A «intervenção alargada» do Estado na TAP, anunciada pelo ministro Pedro Nuno Santos, avança, imparável. Dentro de seis meses, a companhia aérea nacional, tal como hoje a conhecemos, não mais existirá.
É este o prazo que a comissão executiva da TAP, presidida por Antonoaldo Neves, tem para apresentar um plano de reestruturação que garanta a viabilidade da empresa a médio e longo prazo – e que estará dependente do aval do acionista Estado, a partir deste momento, com poderes reforçados. O objetivo é simples: inverter o cenário de falência técnica, com agravamento de prejuízos, em que a TAP se vê arrastada há mais de uma década – entre 2008 e 2019, os prejuízos somam 928 milhões (já depois de deduzido o lucro de 21,2 milhões de 2017). Para tal, será necessário redimensionar toda a companhia aérea, o que, na prática, significa menos rotas e redução de frota e pessoal.
A primeira fase desta «intervenção» estatal na TAP ficou concluída esta semana com a aprovação pela Comissão Europeia de um empréstimo até 1,2 mil milhões de euros que permite dar «liquidez» imediata à empresa, salvando-a de uma falência que o contexto pandémico aventou como possibilidade real. O grupo de trabalho nomeado pelo Governo – liderado por João Nuno Mendes – acertou com a Atlantic Gateway (de David Neeleman e Humberto Pedrosa) ceder perto de mil milhões de euros até ao final do ano (foram inscritos, para esse efeito, 946 milhões no Orçamento Suplementar). Mas, para que esse auxílio se concretize, o privado tem ainda de aceitar um conjunto de condições definidas pelo Governo. Na prática, esta exigência – em troca do dinheiro – permite ao Estado, acionista maioritário da TAP (com 50% do capital), passar a ter uma palavra a dizer em relação ao futuro da companhia aérea. Ao contrário do que acontecia até aqui, os representantes do Estado no conselho de administração da TAP, presidido por Miguel Fraquilho, passam a ter ‘poder’ de decisão – e o plano de reestruturação terá sempre de ter o seu aval.
Estrutura societária muda
O plano de reestruturação dará início à segunda fase da «intervenção», e deverá resultar em alterações na própria estrutura societária da companhia aérea. O ministro Pedro Nuno Santos esclareceu que o plano «incluirá a capitalização da empresa, obviamente», não fechando a porta a nenhum cenário: desde o reforço da posição do Estado ou, em alternativa, à entrada de outro parceiro privado na empresa. Desta forma, o Governo começa a pressionar a Atlantic Gateway (dona de 45% da empresa) a encontrar soluções de investimento ou, em alternativa, a sair da TAP.
Pedro Nuno Santos admitiu mesmo não ter visto «com maus olhos» o interesse da alemã Lufthansa na TAP, antes da pandemia, admitindo recuperar a receita. «Temos consciência que é difícil as companhias aéreas sobreviverem sozinhas. Uma parceria no futuro, para se tornar viável a longo prazo, é uma hipótese», afirmou.
Contactada pelo SOL, e questionada sobre o que esperar do plano de reestruturação, a TAP escusou-se, para já, a responder. A companhia aérea diz que, neste momento, «não tem nada a dizer».
Sindicato: Estado deve gerir
A TAP possui, atualmente, 105 aviões e 10 mil trabalhadores. O crescimento acelerado da empresa, nos últimos anos, principalmente desde 2016, ultrapassou o próprio plano de negócios aprovado pelos acionistas – incluindo o Estado –, o que, em contexto de crise, acentuou as dificuldades. Feitas as contas, a TAP adquiriu mais 17 aviões do que estava previsto. Neste momento, dos 86 Airbus que possui, cinco já não vão regressar aos céus, por estarem em processo de abate, apurou o SOL.
Os próximos meses, e a evolução do mercado, definirão os números da redução de rotas, frota e pessoal. Embora seja necessário ‘emagrecer’, Pedro Nuno Santos adiantou que «o Governo não quer uma TAP pequena, mas com a dimensão necessária para fazer face às necessidades da economia».
Ao SOL, José Sousa, do Sindicato dos Trabalhadores e Aviação (SITAVA), desdramatiza a situação, considerando que a TAP «deve manter a dimensão atual, avalizada anteriormente pelo Governo, pois, de outra forma, não será possível alimentar o setor do turismo, como tem vindo a acontecer». O sindicalista acredita «que não haverá despedimentos», a não ser «os motivados pela diminuição da procura, devido à pandemia, e pelo caráter sazonal do setor», como, aliás, acontece todos os anos. «Na aviação, os contratos a termo sempre existiram. Nesta fase, deverão ser estes os mais afetados», sublinha.
Quanto ao futuro da TAP, o responsável pelo SITAVA entende que a companhia aérea é não só fundamental para a economia portuguesa, mas também «um órgão de soberania». Por isso, defende «que a TAP deve ter controlo público na sua gestão». «Para o SITAVA não faz nenhum sentido o maior acionista da TAP não integrar a comissão executiva da empresa», diz José Sousa, acrescentando que esse aspeto «explica muito da instabilidade que a empresa atravessou nos últimos anos». «Esperamos que essa situação seja agora revista», conclui.