O mundo ainda tenta digerir o vídeo de George Floyd a ser sufocado pelo joelho de um polícia, gritando pela mãe antes de morrer, por ter usado uma nota falsa de 20 dólares, despertando protestos por todo o mundo. Contudo, os manifestantes têm agora mais um motivo para estar furiosos: a morte de Rayshard Brooks, um homem negro de 27 anos, abatido com dois tiros nas costas pela polícia de Atlanta, foi declarada homicídio pelas autoridades. O caso é visto como um brutal exemplo da falta de capacidade da polícia para interagir com os cidadãos, sobretudo negros, sem escalar a situação.
Quando a polícia recebeu a chamada de um empregado da Wendy’s, uma cadeia de fast-food norte-americana, esta sexta-feira, a queixa não podia ser mais inócua: um homem tinha adormecido no seu carro, na via do drive-through do estabelecimento. Dentro do veículo estava Brooks, que após ser acordado cooperou plenamente com o teste do balão, feito por dois polícias, como mostram as câmaras dos agentes.
“Sei que estão só a fazer o vosso trabalho”, disse Brooks, que contou ter bebido uns copos a mais no aniversário da sua filha de oito anos, a mais velha de quatro meninas, que o esperava no sábado para ir patinar.
Subitamente, foi o caos, após o teste dar positivo a álcool: quando algemaram Brooks e este se debateu, os agentes tentaram de imediato utilizar os seus tasers, mas o homem escapou com um dos dispositivos na mão. Já à distância, Brooks agitou o braço, possivelmente apontando o taser a um agente, sendo baleado duas vezes nas costas.
“Aqui está um homem que decidiu encostar para dormir uma sesta”, lembrou Cedric Alexander, consultor da polícia da Geórgia. “Poderiam ter-lhe dado boleia para casa, chamado um Uber, deixá-lo dormir depois, em vez de o deter?”, questionou à AP. “Isto não desculpa Brooks de maneira nenhuma por resistir à detenção. Mas a questão é: que outros protocolos podia ter usado a polícia?”
Entretanto, a chefe da polícia de Atlanta, Erika Shields, já se demitiu devido ao caso, tendo o agente que disparou sobre Brooks sido despedido e o seu colega suspenso. “Vi a interação com o sr. Brooks e isso partiu o meu coração”, disse a presidente da câmara, Keisha Lance Bottoms, na CNN. “Isto não foi confrontacional. Este era um tipo por quem estávamos a torcer”, lamentou Bottoms, que lidera uma cidade maioritariamente afrodescendente, considerada o coração da cultura negra no sul.
A presidente da câmara, equacionada como possível candidata à vice-presidência ao lado de Joe Biden, deixou claro que não viu o caso como uso justificado de força pelas autoridades – à semelhança do advogado da família Brooks, que defende que, como um taser não é uma arma letal, os agentes não tinham qualquer direito de disparar sobre o suspeito, porque não havia vidas em perigo.
Outros peritos apontam o caso como “legal mas horrível”, um termo cada vez mais comum nos círculos das forças de segurança – ou seja, “quando o agente pode tomar uma ação alternativa que não resulta na morte do civil”, explicou Kalfani Ture, professor de Direito Criminal na Universidade de Quinnipiac, no Connecticut, ao USA Today.
Uma das opções, em vez de usar os tasers ou disparar, teria sido seguir Brooks à distância, à espera de reforços. “Houve algumas vezes que suspeitos escaparam”, disse Steve Ward, um chefe da polícia da Califórnia reformado, ao jornal norte-americano. “Contei essas histórias a novos agentes, que ficaram surpreendidos porque, na altura, não usei todas as ferramentas não letais à minha disposição. Eu disse-lhes que usei: isso chama-se usar o rádio e o tempo”.
Para os manifestantes de Atlanta, muitos dos quais já saíam à rua pela morte de Floyd, a morte de Brooks foi a gota de água: os protestos reforçaram-se e, no sábado, foi queimado o Wendy’s à porta do qual se deu o incidente. As autoridades já ofereceram uma recompensa de 10 mil dólares (cerca de 8,9 mil euros) por informações sobre uma mulher, filmada de máscara, aparentemente a atear o fogo. “Olhem para a rapariga branca a tentar queimar o Wendy’s”, disse o manifestante que gravou o vídeo, citado pela Reuters. “Não fomos nós”, salientou.