Austeridade, sim ou não? Eis a questão!

A situação de crise económica que o nosso país vai encontrar, como consequência da crise sanitária que atravessamos, não é, obviamente, compatível com políticas orçamentais restritivas.

Em teoria económica clássica justifica-se aplicar políticas de austeridade, quando se está perante um desequilíbrio financeiro incontornável que já não é suportado e alimentado pelos credores.

Nestas situações, as políticas de austeridade implicam sempre um grande aumento de receitas, normalmente obtido pela subida de impostos e taxas, e uma diminuição significativa da despesa pública , seja ela corrente ou de capital.

A situação de crise económica que o nosso país vai encontrar, como consequência da crise sanitária que atravessamos, não é, obviamente, compatível com políticas orçamentais restritivas, além do mais, porque o ano anterior encerrou com um relativo equilíbrio das finanças publicas. Não passa, por isso, pela cabeça de ninguém, na atual situação, aumentar impostos ou diminuir globalmente a despesa pública.

Ao afirmar, portanto, que para combater a crise não se lançará mão de políticas clássicas de natureza austeritária, o primeiro ministro disse o óbvio, embora fosse dispensável a referência ao modelo de ataque à crise de há dez anos atrás que, como ele tem obrigação de saber, só poderia ter tido êxito com base em medidas de contenção.

No entanto, a mensagem é equivoca e, sobretudo, perigosa, mesmo que posteriormente corrigida, porque ignora que o ‘remédio’ que agora se rejeita e até se exorciza, vai ser inapelavelmente aplicado num futuro não muito distante.

Perante o advento de uma economia de catástrofe, que, segundo as previsões ‘otimistas’ do FMI, conduzirá, num ano, a uma perda do produto e do rendimento médio de 8%, a um desemprego de 13,7%, a um deficit orçamental de 7,1% e a uma subida de 17pp da dívida pública, é difícil imaginar que uma forte austeridade, não seja imposta aos portugueses num futuro não muito distante.

Mesmo no imediato e se o quadro previsional se concretizar (há quem pense, por exemplo Centeno, que pode ser bem pior), é muito difícil explicar aos portugueses que não haverá austeridade, pois a verdadeira austeridade é a que se sente no desemprego, na insegurança, na redução dos rendimentos e no medo de encarar o futuro. Outras explicações mais elaboradas são para uso dos técnicos e dos especialistas, para constarem dos compêndios científicos, e, às vezes para aproveitamento dos políticos que acham que governar é (só) uma mera gestão das expectativas.

No início desta crise, o primeiro-ministro afirmou que «temos de esperar o melhor mas devemos preparar-nos para o pior», excelente conceito que certamente foi recuperado da magnífica prosa de Fernando Pessoa (o Eremita da Serra Negra).

Só que este desiderato não é compatível com hesitações, transparência desfocada ou habilidades semânticas. A linha vermelha que separa a mobilização da vontade nacional do perigo de desânimo é muito ténue. Manter o equilíbrio não é tarefa fácil.

E não é muito fácil, porque ao contrário de uma versão que vinha sendo passada nos últimos tempos sobre os fundamentais da economia portuguesa, as coisas não estão tão bem assim.

É certo que chegámos, finalmente em 2019, ao equilíbrio orçamental, mas confrontamo-nos com a segunda dívida pública mais limitadora da União Europeia (apenas melhor que a grega, pois a dívida italiana, que é também maior, tem características diferentes que a tornam mais suportável). É verdade que atingimos valores mínimos nas taxas de desemprego, mas isso convive com uma política de salários muito baixos e com a precariedade do emprego. É indiscutível que temos crescido, embora ligeiramente, acima da média europeia, mas bastante abaixo do grupo de países que são nossos concorrentes diretos, contudo a lógica do nosso crescimento assenta em setores demasiado expostos ao exterior, como é o caso do turismo e de tudo o que lhe está associado.

As crises, pelas novas oportunidades que oferecem, são momentos de renovação e criatividade. Oxalá assim também seja agora porque na Europa, e por maioria de razão em Portugal, é preciso recriar uma Nova Economia, capaz de assegurar um modelo produtivo, mais industrializado, que elimine as dependências em que temos sobrevivido.

Perante uma crise que foi gerada por uma causa de efeito simétrico, é indispensável encontrar uma solução global à escala europeia.

As últimas decisões tomadas no Eurogrupo, que, certamente, o Conselho Europeu já validou, foram apenas a prova de vida mínima que a UE tinha de dar para que a esperança se mantivesse viva. É necessário avançar agora para a recuperação, com a criação de um modelo diferente de desenvolvimento económico e para que isso se torne possível, será indispensável aprovar um pacote financeiro de ajuda de enorme dimensão.

No momento existem quatro hipóteses, mas efetivamente duas estão praticamente descartadas ou seja, o plano dos coronabonds e o lançamento de um grande empréstimo, titulado por obrigações perpétuas. Restam a proposta conjunta de Espanha, França e Itália (porque será que Portugal foi, aparentemente, retirado da fotografia?) e a proposta da Comissão Europeia, que embora seja ‘apenas’ uma notável, mas complexa, operação de engenharia financeira, tem todas as condições para obter o consenso indispensável pois não exige, no imediato, reforço de contribuições dos estados membros.

Os próximos meses, até ao início da presidência alemã, serão, seguramente, decisivos…

Pois, como lembra o poeta Ruy Belo, «não temas porque tudo recomeça; nada se perde por mais que aconteça, uma vez que já tudo se perdeu».