O futuro da escola passa por… casa

O Ministério da Educação está a estudar o futuro do 3.º período e, até 9 de abril, dará orientações. Pais, alunos e professores reinventam o ensino e adaptam-se às novas plataformas.

As incógnitas no mundo da educação são ainda muitas, mas uma coisa é certa: o terceiro período vai acontecer. E, até ao dia 9 de abril, o Ministério da Educação vai divulgar as diretrizes para pais, professores e alunos saberem como se orientar – o Ministério tutelado por Tiago Brandão Rodrigues está a estudar a situação com as escolas e com os Ministérios da Economia, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, da Coesão Territorial e do Ensino Superior.

Em declarações ao jornal i, nesta sexta-feira, Tiago Brandão Rodrigues referiu que «houve um consenso muito alargado de que os professores tinham já elementos para realizar as avaliações do 2º período», acrescentando que é tempo de preparar o futuro: «Estamos a trabalhar com as comunidades educativas e também outros responsáveis, desde o trabalho à economia, da coesão ao ensino superior, segundo um principio fundamental: que tenhamos justiça nos processos de aprendizagem e avaliativos».

O ministro da Educação garante que os alunos continuam a aprender e que, «talvez agora mais do que nunca», os professores «continuam a ser figuras de referência».

«As comunidades educativas têm vindo a adaptar-se, de forma notável, a esta realidade que é nova para todos nós», disse Tiago Brandão Rodrigues, deixando claro que é «muito importante que os estudantes possam reconstruir uma rotina de aprendizagem nesta fase».

Ainda que fechadas, as escolas continuam a ser um apoio que vai além do ensino e das aulas.

Desde que as atividades foram suspensas, a tutela assegurou o fornecimento de refeições aos alunos de famílias mais carenciadas. Ao i, Brandão Rodrigues fez o balanço dessa resposta social: «Continuamos a servir mais de seis mil refeições diárias a alunos carenciados».

Só nesta quarta-feira, foram servidas oito mil refeições. Além disso, existem estabelecimentos de ensino que se mantêm abertos «para receber os filhos dos profissionais que têm de continuar a trabalhar fora de casa».

Segundo os dados da tutela, as escolas dão resposta a 150 menores cujos encarregados de educação são trabalhadores de serviços especiais.

 

Oportunidade para dar o salto  

Entre escolas fechadas e alunos em casa, professores e pais defendem que este é o momento certo para dar o salto para a digitalização do ensino.

Dar aulas à distância levou os professores a arranjar novas formas de captar a atenção dos alunos e há quem encene As Minas de Salomão, de Eça de Queirós, para dar início ao estudo da obra, outros professores pedem aos alunos que desenhem o que têm em casa, e pode ser até um rolo de papel higiénico, ou professores de matemática que ensinam a calcular a área da caixa de cereais do pequeno-almoço.

Apesar de «nada substituir o ensino presencial, esta é a altura ideal para saltar para o digital», explicou ao i Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), acrescentando que esta pode ser uma oportunidade para os mais céticos e para aqueles que não acreditam nas novas tecnologias perceberem que afinal os computadores e a internet podem ser uma ajuda preciosa no mundo da aprendizagem – nos trabalhos de casa e como complemento durante as aulas. E esta pode também ser a altura perfeita para, diz Filinto Lima, adotar de vez os manuais digitais e «reduzir até o peso das mochilas».

Ana João, professora de Matemática no Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, faz um balanço positivo do ensino à distância. Não é ideal, mas «primeiro, os alunos não conversam tanto, depois estão muito mais preocupados uns com os outros – se um aluno não está a conseguir ver, os outros avisam logo -, e isso não se via antes nas aulas», disse a professora. Ana João aproveita ainda o facto de os alunos estarem «sedentos de aulas» para começar a dar matéria nova, ainda que as indicações da tutela sejam para fazer apenas revisões de conteúdos. «Há também uma coisa que eu acho que vai mudar: os afetos e a solidariedade entre os mais novos. Os alunos têm saudades da escola», disse docente. A opinião é unânime e Filinto Lima explica que «os alunos vão passar a gostar ainda mais do recreio, dos professores e dos colegas», porque estão agora confinados aos espaços das suas casas, sem o convívio a que estavam habituados.

Para os pais, esta é uma verdadeira «prova de fogo, porque é preciso assumir um bocadinho o papel de professor e estar sempre em cima», disse Liliana, mãe de um aluno do 10º ano, que sente que, muitas vezes, tem dificuldades em acompanhar e dar o devido acompanhamento ao filho. Ainda assim, «talvez esta pandemia seja um teste forçado à inovação», explicou Liliana, acrescentando que no futuro os alunos vão dar mais valor aos professores e «se calhar os professores até vão passar a enviar mais trabalhos por e-mail, ou fazer vídeos, ou arranjar outras formas para ensinar que os cativam mais». Também Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, defende que «é em tempos de crise que se cresce e evolui» e que «com isto, os alunos aprendem o sentido de responsabilidade e de autonomia e acabam até por ganhar uma maior autonomia».

Ainda que as novas tecnologias devam ser aproveitadas, pais, professores e também alunos, lembram que é preciso garantir que todas as crianças e jovens têm acesso às mesmas ferramentas e que a digitalização do ensino não crie ainda mais desigualdades. Há alunos que não têm computador ou acesso à internet e esta é também a oportunidade para o Governo corrigir uma falha que se arrasta há muito. «Ter um computador em casa não é um luxo, por isso o Ministério da Economia e da Transição Digital tem de fazer mais e fazer essa tal transição digital nas escolas», acrescentou o presidente da ANDAEP. Neste momento, há escolas que emprestam computadores aos alunos que não têm para que estes continuem a estudar e a fazer os exercícios que são pedidos.

 

Exemplos lá fora

Eduarda Martins, aluna do 12º ano, refere que a situação não é animadora, sobretudo porque está a um passo de entrar na faculdade e não sabe como é que vai ser o seu futuro. «Não há nada de bom em ter aulas à distância», tendo em conta que «há alguns alunos que não têm computador e não podem fazer nada», disse Eduarda, que vive no concelho de Oliveira do Hospital.

Esta aluna explicou que acaba por gerir o seu tempo à medida que as fichas e exercícios vão chegando por e-mail e que, apesar de ainda não ter indicações para estudar matéria nova, já o começou a fazer.

Em Espanha, onde as escolas estão também encerradas, os professores tiveram de arranjar alternativas às plataformas online, uma vez que os servidores estão constantemente sobrelotados. A criação de grupos no WhastApp é a opção mais utilizada, mas é nesta altura que os professores se queixam da falha tecnológica do país. 

No entanto, se para uns os computadores e a internet podem não funcionar de vez em quando, para outros, essas ferramentas nem sequer existem e o ensino virtual não é opção. Na América Latina e nas Caraíbas, cerca de 154 milhões de alunos estão em casa, o que pode significar, segundo a UNICEF, o abandono definitivo das crianças e jovens mais desfavorecidos.

Já no Brasil, a criatividade tomou conta deste tempo de crise e os professores procuram as alternativas mais inovadoras para conseguirem captar a atenção dos alunos. Na escola italiana Eugenio Montale, por exemplo, os alunos veem a sua casa como se fosse uma sala de aula – tudo graça a uma aplicação onde o design e o mundo virtual se juntam. No entanto, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, quer a reabertura das escolas e o regresso da normalidade. «O grupo de risco é o das pessoas acima de 60 anos. Porque querem fechar as escolas?», questionou.

Numa Europa de escolas fechadas, a exceção vai para a Suécia, que mantém o funcionamento dos estabelecimentos de ensino para os alunos até aos 16 anos. A estratégica sueca é diferente e foca-se, neste momento, em prevenir o contágio entre os grupos de risco – e as crianças e jovens não estão aí incluídas.

Artigo escrito por Carlos Diogo Santos, Pedro Almeida e Rita Pereira Carvalho