Os efeitos da pandemia em Portugal não deixam margem para dúvidas. As mais recentes perspetivas económicas não são animadoras e António Costa Silva foi chamado pelo primeiro-ministro para elaborar o plano de recuperação económica para o país.
A tarefa não se adivinha fácil, principalmente pelo clima de incerteza quanto ao vírus e o próprio gestor já chegou mesmo a admitir que a recuperação económica de Portugal será «lenta» e influenciada pelo «medo».
Mas que dificuldades terá Costa Silva na sua tarefa em recuperar um país em queda?
André Pires, analista da corretora XTB, não tem dúvidas que não será um trabalho simples: «Costa Silva terá pela frente um longo processo de recuperação da economia», diz ao SOL. Para o responsável, o principal desafio que Costa Silva poderá enfrentar será «incentivar o regresso do consumo aos níveis pré-pandémicos. Indústrias, estabelecimentos, comércio, podem reabrir mas, se os consumidores não voltarem às ruas, a recuperação está comprometida», afirma.
Já Pedro Amorim, analista da corretora Infinox considera que as dificuldades serão outras: «O desafio estará em convencer a classe política que Portugal precisa de uma reforma profunda na estratégia e no Estado. Estas políticas não têm efeito a curto prazo, o que limita a decisão favorável uma vez que os mandatos são de apenas quatro anos», defende.
O analista da XTB acredita que o plano que Costa Silva quer irá apresentar ainda este mês «serão linhas mestras de um programa mais abrangente de longo prazo», sendo previsíveis ajustes ao longo dos anos.
As prioridades do gestor nomeado pelo primeiro-ministro serão, como o próprio chegou a dizer, passam por «recuperar a economia, proteger o emprego». Objetivos vagos para André Pires, que considera que «o que importará serão as vias que pretende apresentar para esse fim». «A meu ver, julgo que estes objetivos poderão ser alcançados por meio de um alívio fiscal, redução de impostos e maior facilidade na contratação e despedimento de recursos humanos», defende. Mas pode haver um entrave: «Não me parece que a linha política do atual primeiro-ministro admita seguir este caminho», refere ao SOL.
Portugal ter um sistema fiscal competitivo deveria ser a primeira prioridade de Costa Silva, defende, por sua vez, Pedro Amorim. Mas não só: «De seguida uma justiça mais célere e menos burocracias seriam os pontos essenciais para uma economia sustentável e suficientemente atrativa para investimento estrangeiro», explica o analista. Até porque, defende, «o investimento estrangeiro foi, até à data, na sua maior parte no setor do imobiliário, o mesmo não cria valor acrescentado a longo prazo».
Para Pedro Amorim, o pouco já falado por Costa Silva sobre o que pretende fazer ainda não é suficiente. «O sumário não indica ainda a qualidade do interior do plano. À primeira vista parece-me bem um plano simples e concreto», disse.
Na sua opinião, há um ponto muito importante que o gestor chamado pelo primeiro-ministro devia aprofundar: «Espero que algum dos pilares esteja na competitividade do país para a atração de investimento».
Números nada animadores
A verdade é que as previsões no que diz respeito à economia portuguesa mostram bem o trabalho que Costa Silva terá pela frente. Os dados mais recentes foram divulgados esta semana pertencem ao Conselho de Finanças Públicas (CFP) que prevê quebras na economia entre os 7,5% e os 11,8% já este ano. Face ao grande clima de incerteza vivido devido à pandemia de covid-19, a entidade liderada por Nazaré Costa Cabral elaborou previsões num cenário base e num cenário severo nas suas perspetivas económicas e orçamentais para 2020/2022.
A CFP deixa ainda um alerta: caso não sejam aplicadas mais medidas públicas de estímulo do que aquelas que já foram anunciadas, a recuperação económica não será possível antes do final de 2022.
Segundo as previsões, a retoma do crescimento em 2021 (3% no cenário base e 4,7% no cenário severo) e em 2022 (2,6% no cenário base e 3,2% no cenário severo), «é alicerçada na expectativa de que o choque na economia é transitório, sendo, contudo, elevada a incerteza quanto à rapidez de recuperação».
O desemprego é um dos pontos abordados nas estimativas do CFP e aqui as projeções também não são animadoras. Para este ano, projeta-se, no cenário base, uma contração do emprego de 5% e um aumento da taxa de desemprego para 11% da população ativa. Estima o CFP que o desemprego só começará a recuperar nos próximos dois anos, altura em que o emprego deverá crescer 2,2% e 1%, «o que conduzirá a uma redução da taxa de desemprego para 9% e 8,1%, respetivamente», segundo o cenário base.
O desemprego é, aliás, um dos pontos onde Costa Silva pretende atuar. André Pires defende que o desemprego em Portugal só não é maior nesta altura devido à medida do layoff, que o Governo até já admitiu continuar mas noutros moldes. «Se o desemprego ainda não subiu muito no nosso país, isso deve-se ao estado de layoff de muitas empresas», explicou. Mas a quebra da atividade pode ser fatal. «No entanto, a quebra na atividade das PMEs terá um impacto duradouro e muitas empresas, não vendo viabilidade económica em continuar a sua atividade nem tendo os recursos para despedir pessoal, poderão ver-se constrangidas a abrir falência, o que levará a um nível de desemprego crescente e prolongado no tempo», disse ao SOL.
Mas os dados da entidade liderada por Nazaré Costa Cabral abordam outros pontos igualmente preocupantes na economia portuguesa, uma vez que tanto o défice como o PIB já refletem os efeitos da pandemia na economia.
O saldo das administrações públicas, este ano, deverá atingir um défice de 6,5% do produto interno bruto (PIB) e, no cenário severo, pode chegar aos 9,3%. Este é um desequilíbrio orçame ntal que a entidade prevê que se reduza a partir do próximo ano, «embora não o suficiente para evitar um défice orçamental». «O agravamento do rácio do saldo orçamental decorre sobretudo de um aumento do peso da despesa do PIB e com menor expressão de uma diminuição do peso da receita», defende o CFP.
Ainda para este ano existe a possibilidade de a dívida pública registar «um forte agravamento do seu peso no PIB», seguindo-se «uma redução ao longo do restante horizonte de projeção embora para níveis muito acima do período pré-pandemia».
E se as previsões não mostram indicadores muito positivos, os dados já comprovados também não. A execução orçamental em contabilidade pública das administrações públicas registou até abril um défice de 1.651 milhões de euros, um agravamento de 341 milhões face ao período homólogo por via do menor crescimento da receita (5%) face ao da despesa (6,1%). «A execução até abril já evidencia os efeitos da pandemia na economia e nos serviços públicos na sequência das medidas de mitigação», disse o gabinete de Mário Centeno.
A evolução da receita fiscal (+3,8%) é explicada pelo aumento da receita líquida do IRS (17,8%) associado à diminuição de reembolsos, mas que será corrigido nos meses seguintes. Os restantes impostos apresentaram quebras, reflexo do abrandamento económico (exceto o imposto do selo e outros impostos diretos).
A receita fiscal aumentou 485,9 milhões de euros até abril face ao período homólogo, para 13.147 milhões de euros, impulsionada pela diminuição dos reembolsos do IRS.
Para os próximos meses, Eduardo Silva, da corretora XTB considera que estes valores possam piorar: «Vai piorar e agora estamos todos curiosos para entender se o Governo vai usar a crise sanitária para limpar as contas, o papel da oposição será importante para garantir o escrutínio necessário perante estes e os próximos dados», diz. É por isso esperado que o plano de recuperação económica possa dar reviravolta a estes valores.
Recorde-se que também o INE revelou que o PIB registou uma quebra de 2,3% nos primeiros três meses do ano, face a igual período do ano anterior. Já quando comparado com o quarto trimestre do ano passado, o PIB registou uma diminuição de 3,8% em termos reais em cadeia.
Números que, no entender de André Pires, poderão piorar: «O facto de os dados usados para o cálculo do PIB serem referentes aos três primeiros meses do ano não permitem avaliar toda a extensão do impacto económico da pandemia no PIB português». Até porque, recorda «o pico da pandemia foi em março, pelo que os dados envolvem um mês de janeiro relativamente normal e excluem o mês de abril, também muito afetado pelas restrições impostas pelo Governo».