Na quarta-feira da semana passada, depois do almoço, o Mário Ramires – diretor e proprietário deste jornal – entrou no meu gabinete e disse inesperadamente:
– Vou mandar toda a gente para casa. Ficamos em regime de teletrabalho. Só virão os indispensáveis. Se houver aqui um primeiro caso de coronavírus, temos obrigatoriamente de fechar. E depois será pior, porque pode já ter havido contágios e haverá que fazer uma desinfeção.
Aprovei de imediato. Embora de início tivesse pensado que não deveríamos valorizar demasiado o problema, para não causar alarme, percebi que estava na altura de darmos um passo em frente e nos anteciparmos ao vírus. Em vez de andarmos a correr ‘atrás do prejuízo’, tomando medidas à medida que a epidemia avançasse, dávamos um passo de gigante e antecipávamos o que pudesse aí vir. Se todos fossem para casa, não haveria risco de contágio na redação, todos estariam operacionais e o jornal poderia continuar a fazer-se, embora com novos procedimentos.
Em casa, passei a funcionar – como todos os outros – em regime de teletrabalho. No dia seguinte, quinta-feira, o Mário Ramires enviou-me a proposta de primeira página para eu comentar – na minha função de ‘conselheiro editorial’. A encimá-la, lia-se uma frase em grandes letras: FIQUE EM CASA!
A minha primeira reação foi de dúvida. Pareceu-me alarmista. E saía totalmente fora dos nossos cânones: não era uma manchete informativa, como mandava a regra, era um conselho, quase uma ordem. Nunca se fizera uma manchete assim.
Falámos – eu e o Mário – ao telefone. E acabei por concordar: afinal, era a ‘informação’ mais importante que poderíamos dar aos leitores nessa altura: ficar em casa apresentava-se como a única forma de evitar o contágio e a propagação do vírus. Não havia informação mais relevante do que aquela a dar no fim de semana.
Fazermos o jornal em regime de teletrabalho comportava, obviamente, alguns riscos. Nunca tal fora testado. Mas os portugueses têm uma boa capacidade de adaptação a situações novas. E a edição fechou em boa ordem e a horas.
Mas como se venderia o jornal? A nossa primeira página, mostrada nas televisões no dia anterior, apelava a que as pessoas não saíssem à rua. Ora, havia uma notória contradição entre esse apelo e o desejo de que os nossos leitores fossem comprar o jornal e o lessem. Com as pessoas metidas em casa, sem irem à rua, não haveria compradores… A responsabilidade social, no entanto, sobrepunha-se naquele momento a qualquer outra preocupação – e, por maioria de razão, aos nossos interesses egoístas.
No sábado de manhã, confirmavam-se as nossas piores expectativas: não havia ninguém nas ruas, as bombas de gasolina – onde se vendem muitos jornais – estavam desertas, preparámo-nos para um cenário de desgraça.
Noutro plano, contudo, os sinais eram bons. Felisbela Lopes, na sua análise da imprensa, considerava a manchete do SOL a mais bem conseguida do fim de semana. E nas televisões começou a surgir no canto superior direito dos ecrãs a frase que encimava a nossa capa: «Fique em casa».
O futuro haveria de mostrar que devemos em qualquer momento fazer o que achamos certo.
Na segunda-feira, ao fim da tarde, ao receber como habitualmente a previsão de vendas – que seriam com toda a certeza más ou mesmo péssimas -, julguei que não estava a ver bem. Ao abrir o e-mail, os números que a previsão revelava não só não eram maus como eram surpreendentemente bons: superiores aos da semana anterior – e, até, claramente superiores aos da mesma semana do ano passado.
Hoje, podemos dizer que o ‘Fique em casa’ ficará para a História como a palavra de ordem da crise do coronavírus.
Confesso que, se eu fosse ainda diretor do SOL, dificilmente teria feito aquela manchete. Há momentos em que devemos ser humildes e reconhecer que outros fizeram as coisas melhor do que nós faríamos. Este foi um deles. Como já é claro, aquele ‘Fique em casa’ foi a frase certa no momento certo. E, replicada por outros meios, pode ter poupado muitas vidas.