O mal-estar na redação da TVI está a aumentar a cada dia que passa. A equipa de jornalistas liderada por Ana Leal entregou ao conselho de redação, nas últimas horas, mais uma troca de mensagens entre um dos repórteres e o diretor de informação para tentar demonstrar que Sérgio Figueiredo travara a saída de reportagens incómodas para o Governo.
“Sérgio, depois da nossa conversa, de muito refletir e de ter revisto a peça mais do que uma vez, não consigo encontrar forma de cortar. Ontem fiz as alterações que me pediste, no entanto, não consigo retirar partes relativas à ação do governo. Estou a ser confrontado pela primeira vez na vida com uma decisão destas e, como te disse, tenho a humildade de ouvir, refletir e assimilar todas as formas de pensar sobre jornalismo e sobre os tempos que vivemos. Longe de mim querer transformar isto num debate ou numa lição sobre jornalismo, estou cá para aprender e certamente que estes dias foram, são e serão ainda mais uma lição para mim. Estou entre a espada e a parede”, escreveu por email o jornalista André Ramos na tarde de 26 de março, acrescentando: “Foram feitas declarações inequívocas, em on, pelo governo, que toda a gente estava a ser testada. Não é verdade. Retirar essa parte da reportagem não me deixa confortável. Os telefonemas por si mostram o que está a acontecer – e, sendo contrário ao que diz o governo, deve ser exposto”.
A terminar, o jornalista diz que espera que a conversa fique entre os dois e conclui que “por imperativo de consciência não [consegue] mudar mais a reportagem”.
A resposta que terá recebido do diretor – esse email foi também enviado agora ao conselho de redação – foi muito curta: “Então não há reportagem. Vês como é fácil. Fica bem com a tua consciência, tal como eu fico com a minha decisão”. Sérgio Figueiredo terá ainda rematado dando a entender que o jornalista estaria fora da equipa, passando a integrar a redação: “Espero que amanhã combines com o Vasco Rosendo [chefe de redação] a escala quinzenal que ele te destina”.
Recorde-se que na altura, a 26 de março, referindo-se a esta reportagem, Ana Leal desabafou na sua página de Facebook que era alheia à sua não publicação, ainda que sem revelar as razões: “Perante as muitas perguntas que têm sido colocadas por seguidores da página do Programa Ana Leal desde ontem à noite, dizer que não é da minha responsabilidade a não emissão da reportagem que estava anunciada”. E o i sabe que o post publicado na página de Facebook do programa relativo ao trabalho foi apagado sem o conhecimento dos repórteres.
Tal como o i avançou esta semana, com base em documentação a que teve acesso, a equipa de jornalistas coordenada por Ana Leal acusa a direção de informação da TVI de censurar peças jornalísticas incómodas para o poder político e para as autoridades de saúde. O programa foi suspenso no dia 10 de março e a equipa, constituída pela jornalista e outros três repórteres, foi dissolvida 16 dias depois.
Ao conselho de deontologia do Sindicato dos Jornalistas e, mais tarde, ao conselho de redação da TVI foram mesmo detalhadas por estes jornalistas diversas investigações que a direção de informação da estação de Queluz de Baixo terá travado. A maioria está relacionada com a covid-19, mas há ainda a descrição de uma investigação que envolvia o atual Governo angolano que nunca viu a luz do dia.
Questionada na segunda-feira pelo i, Ana Leal disse não comentar o fim do programa nem os motivos. Postura idêntica teve Sérgio Figueiredo. Contactado ontem novamente sobre esta mais recente denúncia, o diretor de informação da TVI não enviou qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.
Recorde-se que na terça feira, após a primeira notícia do i, vários editores e outras chefias da redação da TVI fizeram um abaixo-assinado em defesa da direção de informação, liderada por Sérgio Figueiredo. O texto foi assinado por cerca de duas dezenas de profissionais e rejeita aquilo a que chamaram uma “campanha de desinformação”.
“Nunca os editores da TVI se sentiram limitados ou censurados pela direção de informação, nem tolerariam a prática de qualquer tipo de censura na redação”, garantiam.
Apesar dos novos elementos tornados públicos, esta semana, o conselho deontológico do Sindicato dos Jornalistas remeteu todos os esclarecimentos para um parecer de 9 de abril, no qual concluía que, apesar de o jornalismo não estar de quarentena, circunstâncias especiais poderiam levar a decisões editoriais especiais.