I Liga para maio, com jogos à porta fechada, uma medida que tinha sido decretada antes de o campeonato ficar oficialmente suspenso. Numa altura em que faltam disputar 10 jornadas, o FC Porto ocupa a liderança com mais um ponto do que o Benfica. Com a decisão da UEFA, caem assim por terra todos os cenários alternativos para apurar o vencedor, pelo que o campeão só ficará conhecido na última jornada de cada campeonato.
Covid-19: o impacto financeiro A KPMG calcula um total de perdas na ordem dos quatro mil milhões de euros só com a suspensão das cinco principais ligas devido à covid-19. De resto, o impacto financeiro já começou a provocar alterações visíveis ao nível dos clubes. O Lyon é o clube mais recente a avançar com um processo de imposição de emprego parcial ao plantel, o que implica cortes para 85% do salário bruto dos jogadores. O clube francês, que conta com o português Anthony Lopes, disputa atualmente a passagem aos quartos-de-final da Champions, depois de ter vencido (1-0) a primeira mão dos oitavos, em casa, ante a Juventus de Cristiano Ronaldo. Antes, já outros emblemas da Ligue 1, principal escalão do futebol francês, tinham seguido pelo mesmo caminho, caso do Amiens, Montpellier e Nimes. Além dos clubes gauleses, também o Werder Bremen e o Borussia Monchengladbach, da Alemanha, e o Hearts, da Escócia, refizeram a folha de vencimentos de modo a fazer frente à crise provocada pelo surto. Stephan Schippers, diretor executivo da equipa de Mönchengladbach, já tinha referido que a Bundesliga e os seus clubes estão a passar pela pior situação financeira dos últimos 20 anos, devido à perda de receitas com público, direitos televisivos e patrocínios. O dirigente explicou que só no último jogo com o Colónia (2-1), disputado à porta fechada, o clube perdeu dois milhões de euros em receitas.
O futebol vai sofrer daqui para a frente mudanças profundas, sendo que a maioria ainda não é sequer possível de imaginar. Para se ter uma ideia, a A Marca fez uso do exemplo do Real Madrid, um dos maiores clubes do mundo. De acordo com o jornal espanhol, os merengues tinham em caixa 28 milhões de euros para usar em situações excecionais – um valor que não é suficiente para dar resposta aos estragos já provocados pelo SARS-CoV-2. O ponto de situação dos blancos deixa bem claro o cenário negro que a maior parte dos clubes do mundo está neste momento a atravessar e, sobretudo, fica a dúvida de quantos serão capazes de sobreviver à pandemia.
Já é também percetível outra vertente do futebol que será seriamente afetada pelo novo coronavírus: o mercado de transferências. Sem entrada de dinheiro nos cofres dos clubes, não são expectáveis as operações milionárias a que o desporto-rei nos tem habituado. Neste aspeto, os clubes portugueses têm razão para estar preocupados já que integram o lote de clubes vendedores, ou seja, aqueles que mais lucram com a venda dos seus jogadores. O último exemplo disso mesmo foi João Félix, vendido ao Atlético de Madrid por 126 milhões de euros. Além do jovem avançado, há mais oito nomes de jogadores que ultrapassaram a barreira dos 100 milhões de euros: Cristiano Ronaldo, Neymar, Phellype Coutinho, Kylian Mbappé, Eden Hazard, Gareth Bale, Ousmane Dembelé e Paul Pogba. Os novos tempos fazem acreditar que pelo menos tão cedo não deverá haver nomes para acrescentar a esta lista…