A China foi o primeiro país a sofrer com o surto do novo coronavírus e deixou o mundo colado à televisão para assistir a uma epidemia nunca antes vista que rapidamente se alastrou pelo resto do mundo. Contudo, cerca de três meses depois, o país parece estar a recuperar e pronto para encarar a nova realidade que agora enfrenta: recuperar a economia.
Para Nuno Caetano, analista da corretora Infinox, a recuperação não será fácil, uma vez que as quedas foram maiores que o esperado: «Será difícil partindo do atual quadro económico global, até porque a China sofreu uma quebra maior do que era esperada quando o vírus surgiu, tanto a nível industrial como de vendas, assim como de empregabilidade», diz o analista ao SOL, relembrando o que tem sido referido por alguns bancos de investimento: «A economia da China provavelmente depreciará 9% no primeiro trimestre, sendo que também se prevê uma redução anual de 5,5% para 3% de crescimento». Esta é a primeira vez que o PIB chinês contrai nos últimos 20 anos, alerta Nuno Caetano.
Mas, mesmo em crise, há a grande possibilidade de a China ser a primeira economia do mundo afetada pelo vírus a recuperar, uma vez que foi também a primeira a conseguir minimizá-lo. Poderá a China aproveitar agora novas oportunidades de negócio?
André Pires, analista da XTB, não tem dúvidas: «A recuperação antecipada da China pode dar-lhe uma grande vantagem económica». Até porque o país é um grande comprador de petróleo e outras commodities, que pode agora adquirir «a preço de saldo», destaca o analista. E vai mais longe: «Com a liquidação que temos observado na bolsa de valores, a China pode aumentar a sua participação em empresas ocidentais, adquirindo um grande número de ações. Julgo que, por isso, poderemos ver um aumento dos investimentos chineses na Europa e na economia portuguesa».
Uma opinião corroborada por Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, que desenha ao SOL um quadro global favorável a uma nova vaga de investimentos chineses nos mercados europeu e norte-americano: «A economia chinesa começa gradualmente a regressar à normalidade», o que, a confirmar-se – e se o país evitar um ressurgimento do surto através de casos importados -, permite à China «começar lentamente a retomar a sua atividade, e as suas fábricas produzirem para a reposição de stocks».
Segundo as estimativas da JP Morgan, é expectável que o PIB no 2.º trimestre contraia 22% na Zona Euro, 14% nos Estados Unidos e 30% no Reino Unido. Números acima do terramoto económico sentido no próprio epicentro da covid-19. «Em recuperação, é bastante plausível que a China tire partido do atual cenário. Se a China era, há um ou dois meses, o foco de todas as atenções e preocupações, atualmente elas concentram-se na Europa e, provavelmente, nos Estados Unidos, até ao final do mês de março e início de abril», refere Paulo Rosa. A confirmarem-se estas estimativas, o analista não tem dúvidas de que a China «tem uma enorme vantagem para aquisições ‘baratas’» tal como aconteceu na sequência da crise de 2008.
Por outro lado, Nuno Caetano não se mostra tão otimista quanto a esta questão, pelo menos nesta fase inicial de recuperação, uma vez que a produção industrial na China afundou 13,5% no conjunto de janeiro e fevereiro em comparação com o ano anterior. Já as vendas a retalho caíram 20,5% e a taxa de desemprego subiu para um recorde de 6,2% em fevereiro, analisa Nuno Caetano. «Nesta fase, o capital chinês deverá ser alocado a arrumar a casa».
Mas, arrumada a casa, tudo pode acontecer: «Não se descarta a possibilidade de entrada de capital oriental nos Estados Unidos e na Europa, nomeadamente pelo facto do mercado bolsista estar a preços de saldos, o que porventura esteja a levar os chineses a aumentarem posições em determinados setores e empresas estratégicas».
Nos últimos anos, a China tem investido em vários setores em Portugal, investimentos que têm sido importantes para a economia nacional. Questionado sobre se, a partir de agora, esses investimentos irão continuar ou se, pelo contrário, poderá existir a possibilidade de uma retração, Nuno Caetano não tem dúvidas: «Não creio que haja uma retração significativa naquilo que tem sido o investimento institucional chinês em diversos setores da economia nacional, nomeadamente no imobiliário, nas energéticas, assim como na banca e seguros», diz ao SOL, acreditando mesmo que a dinâmica de investimento é para manter. «Até porque poderão aparecer novas oportunidades face à situação económica atual em que nos encontramos». No entanto, a retração não é descabida em alguns setores: «Poderá haver alguma retração sim, é no pequeno investidor e turista chinês, que comprava imóveis e consumia em Portugal», explica o analista da Infinox.
Quanto aos setores onde a China poderá vir a investir, existem algumas incertezas, apesar de o investimento poder ir de encontro àreas onde a China já tem apostado até aqui: banca, energia, seguros, saúde, entre outros (ver texto ao lado). Na opinião de André Pires, o caminho será por aqui: «Julgo, embora seja apenas uma opinião, que a China procurará setores chave como transportes (aéreos e marítimos) e energia».
Novos horizontes
Mas o interesse chinês tem mostrado outros horizontes: «Tem-se alargado a vários setores, desde o setor financeiro ao farmacêutico. De forma genérica, não parece haver uma preferência, mas sim um desejo de diversificação de investimentos fora da China, para aumentar a resiliência daquele país a impactos económicos. A China procura assim aumentar a sua presença e influência no Ocidente. E Portugal (e muitos outros países europeus) têm recebido de braços abertos os investimentos chineses», finaliza.
Mário Martins, analista da ActivTrades, também identifica dificuldades globais e não acredita que a China possa, nesta fase, reunir as condições necessárias para se destacar numa corrida pelo domínio económico mundial. O analista admite que, «se a China não conhecer um retrocesso» na eliminação do surto do novo coronavírus, «irá, seguramente, regressar à normalidade muito antes da Europa e dos Estados Unidos».
«De facto, a China está dois meses à frente da Europa e três meses à frente dos Estados Unidos» neste combate, embora, contudo, considere que «dificilmente irá retirar qualquer vantagem do atual quadro económico». «Embora a economia chinesa nos últimos anos tenha deixado de estar tão dependente da exportação e tenha aumentado o consumo interno, continua dependente dos seus principais mercados importadores, pelo que irá ser grandemente afetada durante os próximos dois trimestres», refere.
Mário Martins acrescenta que a China, desde o início da guerra comercial com os Estados Unidos, tem procurado suster a economia via consumo interno. E isso poderá constituir um obstáculo.
«Este crescimento é ainda incipiente e não é significativo o suficiente para, sozinho, impulsionar o crescimento económico que a China necessita para continuar a melhorar as condições de vida dos seus cidadãos. Dificilmente a China irá aumentar, ou mesmo manter, o nível de investimento direto no estrangeiro que tem injetado noutros países», conclui o analista.