Os países africanos estão perante um dilema. Têm de escolher entre pagar os juros astronómicos da sua dívida externa ou investir mais no combate à covid-19. Num continente onde há menos de uma cama nos cuidados intensivos por cada 100 mil pessoas, segundo a Reuters, cada vez mais líderes já tomaram a sua decisão: exigem o cancelamento da dívida.
«Em 2019, 64 países, quase metade deles na África subsaariana, gastaram mais no serviço da dívida externa que na saúde. A Etiópia gasta mais do dobro», recordou o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, num artigo de opinião no New York Times, no final de abril.
Semanas antes, os credores do G20 concordaram em congelar a dívida externa até ao final deste ano. Mas apenas aos países africanos mais pobres, e na condição de que mantivessem em dia os pagamentos a instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial – o preço por falhar prazos costuma acarretar duras medidas de austeridade. «No mínimo, a suspensão do pagamento da dívida devia durar não apenas até ao fim de 2020, mas até bem depois da pandemia verdadeiramente acabar», acrescentou o primeiro-ministro etíope, que defendeu «não apenas a suspensão, mas o cancelamento da dívida». É que os efeitos económicos da covid-19 podem durar muito para lá do alastrar do vírus. E entre as economias mais vulneráveis estão as africanas, baseadas sobretudo na exportação de matérias-primas, sensíveis a bloqueios no comércio mundial.
África não está a conseguir responder à crise. Enquanto a_Europa gasta cerca de 8% do seu PIB em estímulos económicos, pedindo dinheiro emprestado a juros baixos, os países africanos estão a investir apenas 0,8% do seu PIB, segundo o Economist.
«Na realidade, as potências ocidentais estão muito mais endividadas, mas, paradoxalmente, têm maior acesso a empréstimos com juros baixos», notou Carlos Lopes, um economista guineense, representante da União Africana para a Europa. «Contam com ferramentas fiscais e monetárias para lhes fazer frente que a África carece», explicou ao El País.
Ao lado de Abiy Ahmed estão líderes de todo o continente, como o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, ou o Presidente senegalês, Macky Sall. Entre os credores que têm de convencer, o maior é Pequim. «A China está no lugar do condutor», garantiu Scott Morris, do Centro para o Desenvolvimento Global. Mas, por mais urgente que seja o perdão, «vai requerer uma dor real para os credores. E não estou certo que eles estejam preparados para isso», disse Morris à Reuters.