Hotelaria. Retoma só em 2021

Só este ano, o setor prevê perder entre 3,2 e 3,6 mil milhões de euros. Investidores colocaram um travão nos novos projetos e foram canceladas a abertura de 51 novas unidades. 

Após anos a atingir valores recorde, o setor da hotelaria já fala em «ano perdido» e remete para 20121 a retoma do setor. O cenário não era animador face à pandemia provocada pela covid-19 e os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística apontavam para uma atividade parada com o setor do alojamento turístico a registar 68 mil hóspedes em abril e 193,8 mil dormidas, o que corresponde a variações negativas de 97,1% e 96,7%, respetivamente. 

De acordo com os mesmos dados, as dormidas de residentes terão diminuído 92,7% (-57,6% em março) e as de não residentes terão caído quase 100%. Uma queda que reflete os resultados agora divulgados pela Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) ao apontar para perdas de receita entre os 3,2 e os 3,6 mil milhões de euros este ano, bem como menos 24,8 a 46,4 milhões de dormidas. E apesar de haver uma expectativa positiva para o último trimestre do ano com mais de 50% das unidades hoteleiras a estimarem já ter todos os seus serviços em funcionamento nessa altura, estará sempre presente uma redução de capacidade entre 50% e 80% .

«Não significa, no entanto, que não haja reservas e que não haja movimento durante este verão, mas não nos iludamos: não vamos ter ainda este verão nada que nos faça pensar em retoma efetiva. Há uns balões de oxigénio», admitiu a presidente executiva da AHP, Cristina Siza Vieira, durante a apresentação da terceira fase do inquérito ‘Impacto da covid-19 na Hotelaria’. 

Este impacto no setor não causa surpresa e já levou os empresários a adiarem novos investimentos. Tal como o SOL já avançou, a maioria dos projetos hoteleiros com abertura prevista para este ano estão cancelados. Em causa estava a abertura de 51 novas unidades, num total de cinco mil quartos. «Muitos dos hotéis que previsivelmente iriam abrir este ano adiaram a sua abertura e só irão abrir quando esta situação estiver resolvida», afirmou Raul Martins, presidente da AHP.

A penalizar ainda mais as contas do setor está o investimento mensal em medidas extra de higiene e segurança é que ronda em média os 3.818 euros por hotel e os 40 euros por quarto. Feitas as contas, representa quase 50 mil euros anuais de acréscimo de despesas só com a implementação destas medidas.

Mas ao contrário do que se podia esperar, «não vai haver saldos nem uma hecatombe nos preços», que serão, neste período, semelhantes ou inferiores no máximo até 20% face ao período pré-pandemia. E para a maior parte dos responsáveis do setor, as condicionantes ao tráfego aéreo são o principal constrangimento à sua operação (28,36%), seguindo-se o medo de viajar (23,76%). «Vamos andar todos a batalhar por um lugar ao sol no caso do transporte aéreo, mas, de facto, não é a concorrência de outros países que nos aflige», admitiu Cristina Siza Vieira.

Face a estas quebras não é de estranhar que mais de 90% das empresas de hotelaria tenha recorrido ao layoff simplificado e deste total, cerca de 95% suspenderam o contrato de trabalho a pelo menos metade dos seus trabalhadores. Já das 9,73% de empresas que não recorreram a este regime garantem que não despediram qualquer trabalhador. Ainda assim, 25% destas empresas admitiu ter dispensado até 5% dos seus trabalhadores que estavam em regime experimental e 36% das empresas não renovaram contratos a termo a até 5% dos seus trabalhadores.

A maior parte das empresas que recorreu a esta medida do Governo de apoio à economia, requereu de imediato o período máximo de três meses (65%).

De olhos postos no novo aeroporto
Mesmo com esta quebra no turismo, o setor não ‘baixa os braços’ em relação à necessidade de avançar com o novo aeroporto para reforçar a capacidade de Lisboa. «Apesar da crise pandémica, os pressupostos que estavam na origem da decisão de avançar para o aeroporto complementar do Montijo mantêm-se. Esta infraestrutura não deixou de ser de irrefutável benefício para o país e para a economia, bem pelo contrário: este é o momento de avançar para a única solução que responde em termos de custos, eficácia e competitividade a um problema que se arrasta desde há mais de 50 anos e não o de recuperar outras opções de localização que já foram amplamente discutidas e abandonadas», afirmou Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP).

Ainda esta semana, a CTP elaborou um plano de retoma do turismo português e propõe um conjunto de medidas globais e específicas para os vários ramos de atividade e sobre diversas matérias, desde as questões sanitárias à mobilidade e acessibilidade, promoção turística, apoio às empresas e o tema laboral. No total, a CTP apresenta 99 medidas, 24 das quais transversais a toda a atividade turística e 75 divididas pelos diferentes ramos de atividade: alojamento, imobiliária turística, golfe, restauração, aviação, rent-a-car, distribuição, animação turística, eventos e congressos, espetáculos, jogo e promoção turística.

Para Francisco Calheiros «é urgente que as medidas apresentadas pela CTP sejam analisadas pelo Governo e que haja recetividade sobre as mesmas. Estamos a correr contra o tempo e é preciso que continuem a existir a abertura e a flexibilidade que têm existido para que, em conjunto, se prepare o futuro próximo no que respeita à retoma da atividade turística».

A CTP apresenta como medidas o prolongamento do layoff simplificado, adaptando-o à evolução da retoma do turismo, até ao primeiro semestre de 2021, abrangendo a totalidade dos ramos turísticos; prolongamento das moratórias fiscais e de reembolsos de financiamento para o segundo semestre de 2021; criação de mecanismos e medidas de apoio à reestruturação financeira das empresas; isenção de pagamento por conta, pagamento especial por conta, IMI, AIMI e tributação autónoma em sede de IRC até ao final do primeiro semestre de 2021; criação de uma linha de apoio ao financiamento de investimento em aquisição de bens, serviços e produtos para segurança sanitária das instalações, etc.; e implementação de um programa de pagamentos do Estado às empresas e de agilização célere de reembolsos.

O que é certo é que a necessidade da nova infraestrutura não é posta de lado. Fonte oficial da ANA Aeroportos já garantiu ao SOL que «neste momento a prioridade é combater a pandemia», mas lembrou que «concluído o estado de emergência, o processo do aeroporto complementar do Montijo será retomado». 

Também o Ministério das Infraestruturas afirmou ao SOL que «o Governo mantém os pressupostos quanto à necessidade da construção do novo aeroporto no Montijo». E acrescentou que se trata de «uma infraestrutura aeroportuária cuja necessidade se mantém no médio e longo prazo e com enorme impacto na atividade económica e de criação de postos de trabalho diretos e indiretos, como sempre tem sido referido». O ministério de Pedro Nuno Santos reafirmou que «o país não pode parar, pelo que o Governo continua a trabalhar na solução da construção do novo aeroporto do Montijo».

Argumentos que não convencem as organizações portuguesas de defesa do ambiente que já levaram o Governo português a tribunal, de modo a impedir o avanço do projeto de construção do aeroporto do Montijo. No seu entender, «as autoridades portuguesas não ponderaram devidamente os impactos que o proposto aeroporto do Montijo teria no estuário do Tejo, uma área natural protegida a nível nacional e internacional, e nas populações envolventes» e apontam também o facto de não ter sido realizada uma avaliação conjunta dos impactos em toda a região de Lisboa, relacionados com a extensão aeroportuária do Aeroporto Humberto Delgado em conjunto com o aeroporto complementar do Montijo, «desde logo por falta de avaliação ambiental estratégica», considerando ainda que projeto acaba por «colocar em causa o próprio desenvolvimento socioeconómico sustentável da região». 

Restauração a meio gás

Tal como acontece com o setor da hotelaria, também na restauração e bebidas, os dados não são animadores. Cerca de 36% das empresas não reabriram a 18 de maio e as que abriram portas, perto de metade registou uma faturação média abaixo dos 10% das receitas habituais, revelou a AHRESP. Este cenário já tinha sido admitido pela secretária-geral da associação que, em entrevista ao i, ao revelar que «há restaurantes que só fazem um ou dois almoços por dia».

Também as perspetivas para os meses de verão são dramáticas. Mais de 50% garante não vai conseguir suportar os encargos habituais (pessoal, energia, fornecedores e outros) já em junho, e 36% pondera avançar para insolvência. Quanto aos salários de maio, 16% das empresas não conseguiram efetuar o pagamento e 15% só o fez parcialmente.

Uma situação que já tinha sido admitida por Ana Jacinto ao garantir que «no final do mês, os empresários vão perceber que o dinheiro que têm em caixa não vai dar para pagar todos os encargos que têm», revelou na mesma entrevista.
Em relação ao emprego, a AHRESP diz que mais de 90% das empresas não efetuaram despedimentos nos últimos três meses (março a maio). No entanto, 73,5% das empresas não sabem se vão conseguir manter o total dos seus trabalhadores até ao final do ano.

Relativamente aos pedidos de financiamento, cerca de 33% das empresas com processos aprovados ainda não tinham o dinheiro disponível no final de maio. O pagamento de salários foi o motivo mais referido pelo qual as empresas recorreram a financiamento. «Mesmo aqueles que conseguiram financiamento, esses valores vão ter de ser pagos, não sei quando e com que encargos. É endividamento atrás de endividamento», disse a responsável.