“Importa manter a pressão na mola para que a mola não suba”. A frase é de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, após mais uma sessão (a segunda) sobre a situação epidemiológica da covid-19 no país. O Presidente da República ouviu os especialistas, chamou os conselheiros de Estado para participar, via videoconferência, e explicou ontem aos jornalistas que o argumento é unânime para quem estuda e acompanha as projeções sobre o novo coronavírus em Portugal: “Impõe-se manter as medidas de contenção”. Dito de outra forma: há um caminho aberto para a renovação do estado de emergência. Na reunião também estiveram o primeiro-ministro, António Costa, o presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues, a maioria dos líderes políticos com assento parlamentar e parceiros sociais, tal como há uma semana. No dia 7 haverá nova reunião.
O chefe de Estado não o disse mas, entre as forças políticas, o cenário de renovação do estado de emergência é um dado (quase) adquirido. Falta o quase, que deverá chegar ao Parlamento amanhã para uma sessão plenária que já tem previsto o eventual debate sobre a renovação do estado de emergência, mais 27 minutos dedicados a múltiplas propostas, do Governo e dos partidos, para tentar mitigar os efeitos económicos e sociais da pandemia, sem data precisa para cessar.
Marcelo Rebelo de Sousa não quis, contudo, explicar se um eventual novo decreto de estado de emergência pode ter regras mais apertadas. “O conteúdo específico do decreto de renovação, é prematuro estar a antecipar, mas, por natureza, viu-se isso há 15 dias: trata-se de definir um quadro dentro do qual o Governo deve ter os mais amplos poderes, um quadro preventivo e que acompanha o esforço dos portugueses”, sintetizou o Presidente, em direto para as várias televisões.
O que importa agora também é perceber o evoluir da curva e determinar o momento do pico da pandemia. Já esteve previsto para os dias 9 a 14 de abril, foi depois apontado para o final de maio, mas nesta fase há, sobretudo, uma certeza: preveem-se semanas difíceis.
E Marcelo contextualizou o momento: “[É] muito importante saber se há ou não a confirmação do ritmo que parece ser o de crescimento de casos nestes últimos dias. A confirmar-se, nós estaremos num crescimento entre os 15% e os 20%, diferente do crescimento que houve em fase anterior do processo. Se se confirmar, isso pode ter influência na antevisão daquilo que normalmente se trata por pico, isto é, da inversão na curva”.
No encontro, apurou o i, não houve qualquer argumento utilizado para colocar um ponto final no estado de emergência. E os partidos denotaram esse dado nas várias declarações prestadas em direto às várias televisões.
A abertura ou não de escolas num futuro próximo ficou para uma avaliação no próximo dia 7. Será aí que o Governo perceberá se pode reabrir as escolas ainda neste período letivo e de que forma, faseada ou não.
E o que dizem os partidos sobre a reunião? “Este isolamento social é uma necessidade absoluta e a única forma consensual de garantirmos a inversão do número de novos casos, chegarmos ao chamado pico e, depois, podermos começar a avançar para a libertação da quarentena generalizada no país”, declarou Ricardo Baptista Leite, deputado do PSD que tem sido o rosto do partido para falar do problema. Rui Rio é conselheiro de Estado e optou por assistir à reunião, à porta fechada, por videoconferência. Já o Bloco de Esquerda alertou para a dimensão social da manutenção das medidas, ainda que necessárias, ou, segundo Catarina Martins, que “parecem estar a resultar”. A coordenadora do BE quer o “aprofundar de apoios” a nível social, reforço e apoio também a quem está no terreno. Ontem, o BE voltou a fazer a defesa de quem é trabalhador independente e só poderá ter algum apoio em maio. Para o BE, urge resolver estes casos.
Por seu turno, os centristas avisaram de antemão que “não podemos abrandar nem afrouxar nas medidas que foram tomadas”. Francisco Rodrigues dos Santos, líder centrista, voltou a pedir ainda um “choque de tesouraria” às empresas e incluir o layoff para sócios-gerentes (proposta igualmente pelo PSD).
Francisco Rodrigues dos Santos não esqueceu a polémica do momento: a forma como a Direção-Geral de Saúde contabiliza os dados dos infetados com a covid-19, pedindo boletins “rigorosos”. De realçar que a DGS reconheceu ter duplicado os números no Porto (por duplicação de fontes). O CDS quer ainda uma “testagem massiva” para a covid-19.
O PAN também se manifestou favorável à renovação do estado de emergência, voltou a insistir na necessidade de se testar cada vez mais para a covid-19 e pediu medidas mais aprofundadas para os mais vulneráveis: os idosos. André Silva, do PAN, ainda alertou para a situação dos reclusos e dos sem-abrigo.
Feitos os reparos, sugestões e declarações sobre o futuro imediato do país, caberá hoje ao Governo dar também a sua avaliação do estado de emergência ao Presidente. António Costa já avisou que, com ou sem estado de emergência, as medidas de contenção são para continuar. E, de facto, tem sido visível um dos pontos que pode, ou não, vir a ser afinado com a renovação do decreto de estado de emergência por mais 15 dias: um maior controlo na circulação.
Comprovativos para deslocações obrigatórios? Até aqui, apesar das restrições impostas pelo Governo no primeiro período de estado de emergência, os comprovativos para deslocações eram facultativos. Nos últimos dias, o MAI aconselhou, no entanto, a sua utilização: “As declarações emitidas por algumas entidades empregadoras, não sendo obrigatórias, facilitam a comprovação pelos cidadãos de que se estão a deslocar de ou para o local de trabalho, tal como a comprovação de local de residência justifica a deslocação”. A hipótese de poderem vir a ser obrigatórios é um dos cenários que se coloca para a próxima fase e, esta terça-feira, essa possibilidade já estava a ser transmitida aos automobilistas à entrada na capital. Ontem de manhã, os carros que circulavam na direção de Lisboa, na Segunda Circular, foram obrigados a parar e a indicar à polícia o motivo da deslocação, o que causou dificuldades no acesso à cidade. Um dos repórteres do i foi parado no controlo policial e advertido de que a carteira profissional pode não ser suficiente. Não foi pedida identificação ou declaração, mas o aviso foi esse: agora, não é obrigatório comprovativo, mas pode vir a ser.
*Com Marta F. Reis