O descontentamento em torno do plano de retoma dos voos da TAP para o Porto em junho e julho não se resume aos responsáveis políticos – Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Rui Rio e Rui Moreira deram voz à insatisfação -, mas também aos próprios funcionários da companhia aérea que admitem «não compreender» a opção tomada pela comissão executiva da empresa – que, depois da avalancha de críticas, se viu ‘forçada’ a «ajustar» a estratégia.
Ao SOL, pilotos e tripulantes de cabine da TAP, que preferem não dar a cara, garantem que «os voos do Porto estão sempre cheios» na época alta e com a lotação «a, pelo menos, dois terços», durante a época baixa, tal como se verificou nos dois primeiros meses do ano, antes da suspensão das viagens.
Reduzir, nesta fase, a operação do Porto para apenas quatro ligações (Lisboa, Paris, Luxemburgo e Madeira), pelo menos até 31 de julho, é considerado «pouco compreensível», uma vez que a rentabilidade destas operações esteve sempre garantida até aqui. E nem sequer o contexto pandémico esclarece totalmente a opção, uma vez que a diferença para Lisboa é vista pelos trabalhadores como «desproporcional»: o plano de voos anunciado inclui 27 ligações semanais em junho e 247 em julho (a esmagadora maioria com ligação a Lisboa).
Antes da crise, a TAP operava 18 rotas de e para o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, onde se contavam as ligações de longo curso para Newark (Estados Unidos) e para São Paulo e Rio de Janeiro (Brasil). O sucesso desta aposta é, aliás, comprovado pela criação de seis novas rotas entre 2018 (Barcelona, Milão, Ponta Delgada e Londres) e 2019 (Bruxelas e Munique). Em 2020, a TAP avançou mesmo para um aumento da frequência das ligações para Madrid, Funchal, São Paulo e Newark.
O SOL tentou confirmar, junto da TAP, a elevada taxa de ocupação e rentabilidade dos voos do Porto até 23 de março (data do início da suspensão), mas a companhia aérea escusou-se a responder, alegando tratar-se de «informação comercial reservada».
A TAP terá, porém, contribuído decisivamente para que o Aeroporto Francisco Sá Carneiro tivesse ultrapassado a fasquia dos 13 milhões de passageiros em 2019, uma subida de 9,8% face ao ano anterior, e a mais expressiva entre as infraestruturas aeroportuárias em Portugal. Oficialmente, a TAP transportou um total de 17,05 milhões de passageiros no ano passado (+8,2%) e a taxa de ocupação dos voos foi de 80,1%.
Contactado pelo SOL, Henrique Louro Martins, do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), dá voz às preocupações dos trabalhadores que, nesta fase, estão em layoff, pelo menos, até final de junho. Admitindo já se sentir, nesta fase, «ansiedade por se regressar ao trabalho», o sindicalista considera também que «se justifica um plano de voos diferente, que inclua o Porto». «É obrigatório que sejam retomados os voos no Porto, que, à saída, estão quase sempre com casa cheia, e são fundamentais para a ligação, não só com a cidade, mas com todo o Norte e o Sul da Galiza», diz Henrique Louro Martins.
Estado assume posição
A onda de críticas ao plano de voos de junho e julho levou o conselho de administração da TAP, presidido por Miguel Frasquilho – representante do Estado na companhia aérea -, a marcar posição em relação às opções da comissão executiva, liderada por Antonoaldo Neves.
Em comunicado, o conselho de administração garantiu que «a companhia está empenhada e vai de imediato colaborar com todos os agentes económicos, nomeadamente associações empresariais e entidades regionais de turismo, para viabilizar o maior número de oportunidades, adicionar e ajustar os planos de rota anunciados para este momento de retoma por forma a procurar ter um serviço ainda melhor e mais próximo a partir de todos os aeroportos nacionais onde a TAP opera».
Este posicionamento vem confirmar a informação avançada pelo SOL, na edição de 17 de maio, onde se indicava que o Governo apenas começou a negociar a injeção de dinheiro na TAP – para enfrentar a crise causada pela pandemia de covid-19 – na condição sine quo non de os representantes do Estado que integram o conselho de administração passarem a ter uma participação direta na validação das decisões da comissão executiva da empresa. Esta foi, aliás, a condição irrevogável para que o grupo de trabalho encabeçado por João Nuno Mendes, nomeado pelo Executivo de António Costa, se sentasse à mesa das negociações, mesmo antes de alcançado qualquer acordo. E uma exigência que vem ao encontro da opinião do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos (também membro do grupo de trabalho), que, no Parlamento, já havia adiantado que «qualquer intervenção do estado soberano na TAP implicará que o Estado português, através do Governo, acompanhe todas as decisões que serão tomadas nos próximos tempos com impacto relevante na vida e no futuro da empresa».
Este episódio foi ainda aproveitado por António Costa para voltar a deixar críticas à comissão executiva da TAP, controlada pelo parceiro privado – Atlantic Gateway (de David Neeleman e Humberto Pedrosa) -, considerando que não aproveitar o aeroporto do Porto «não é boa gestão dos recursos». O primeiro-ministro sublinhou que «é essencial para o país que a TAP seja bem gerida, que tenha condições de sustentabilidade, que seja um instrumento de coesão nacional, de ligação com a diáspora, e de dinamização da economia nacional». «Por isso, fiz questão de recuperar 50% do capital da TAP logo no início do meu Governo», recordou António Costa.
Funcionários ‘desesperados’
O ambiente entre os trabalhadores da companhia aérea tem vindo a degradar-se, enquanto aguardam informações da empresa.
Em casa desde abril, vários tripulantes de cabine estão «desesperados» por regressarem aos céus, uma vez que muitos deles perderam, nesta fase, cerca de 60% dos seus rendimentos. Em causa, está a interpretação da lei do layoff feita pela TAP e a promessa não cumprida de nunca pagar abaixo do salário mínimo nacional (635 euros brutos). Porém, a folha de ordenado de maio de vários tripulantes de cabine ficou-se entre os 300 e os 400 euros. Ao SOL, um desses trabalhadores «confirma» a informação. Nas redes sociais, em mensagens trocadas em grupos privados, a que o SOL teve acesso, os tripulantes de cabine têm vindo a partilhar esses valores.
A situação tem gerado revolta, sobretudo, pelo facto de a TAP ter também prometido cobrir a diferença nas remunerações acima do teto máximo de 1.905 euros durante o layoff, até perfazer dois terços do salário, o que, neste caso, está a ser cumprido. «Esta situação é incompreensível e cria uma desigualdade ainda maior. Não se percebe como quem ganha menos é quem está, neste momento, a perder mais», diz o trabalhador.
Henrique Louro Martins recorda que «a lei do layoff foi feita para proteger os postos de trabalho, mas também o poder de compra das famílias portuguesas». «A TAP faz uma interpretação unilateral da lei, faz o que quer, e deixa-nos a todos nós numa situação particularmente difícil», refere o líder do SNPVAC.
A TAP, entretanto, nega a situação, afirmando que «cumpre escrupulosamente» a legislação, dizendo que nenhum trabalhador neste regime recebeu uma remuneração inferior ao salário mínimo nacional.