Perito do INSA admite que reabertura pode ter diferentes soluções no país

Baltazar Nunes, epidemiologista e estatístico do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que coordena um grupo de trabalho no INSA, que tem estado a dar apoio técnico ao Ministério da Saúde, considera que poderá ser aconselhável um cenário de medidas diferenciadas no país.

As medidas para o começo do regresso à normalidade são anunciadas esta quinta-feira, mas até lá a discussão volta a estar em cima da mesa, esta terça-feira, numa reunião entre o Governo e os especialistas em epidemiologia da DGS, para decidir quanto ao prolongamento do estado de emergência e medidas de restrição. Em declarações ao SOL, no fim de semana passado, Baltazar Nunes, epidemiologista e estatístico do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que coordena um grupo de trabalho no INSA, que tem estado a dar apoio técnico ao Ministério da Saúde, admitiu que a reabertura pode ter diferentes soluções no país.

O especialista explicou que a situação nacional está num ponto de estabilização com tendência decrescente e saber se será ou não prematuro levantar medidas depende de vários fatores e das medidas que estiverem em causa. Assim, poderá ser aconselhável um cenário de medidas diferenciadas no país. “Olhamos para os valores nacionais mas a distribuição desse número no espaço é importante. Se tivermos 400 casos concentrados numa área geográfica e menos noutra, pode pensar-se numa estratégia diferenciada. Depende também da medida que estiver em causa. Uma coisa são medidas associadas a maior número de contactos e contactos próximos fisicamente, outra é permitir que estejam pessoas numa sala onde é possível haver distanciamento ou permitir que as pessoas vão para parques ao ar livre onde estão afastadas”, considerou.

Baltazar Nunes defende que a avaliação de risco poderá ser feita a um nível local e regional, percebendo em detalhe a dinâmica da infeção em cada zona do país. E se à partida serão desejáveis números mais baixos, depende da distribuição. “Se tivermos 400 casos numa região mas a maioria for em lares, percebe-se que a estratégia tem de ser focar nos lares e mesmo que sejam 400 casos é possível por exemplo abrir parques. Se tivermos 100 ou 200 casos de transmissão na comunidade em que não se conhece as cadeias de transmissão, não se sabe onde é que as pessoas contraíram a doença, pode ser mais difícil reabrir”.

Há vida além do R0

Um dos indicadores que tem estado a ser analisado  e que tem sido referido pelas autoridades de Saúde é o chamado R0 – o número básico de reprodução do vírus, que determina o número de contágios a partir de um doente infetado. Quando o cálculo fica abaixo de 1, significa que a maioria das pessoas não infeta ninguém.

Nos cálculos para o início da epidemia em Portugal aponta-se para um R0 de 2,08. Recentemente, a análise do INSA sugeria para valores entre 0,9 e 1, o que dá a tal estabilização da epidemia, com tendência a decrescer. No entanto, a ministra alertou que entre 18 e 20 de abril o risco de transmissão tornou a aumentar ligeiramente para 1,04.

“Países como a Noruega propuseram um R0 de 0,7 para iniciar o desconfinamento, o que deixaria margem para ver o impacto das medidas sem se entrar logo numa fase em que há um risco de crescimento acelerado da transmissão”, disse Baltazar Nunes.

O investigador defendeu que faz sentido incluir o indicador na análise, mas mais uma vez percebendo a sua variação geográfica e onde estão os doentes. “É como a ideia do há vida além do défice: é preciso pensar além do R0 e não tomar decisões com base em apenas um único elemento”.

À medida que o país começar a reabrir, será preciso continuar a vigiar este indicador, já que o risco de contágio e número de casos tende a aumentar. E quais são os patamares para manter a epidemia numa situação controlável? Para Baltazar Nunes, a ideia terá de ser a mesma: ver a velocidade de contágio mas também quem são e onde estão as pessoas infetadas. “O objetivo é conseguirmos que o aumento de casos seja o mais lento possível, protegendo os grupos de risco. Dependerá muito do patamar de onde partimos, mas o ideal será estar entre 1 e 1,2 e se possível mantermo-nos abaixo disto. A partir de 1,5 pode ser mais difícil controlar”, diz.

Num cenário em que ultrapasse o 2, o especialista admite que o regresso do confinamento não pode ser descartado.

“A ideia é sempre tentar que se contenha. Mesmo que esteja em 1,2, depende de quem são as pessoas que se contagiam. Se um indivíduo infetar 1,2 mas forem todos saudáveis, abaixo dos 65 anos, que isso não leve a óbitos nem a muitas pessoas hospitalizadas, será perfeito porque também desenvolvemos alguma imunidade. Nesse sentido 1,5 seria melhor. A questão é se conseguimos isso mantendo um efeito de shielding (escudo) sobre os mais vulneráveis. Conseguimos fazer uma modelação teórica em que se tem em conta a população suscetível ao vírus, grupos etários, mas a dificuldade é que as populações não são estanques como nos modelos. A sociedade é dinâmica, uma pessoa com mais de 65 anos vai ter de ir à mercearia onde trabalham pessoas de outras faixas etárias, o mesmo com os cuidadores e pessoal de saúde. É preferível que o R0 esteja em valores mais controláveis para se, de um momento para o outro, nos apercebermos de que está a haver um descontrolo, ser mais fácil ajustar medidas”.

E a abertura por setores é também importante por isso, defende Baltazar Nunes. “Se abrirem todos os setores ao mesmo tempo, os restaurantes, os cabeleiros, é menos percetível qual foi o setor que contribuiu para o aumento da velocidade de propagação do vírus para que se possam ajustar medidas”.

Quando esperar uma onda?

Baltazar explica que mantendo o R0 controlado, com medidas de distanciamento social, rastreio de contactos, a perspetiva é que mesmo que surjam picos nunca assumam grandes dimensões. Há no entanto o alerta que uma onda no inverno poderia ser maior, dado o conhecimento que existe da circulação sazonal de outros coronavírus humanos. O verão, além de permitir avaliar as estratégias de desconfinamento e perceber o que corre bem nos diferentes países, permitirá também ter mais luzes sobre a transmissão do novo vírus no inverno do hemisfério sul. Sendo certo que será preciso reforçar a capacidade de resposta, rastreio de contacto e vigilância epidemiológica. Apesar das questões éticas, Baltazar Nunes defende que todas as estratégias devem ser ponderadas, incluindo apps de rastreio de contactos, por exemplo na população mais jovem.