‘Pessoas violentas ou que praticaram crimes graves podem sair?’ Governo responde a esta e outras questões sobre a libertação de reclusos

Regime excecional de flexibilização da execução das penas de prisão foi adotado no âmbito da pandemia do novo coronavírus.

A proposta do Governo, aprovada em Conselho de Ministros e na Assembleia apesar de várias críticas, entra este sábado em vigor.

Na sequência da publicação do novo regime, o Ministério da Justiça emitiu um comunicado para esclarecer o que chama de “notícias falsas desrespeitadoras do interesse público” que têm sido difundidas e que são “suscetíveis de gerar dúvidas ou receios a cidadãos de boa fé”.

Nesse sentido, o Executivo esclarece “todas as demais questões pertinentes, desde já se adianta o seguinte conjunto de respostas:

Porquê a saída de reclusos dos Estabelecimentos Prisionais?

Portugal tem atualmente uma população prisional de 12 729 reclusos, 800 dos quais com mais de 60 anos de idade, alojados em 49 estabelecimentos prisionais dispersos por todo o território nacional. 

A razão última destas medidas consiste em proteger não só a saúde dos reclusos, mas também a de todos os que exercem funções no sistema prisional, nomeadamente, guardas prisionais, pessoal de saúde e técnicos de reinserção social. As autoridades de saúde e, em particular a Organização Mundial de Saúde (OMS), têm sinalizado que a eclosão de um surto não controlável no interior de um estabelecimento prisional levará necessariamente a uma maior difusão do vírus na comunidade envolvente. Fundamentalmente, o Estado tem por objetivo proteger e defender todos os seus cidadãos.

As especificidades do meio prisional, quer no plano estrutural, quer considerando a elevada prevalência de problemas de saúde e o envelhecimento da população que acolhe, aconselham que se acautele, ativa e estrategicamente, o surgimento de focos de infeção nos estabelecimentos prisionais e se previna o risco do seu alastramento, o que exige, para além de todas as medidas que vêm sendo implementadas, os espaços necessários para proceder ao adequado isolamento dos doentes sintomáticos e ao distanciamento social recomendado pelas autoridades de saúde.

  

Estas medidas destinam-se a diminuir a sobrelotação prisional?

Este Governo acabou com a sobrelotação nas cadeias portuguesas: a 31 de dezembro de 2015 a taxa de ocupação era de 111,8 por cento e a 31 de dezembro de 2019 era 97 por cento, valor menos elevado do que os verificados em grande parte dos países do mundo.

Atualmente (dados de março de 2020) há uma população prisional de 12 729 reclusos alojados em 49 estabelecimentos prisionais dispersos por todo o território nacional, número que é inferior à lotação total do sistema prisional.

   

Quais são as recomendações internacionais? Houve medidas semelhantes noutros países?

A Organização Mundial de Saúde qualificou, no dia 11 de março de 2020, a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, e como calamidade pública com a finalidade de conter a expansão da doença.

As Nações Unidas, através de mensagem da Alta Comissária para os Direitos Humanos, de 25 de março, exortaram os Estados membros a adotar medidas urgentes para evitar a devastação nas prisões, estudando formas tendentes a libertar os reclusos particularmente vulneráveis à COVID-19, designadamente os mais idosos, os doentes e os infratores de baixo risco.

Mais de 70 países do mundo decretaram «Estado de Emergência» e impuseram medidas restritivas para a contenção da COVID-19. Vários países, entre os quais os nossos parceiros europeus, adotaram medidas para a diminuição da população prisional. A título exemplificativo refere-se Espanha, França, Itália, Irlanda do Norte, o länder alemão da Renânia do Norte e Vestefália.

Entre nós, também a Provedora de Justiça emitiu Recomendação, apontando para a adoção de um regime de flexibilização das licenças de saída, já hoje previsto no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade.

 

 Em que circunstâncias os reclusos podem sair?

Há quatro situações em que os reclusos poderão beneficiar das medidas aprovadas:

Um perdão de penas de prisão de duração igual ou inferior a dois anos e também os períodos remanescentes das penas de prisão superiores se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos. 

Um regime especial de indulto das penas: o Presidente da República concederá o indulto, total ou parcial, da pena de prisão aplicada a recluso que tenha 65 ou mais anos de idade à data da entrada em vigor da presente lei, e seja portador de doença, física ou psíquica, ou de um grau de autonomia incompatível com a normal permanência em meio prisional, no contexto desta pandemia. O indulto não é aplicável quando estejam em causa os crimes mais graves abaixo referidos. 

Um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos condenados. O Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais pode conceder ao recluso condenado, mediante o seu consentimento, licença de saída pelo período de 45 dias, renovável, desde que cumulativamente se verifiquem os seguintes requisitos:

·      O preenchimento dos pressupostos e critérios gerais de concessão da licença de saída previstos no artigo 78.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (designadamente, fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; e fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade);

·       O gozo prévio de pelo menos uma licença de saída jurisdicional ao recluso que cumpre pena em regime aberto ou o gozo prévio de duas saídas jurisdicionais ao recluso que cumpre pena em regime comum;

·      A inexistência de qualquer situação de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses antecedentes.

 Recairá sobre o condenado o dever de permanecer na habitação e de aceitar a vigilância dos serviços de reinserção social e dos elementos dos órgãos de polícia criminal territorialmente competentes, cumprindo as suas orientações e respondendo aos contactos periódicos, que aqueles vierem com ele a estabelecer.

Tanto o Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais como os diretores dos estabelecimentos prisionais tinham já o poder de conceder administrativamente licenças de saída a reclusos, ainda que por período de tempo mais curtos. 

A antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional.  Verificado o gozo, com êxito, de licença de saída administrativa concedida nos termos do artigo anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo Tribunal de Execução das Penas, por um período máximo de seis meses. O condenado ficará obrigado, durante o período da antecipação, ao cumprimento das demais condições impostas pelo juiz.

 

Pessoas violentas ou que praticaram crimes graves podem sair?

Não.  

O perdão e o indulto excecional não abrangem os crimes mais graves, nomeadamente, homicídio, violência doméstica, maus tratos, crimes contra a liberdade sexual e autodeterminação sexual, roubo qualificado, associação criminosa, corrupção, branqueamento de capitais, incêndio e tráfico de estupefacientes (excetuado o tráfico de menor gravidade), para além dos crimes cometidos por titular de cargo político ou de alto cargo público, no exercício de funções ou por causa delas, bem como por membro das forças policiais e de segurança ou funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das suas funções, envolvendo violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena que falte cumprir.

Estas medidas só são aplicáveis, pois, a crimes de baixa densidade social e asseguram um equilíbrio, adequado e consistente, entre as exigências de proteção da saúde, tanto da comunidade reclusa como da sociedade em geral, deixando intocado nos seus aspetos nucleares o direito dos cidadãos à segurança e tranquilidade públicas e o direito à segurança e respeito pelas vítimas.

 

Pessoas que tenham praticado vários crimes a que corresponda pena de prisão até dois anos podem ser abrangidas por esta lei?

Estas pessoas apenas podem ser abrangidas se, considerada a soma aritmética de todas as penas, apenas lhe faltar cumprir dois anos de prisão ou menos.

 

O que acontece se as pessoas voltarem a praticar um crime?

O perdão é concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da presente lei, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acrescerá a pena perdoada.

Neste caso a pessoa poderá voltar a estar em reclusão em Estabelecimento Prisional depois de passar pelas medidas de segurança ao COVID-19, tais como isolamento e testagem.

 

Esta lei aplica-se aos presos preventivos?

As medidas centrais desta lei (perdão de penas, indulto, licença de saída administrativa extraordinária) aplicam-se apenas aos indivíduos que cumprem condenações definitivas. Não se aplica a pessoas detidas preventivamente, tal como não se aplicam às que venham a praticar crimes no futuro.

A lei prevê que os tribunais procedam à reapreciação dos casos em que foi aplicada a prisão preventiva, tendo em consideração, sobretudo, os preventivos especialmente vulneráveis, por serem portadores de doença física ou psíquica ou de um grau de autonomia incompatível com a permanência em meio prisional, neste contexto de pandemia.

 

O que é que a lei estabelece quanto às prisões preventivas?

A prisão preventiva deve ser aplicada apenas quando todas as outras medidas de coação não forem suficientes. A lei reafirma este princípio e estabelece o reexame das situações de prisão preventiva, sobretudo nas situações de maior vulnerabilidade, devido à idade ou saúde dos reclusos.

 

O cumprimento de penas na habitação é permitido pelo Código Penal? 

Sim. o Código Penal prevê, como regra, o cumprimento das penas de prisão até dois anos em regime de permanência na habitação.

 

Por que é que os reclusos que serão temporariamente colocados em prisão domiciliária não vão com pulseira eletrónica?

 

Porque não é compaginável com os meios técnicos e humanos ao dispor dos serviços prisionais no horizonte mais imediato, sendo certo que há outras formas de monitorizar a permanência na habitação, como o telefone.

 

Que cuidados serão tomados antes da libertação dos reclusos?

A libertação de reclusos ao abrigo da presente lei é antecedida dos procedimentos definidos pela Direção-Geral da Saúde.

 

Que cuidados serão tomados aquando do regresso ao meio prisional?

Em qualquer das circunstâncias que, nos termos da presente lei, ditam o regresso do condenado ao meio prisional, há lugar ao cumprimento prévio de um período de quarentena de 14 dias, nos termos que tenham sido determinados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

 

Há garantias que estas pessoas vão respeitar as regras do Estado de Emergência? 

Quando seja concedida a licença de saída administrativa extraordinária, recaem sobre o condenado os deveres de permanecer na habitação e de aceitar a vigilância dos serviços de reinserção social e dos elementos dos órgãos de polícia criminal territorialmente competentes, cumprindo as suas orientações e respondendo aos contactos periódicos que com ele vierem a estabelecer, nomeadamente por via telefónica.

Se, durante a licença de saída, o recluso deixar de cumprir injustificadamente qualquer das condições impostas, os serviços de reinserção social devem informar a delegação regional de reinserção, cujo diretor promove de imediato a aplicação de uma solene advertência pelo diretor do estabelecimento prisional ou a revogação da licença de saída pelo diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

 

O que acontece aos jovens detidos por prática de crimes e instalados em centros educativos?

Nenhuma destas medidas se aplica: continuarão privados de liberdade porque, ao contrário das cadeias, existem condições nestas instalações para o afastamento social ditado pela pandemia.

 

Estas medidas excecionais beneficiaram Rui Pinto?

Não. Esse caso não é contemplado em qualquer das medidas previstas na lei, uma vez que se trata de um processo judicial ainda em curso. O que aconteceu foi que que o arguido aceitou colaborar com a justiça e o tribunal decidiu pôr termo à prisão preventiva.

 

Alguma vez existiram medidas semelhantes na história da democracia portuguesa?

Sim, várias, designadamente, em 1986, 1991 e 1994 (nos três casos com o Primeiro-Ministro Cavaco Silva), bem como em 1999 (quando era Primeiro-Ministro António Guterres).

 

O que acontece aos reclusos que não quiserem sair do estabelecimento prisional, nomeadamente por falta de condições de recuo?

Estas medidas dependem, obviamente, da concordância do recluso.