A forma como o processo de auxílio à TAP culminará e o papel do Estado na companhia se avançar com a injeção de quase mil milhões de euros está a criar apreensão no seio do Governo e do próprio partido. Nomeadamente porque poderá contribuir para uma precipitação de um debate de matriz ideológica, como decorre das recentes declarações do ministro Pedro Nuno Santos no Parlamento, que vieram agravar a situação, segundo apurou o SOL.
Embora alinhados nas intenções de apoiar a companhia aérea nacional – através da injeção de dinheiro público -, vários membros do Executivo socialista divergem, sobretudo, em relação ao papel que o Estado e os acionista privados devem assumir no futuro na estrutura societária da empresa após concluídas as negociações e injetado o dinheiro.
António Costa e Pedro Nuno Santos são os principais rostos das partes em confronto nessas ‘opções ideológicas’ – com o líder do partido a polarizar as teses da ala mais à direita ou social-democrata do partido e o ministro que levantou o Congresso de Guimarães a liderar a tendência socialista ou mais à esquerda do PS. E, na última semana foram várias as declarações públicas contraditórias, tanto no tom como no conteúdo, das teses em confronto no Executivo (onde parece vingar a tendência mais liberal de Siza Vieira) e do partido (esmagadoramente ao lado da via socializante de Pedro Nuno Santos. O primeiro-ministro não abdica de incluir na equação o parceiro privado – a Atlantic Gateway (controlada por David Neeleman e Humberto Pedrosa) ou outro -, tal como aconteceu até aqui, mas Pedro Nuno Santos estará mesmo disposto (e até interessado) a abrir uma nova era na companhia aérea nacional, através da extensão do controlo do Estado sobre a empresa.
Foi, aliás, exatamente essa a posição assumida, na terça-feira, pelo ministro das Infraestruturas e Habitação, quando afirmou, na Assembleia da República, que o apoio à TAP dependerá sempre do resultado das negociações que decorrem entre o Estado e o acionista privado. «O Governo está disponível para salvar a TAP, mas não a qualquer preço», disse, acrescentando que tal só acontecerá «se as nossas condições forem aceites, por respeito ao povo português e na defesa do interesse coletivo».
Neste momento, ainda falta chegar a acordo – quanto ao valor e à forma de fazer chegar o dinheiro -, mas uma das condições desejadas por Pedro Nuno Santos será mesmo que a Atlantic Gateway consiga acompanhar o investimento público a ser efetuado, numa lógica de repartição dos encargos. Se tal não acontecer, o ministro considera que o Estado deve poder ‘colher’ a parte da empresa que, para já, ainda lhe pertence: «Se o [acionista] privado não tiver como acompanhar, há créditos que eles têm sobre a empresa que têm de ser convertidos em capital». Na prática, esta seria uma forma do Estado português recuperar a maioria da TAP. Na mesma sessão, Pedro Nuno Santo optou, inclusive, por dramatizar a questão, colocando em cima da mesa um possível cenário de «insolvência» da empresa, caso não se alcance um acordo entre as partes.
Estas declarações causaram espanto, e até mesmo desconforto, entre membros do Governo, uma vez que o próprio António Costa admite outros cenários e rejeita qualquer possibilidade de insolvência.
O distanciamento do Governo em relação ao partido em matéria de TAP parece no entanto ser factual.
O SOL ouviu vários socialistas que sublinharam que as bases do partido se aproximam muito mais da posição de Pedro Nuno Santos do que da de António Costa e do independente Siza Vieira, que tem vindo a ganhar ascendência no Governo – sobretudo com o esfriamento das relações entre o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, Mário Centeno.
Por outro lado, a maioria dos membros do Governo mantém-se com António Costa. As divergências, nesta matéria, têm afastado assim o Governo do próprio partido que o apoia.
Negociações prosseguem
Entretanto, as reuniões entre o Estado e a TAP sucedem-se, mas ainda sem que as partes tenham chegado a um entendimento.
Tal como adiantou o SOL, na sua última edição, o grupo de trabalho criado pelo Governo para conduzir as negociações apenas se sentou à mesa das negociações na condição irrevogável de os representantes do Estado que integram o conselho de administração da TAP passarem a ter uma participação direta na validação das decisões da comissão executiva da empresa. Na prática, isto significa que os administradores da TAP designados pelo Estado (através da Parpública) – Miguel Frasquilho, presidente do conselho de administração, e os vogais Diogo Lacerda Machado, Esmeralda Dourado, Bernardo Trindade, Ana Pinho Silva e António Gomes de Menezes – , antes membros não executivos do conselho de administração, passaram, no imediato, a ter uma participação direta e voz ativa nas decisões da comissão executiva, mesmo antes de se ter alcançado qualquer acordo.
O grupo de trabalho é liderado por João Nuno Mendes, antigo secretário de Estado do Planeamento no segundo Governo de António Guterres e ex-presidente da Águas de Portugal, e inclui ainda o próprio Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo (representante do ministério das Finanças), a Parpública e ainda a sociedade Vieira da Almeida, como conselheira jurídica, e a consultora Deloitte, como auditora financeira.
Em causa, e tal como já havia adiantado o SOL na última edição, estará a injeção de um valor que poderá superar os mil milhões de euros, um número que, nesta fase das negociações, parece ‘agradar’ a ambas as partes, embora ultrapasse largamente os 350 milhões de euros estimados, em meados de abril, pela Atlantic Gateway.
O valor final deverá ter em consideração o rácio entre o número de aviões e o número de passageiros transportados no ano passado pela companhia aérea, seguindo, desta forma, a fórmula utilizada por outras companhias aéreas que também já recorreram a auxílios públicos. A TAP tem uma frota de 105 aviões e transportou 17,1 milhões de passageiros em 2019; a título de exemplo, a Swiss Air (com 107 aviões e 21,5 milhões de passageiros transportados o ano passado) recebeu ajudas públicas no valor de 1,4 mil milhões de euros; por sua vez, a Ibéria (107 aviões e 22,5 milhões de passageiros em 2019) teve uma injeção de capital no valor de 750 milhões de euros.
O secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo, chegou mesmo a confirmar um calendário previsível para a conclusão deste processo, apontando para um acordo «até final de maio» e uma injeção de dinheiro a ser concretizada até «meados de junho».
Mas, se quanto ao valor as partes parecem próximas, o mesmo não se poderá dizer, para já, quanto à forma como o dinheiro chegará à empresa. Em equação, estará um aumento de capital em parcelas iguais, dividido Estado e privado, opção preferida de Pedro Nuno Santos, mas que, neste momento, não será do agrado da Atlantic Gateway, impossibilitada de investir de forma avultada. Outra opção é a contratualização de um empréstimo público ou privado, que, em ambos os casos, se converteria em ações para o Estado, em caso de incumprimento por parte da empresa.
Bruxelas ‘emagrece’ TAP
À exceção do aumento de capital, a última palavra caberá sempre à Comissão Europeia, que, além de ter de autorizar a injeção de dinheiro público, só o deverá fazer na condição de se verificar uma reestruturação da empresa, que incluiria sempre a redução de rotas e frota e inevitáveis despedimentos. Os primeiros números surgiram esta semana e dão conta de uma redução de 25% a frota (menos oito aviões de longo curso e 23 de médio) e do despedimento de 1.700 trabalhadores, avançou a Rádio Renascença.
Entretanto, ontem a TAP decidiu prolongar o layofff até final de junho.
Milhares de despedimentos no setor
O setor da aviação terá ainda um longo (e duro) caminho pela frente até à recuperação. E, ainda assim, a nova ‘normalidade’ obrigará sempre a redimensionar as companhias aéreas, através da redução da frota, de rotas e de trabalhadores. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês), embora preveja uma recuperação já a partir do final deste ano, e acelerada em 2021, admite que apenas em 2023 será possível atingir os níveis de tráfego aéreo registado em 2019. Estas previsões vão ter consequências práticas, que se fazem sentir, sobretudo, na onda de despedimentos anunciados. O grupo IAG (que também detém a Ibéria e a Vueling) prevê despedir 12 mil trabalhadores da British Airways. A que se somam 5.000 na SAS, 2.000 na IcelandAir, 3.500 na United Airlines e cerca de 3.000 na Virgin Atlantic. Exatamente os mesmos 3.000 que Michael O’Leary, CEO da Ryanair, prevê dispensar na companhia irlandesa de baixo custo. Uma nova realidade que, porém, não terá ainda conhecido o seu capítulo final.