Há pouco mais de uma semana, Nicolau Santos recebeu um telefonema que o deixou «muito surpreendido». Do lado de lá, telefonava-lhe um dos seus amigos de longa data, com quem tem quatro livros de poesia publicados. O tema da conversa começou mesmo por ser esse, já que o presidente da agência Lusa, que já tem a sua parte de uma futura quinta obra em coautoria escrita, esperava pela parte do amigo. «Desculpa lá, eu não te mandei a minha parte ainda porque, entretanto, fui convidado pelo primeiro-ministro», justificou o amigo, António Costa Silva.
No dia seguinte, a notícia de que o CEO da Partex seria responsável por elaborar o Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030 foi avançada pelo Expresso, e os partidos foram à semelhança do que aconteceu com Nicolau Santos, apanhados de surpresa. Enquanto o antigo jornalista considerou que o novo conselheiro de António Costa «é a pessoa certa para fazer este documento», houve partidos que não demoraram a dizer que não irão negociar com Costa Silva.
António Costa Silva nasceu em Catabola, uma cidade angolana do interior, que, em 1952, se chamava Nova Sintra. Antes da independência de Angola, Costa Silva destacava-se pela oposição ao colonialismo: «Em 1970, quando fui para a universidade, criámos um movimento próprio, os Comités Amílcar Cabral, e começámos a ser perseguidos pela PIDE», disse à Sábado o agora assessor de António Costa. Mas com o 25 de Abril tudo se alterou, e, em 1977, Costa Silva, conotado com o grupo de Nito Alves, ficou debaixo de fogo do MPLA. A cisão no partido que ficou à frente dos destinos da República Popular de Angola, provocou uma verdadeira caça às bruxas, onde se cometeram as maiores atrocidades. O poeta e gestor, que começou por estudar Engenharia de Minas na Universidade de Luanda, tendo terminado o curso no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, esteve preso durante quase três anos.
Ao SOL, Nicolau Santos conta o que se passou com Costa Silva, e outros dos seus amigos, na prisão em Angola e que não foi assunto durante décadas. Foi enquanto organizavam poemas para o primeiro livro publicado em coautoria, Jacarandá e Molemba, que o presidente da agência de notícias portuguesa teve conhecimento de que, em dezembro de 1977, Costa Silva foi levado pelos guardas até à praia, onde, depois de presos e torturados, os prisioneiros eram mortos. Não foi o que aconteceu naquela viagem, tendo Costa Silva, de olhos vendados, ouvido a ordem para os soldados o fuzilarem e ainda ouviu os tiros para o ar. «Ao fim de 30 e tal anos começámos a escrever poemas sobre o que se tinha passado lá e um dos que apareceu no nosso primeiro livro é precisamente sobre essa noite em que o foram buscar e simularam o fuzilamento», conta, explicando que até aí não tinha feito perguntas por «uma questão de pudor». «Nós sabíamos que eles tinham passado muito mal, sabíamos que tinham sido torturados, mas eram coisas demasiados íntimas», diz, explicando que, apesar de já ter conhecimento da história, a primeira vez que a viu descrita «com pormenores» foi numa entrevista que Costa Silva deu à revista EXAME. «Não foi bonito», conclui.
Costa Silva deixou Angola juntamente com Manuel Enes Ferreira, com quem partilhou a cela durante três meses. Já em Portugal, o gestor da Partex terminou os estudos no Instituto Superior Técnico (IST), onde hoje é professor. Ainda durante o seu percurso académico, o novo conselheiro do primeiro-ministro, passou pelo Imperial College London, instituição na qual frequentou o mestrado de Engenharia de Petróleo. Foi durante esta fase que desenvolveu um modelo pioneiro geoestatístico para o setor do petróleo. O projeto valeu-lhe uma ida à Society of Petroleum Engineers, instituição pela qual foi convidado para trabalhar. Costa Silva disse que não à oportunidade nos Estados Unidos, e manteve-se no IST, onde se doutorou.
Na viragem do século, começou a dirigir uma empresa francesa do Instituto Francês do Petróleo quando foi convidado para integrar a Partex, negócio inciado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Segundo contou Rui Pena Pires, outro amigo de longa data, ao Expresso, Costa Silva terá dito a Rui Vilar, administrador da fundação a par com Eduardo Marçal Grilo, que não podia aceitar pois tinha acabado de entrar no negócio da petrolífera francesa. Rui Vilar terá dito que esperava, e, em 2003, António Costa Silva torna-se o CEO da Partex Oil and Gas, que o ano passado foi vendida por 555 milhões de euros à PTTEP, uma empresa pública cotada na Bolsa da Tailândia.
Leitura, filmes e debates
Nicolau Santos explica ao SOL que é uma «enorme admiração» aquilo que sente pelo amigo. «Depois do que eles passaram durante três anos, terem saído da prisão, terem acabado os cursos e terem carreiras profissionais e pessoas brilhantes, eu tenho uma enorme admiração – porque acho que eles podiam ter saído dos eixos, ficado completamente afetados», explica, garantindo que não foi o que aconteceu com todo o seu grupo de amigos.
Nicolau Santos conta que, apesar de todos os que pertencem ao seu grupo de amigos vindos de Angola serem «pessoas densas» e cultas, «o António é claramente superior». «Lê muitíssimo, quer do ponto de vista profissional, quer romances, poesia ou ensaios», conta, explicando que o CEO da petrolífera tem um uma capacidade «única de absorver o que lê sem se esquecer e tem depois uma capacidade de quando está a falar sobre um assunto, ir relacioná-los com outros assuntos que, à partida parecem não ter nada a ver». O antigo jornalista dá o exemplo dos artigos escritos, recentemente, para o jornal Público, mas também de outros tempos, quando Costa Silva escrevia para o Expresso, indo, em ambos, buscar referências a filósofos, poetas ou ensaístas «embora esteja a falar de petróleo». «Ele tem uma enorme capacidade de correlacionar coisas», garante, acrescentando a esta lista a música ou o cinema. «Foi aliás das primeiras coisas pelas quais começámos os debates em Angola», recorda, referindo-se ao Centro Cultural Independente, criado por Costa Silva, onde passavam filmes fora dos circuitos comerciais, como Kubrick.
Costa Silva confessou a Nicolau Santos que foi a calma com que encarou a situação que talvez o tenha salvo no dia do fuzilamento simulado. O antigo jornalista conta que a calma é algo que caracteriza o amigo, e que nunca o viu levantar a voz para impor ou defender os seus argumentos, «mesmo nos debates mais acesos com os amigos. Ele é muito consistente, fundamentado e, com a bagagem cultural técnica e profissional que tem, é difícil conseguir batê-lo numa discussão».
Talvez tenham sido esses os atributos que, em 2013, levaram AntónioJosé Seguro, então líder do PS, a convidá-lo como independente a participar nos Estados Gerais do partido.
A bússola
Apesar de a ecleticidade e tranquilidade serem, na opinião de Nicolau Santos, qualidades, o mesmo não sabe dizer se o vão ser nesta nova missão. «Nestas coisas também é preciso alguma sorte, alguma compreensão», afirma, sublinhando que o que move o amigo «luso-angolano», como o próprio se caracteriza, é o seu «enorme dever de sentido cívico. Há muitos anos que ele pensa sobre estas questões», garante, afirmando que «apareceu logo de uma forma caricatural que ele tinha sido recebido pelo primeiro-ministro e em dois dias escreveu um plano de recuperação económica». «Não foi nada disso», garante, explicando que para isso basta olhar para os artigos que foram escritos acerca do caminho que o país deve tomar, para sair desta, e de eventuais, crises. «Há uma coisa que nunca poderão dizer do António Costa Silva: que ele é um bluff ou um verbo de encher», afirma, explicando que na hora em que se deparar com alguma coisa que não sabe, o CEO da Partex não terá problema nenhum em pedir opiniões. «Acho que ele está completamente disponível sobre fazer todas as pontes», defende, sublinhando que é compreensível que os partidos queiram negociar com o Governo. «Quanto a outros interlocutores para enriquecerem o programa e darem os seus contributos, tenho a certeza de que todas as pessoas gostarão muito de falar com o António, de lhe dar opiniões, saber o que está a pensar, de corrigi-lo se acharem que não vai por um bom caminho», afirma, acrescentando que o país ganhou «muito» no pedido de António Costa. «Se as coisas vão correr bem, é outra história», refere, explicando que uma coisa é pensar em fazer algo, outra é concretizá-la. «Isso já não depende dele. Depende da economia, investidores, empresários, Estado», lembra.
Na sua opinião, Portugal vai ficar com «uma boa bússola para o futuro», não apenas para este mas para Governos futuros.
Perante a possibilidade de um convite para integrar o Governo, Nicolau Santos responde sem ter dúvidas. «Tem um compromisso na Partex, e os investidores tailadenses fizeram questão de ficar com o António e com a sua equipa», afirma, explicando que o amigo não tem «nenhuma apetência para ser membro de um Governo». «Isto rouba-lhe tempo. Ele tem uma enorme capacidade de trabalho e está a fazer isto com muito gosto, não tenho a mínima dúvida. Dar o pulo daí para um Governo? Aposto a 100% que ele nunca integrará nenhum Governo».
Quanto ao livro que ficou por editar, Nicolau Santos garante que perdoou o amigo, já que «a poesia pode sempre esperar e nunca se perde».