O momento em que vivemos é propício para dar voz a uma das expressões mais famosas do Nobel da economia Milton Friedman: «Somente uma crise produz mudanças reais. Quando essa crise ocorre, as ações tomadas dependem das ideias que estão por aí».
Há muitos anos que o ensino a distância (EAD) ‘anda por aí’. Por exemplo, a Universidade Aberta foi criada em 1988 com esse fim, mas nunca conseguiu dar o salto que todos esperavam. Era cedo demais para ter sucesso.
De repente, a pandemia trouxe uma crise e interrompeu um sistema educacional que muitos afirmavam estar a perder relevância. Da noite para o dia, fomos obrigados a improvisar com as ferramentas e ideias disponíveis. Tal como escrevi neste jornal, fomos obrigados a conduzir educação tradicional a distância. Dois meses volvidos, as instituições de ensino superior investiram em ferramentas digitais e algumas limitações do EAD foram identificadas. Mesmo assim, muitos alunos e professores parecem confortáveis, reconhecendo que o EAD é mais fácil do que parecia. Mas este é temporário e durará até regressarmos à normalidade. Ainda bem. A adoção exclusiva deste modelo de ensino traria implicações pedagógicas e socais nefastas a longo prazo.
Contudo, o regresso à normalidade no pós-pandemia irá ser um desafio ao próprio sistema. A todos. Aos alunos e aos professores, às universidades e aos politécnicos, ao ministério e às agências. O grau de aceitação e o tempo de impregnação do EAD poderá tornar inevitável o inimaginável há dois meses – o surgimento de um modelo educativo híbrido, onde a soma das partes (presencial e distância) é maior do que o valor individual.
Todavia, de acordo com o regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior (DL n.º 65/2018), em situações normais, os ciclos de estudos acreditados pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) «só podem ser ministrados nos locais para onde foram acreditados e registados, ou a distância se isso constar expressamente do ato de acreditação». Depois de um longo processo de avaliação anterior à pandemia, há ciclos de estudos que foram há dias formalmente acreditados para os próximos seis anos.
As tentações de todos serão enormes para manter parcialmente o EAD. Mas o regime jurídico bloqueará a prática do mesmo. O que fazer? Fazer de conta que nada aconteceu, deixar fragilizar o sistema ou enfrentar a realidade? O que será mais fácil: alterar o regime jurídico a prever que as aulas presenciais possam ser parcialmente substituídas por aulas a distância ou esperar que a A3ES seja inundada com pedidos de alteração dos planos de estudos?
*Diretor da Licenciatura e Mestrado em Engenharia Civil Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias