Almaraz. Portugueses exigem fecho

A central nuclear de Almaraz continua a registar pequenos incidentes. Ambientalistas defendem que esta é a prova de que a central está obsoleta e autarquias próximas da fronteira pedem o seu encerramento urgente.

A central nuclear de Almaraz deveria ter encerrado atividade em junho deste ano, mas tudo indica que vai prolongar o seu funcionamento até 2028 – uma ideia que os ambientalistas portugueses consideram "extremamente grave". É um recurso espanhol, usado para a população espanhola, mas na hora de medir as consequências, essas são divididas com Portugal. E é por isso que, quando se fala desta central, a mais ou menos 100 quilómetros da fronteira entre os dois países, os portugueses têm sempre uma palavra a dizer: autarquias e ambientalistas pedem o encerramento urgente. 

No passado sábado, registou-se o segundo incidente na central nuclear no espaço de uma semana – o primeiro, no dia 22 de junho, deu-se no reator da unidade I e o segundo, no dia 27 de junho, no reator da unidade II. "O evento não teve impacto nos trabalhadores, no público ou no meio ambiente. Com as informações disponíveis até ao momento, o incidente é classificado como nível 0 provisório na Escala Internacional de Eventos Nucleares (INES)", avançou o Conselho de Segurança Nuclear (CSN) esta semana. Até ao momento, sabe-se apenas que o reator da unidade II, que trabalhava a 100% de potência, se desligou automaticamente depois de uma reabertura inesperada. 

Os motivos ainda estão por apurar e, apesar de o incidente ter sido classificado com o menor nível de gravidade que existe na escala do CSN, os ambientalistas temem que a sucessão de pequenos incidentes possa, no futuro, desencadear algo de maior gravidade. "Felizmente, até agora nenhum deles foi de maior gravidade, mas existem demasiados pequenos incidentes naquela central que comprovam exatamente o facto de ela estar muito envelhecida e totalmente obsoleta", explicou ao SOL Nuno Sequeira, vice-presidente da Quercus. 

Se existir algum problema de maior dimensão, os portugueses próximos da fronteira com Espanha, sobretudo os habitantes de Castelo Branco e Portalegre, poderão ser afetados e, "no caso de existir um acidente de maior gravidade, Portugal poderá ser tão afetado como Espanha, ou até mais". Nuno Sequeira explica que, caso exista uma fuga radioativa via atmosférica, o impacto para Portugal vai depender da direção dos ventos. No entanto, se a contaminação se der pelo meio hídrico, Portugal "seria seriamente afetado, porque esta central é refrigerada pelo rio Tejo que corre para Portugal e, portanto, Portugal ficaria aqui numa situação bastante fragilizada".

 

Prolongamento quase certo

As centrais nucleares têm, em média, um período de vida útil – considerado seguro – de 30 anos. A de Almaraz começou a funcionar no início da década de 80 e, pelas contas, deveria ter encerrado logo em 2010. "Na altura, o Governo espanhol chegou a anunciar isso, mas depois, face à crise económica que se começava a adivinhar, prolongou por mais dez anos a licença, de forma excecional", disse Nuno Sequeira, acrescentando que 2020 era o ano esperado para o encerramento definitivo. 

Espanha ainda não tomou uma decisão final, mas há um motivo para acreditar que a central vai continuar a produzir energia: "Existe o parecer do Conselho Nuclear Espanhol que dá o parecer favorável para mais oito anos", aponta o vice-presidente da Quercus. Com este parecer, favorável condicionado, que para os ambientalistas é muito preocupante, "o caminho está de certa forma aberto para poder haver um prolongamento por mais oito anos".

Além do parecer do Conselho Nuclear Espanhol, existe ainda outro aspeto que leva os ambientalistas a acreditar que o período de vida útil da central vai mesmo ser prolongado. Em 2016, foi autorizada a construção de um armazém para deposição de resíduos radioativos que resultam da atividade da central. "Segundo várias estimativas, não era preciso construir este armazém de resíduos radioativos, aquilo que já existia tinha capacidade suficiente para albergar os resíduos até junho de 2020, que era o período de licença da central", explicou Nuno Sequeira, acrescentando que "obviamente, que a partir do momento em que essa construção foi viabilizada, abriu-se também o caminho para que a central pudesse funcionar por mais tempo".

No final de maio, na Comissão de Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática, falou sobre assunto. Além de dizer que todo o sistema nuclear espanhol será desativado entre 2015 e 2035 – e que, por isso, a central nuclear de Almaraz deverá ser uma das primeiras a encerrar –, o ministro avançou que não existe entendimento entre os proprietários da central relativamente ao seu encerramento. "Dos três donos da central de Almaraz (Iberdrola com 53%, Endesa com 36% e Naturgy com 11%), não existe unanimidade sobre prolongar ou não prolongar o tempo da central". "Dois dos sócios querem que sim, um não o deseja", acrescentou Matos Fernandes. 
Apesar de o Governo português não ter poder de decisão quanto ao funcionamento ou não da central espanhola, a Quercus defende que "Portugal deve ter um papel mis incisivo naquilo que tem a ver com o funcionamento da central e, neste caso, deve exigir, no mínimo, que seja feita uma avaliação de impacte ambiental transfronteiriço para que as sociedades portuguesas sejam também ouvidas". Segundo Matos Fernandes, durante a mesma Comissão de Ambiente, foi isso que o seu Ministério fez: "Não posso deixar de dizer que me parece mesmo que deve ser entendido que tem de haver aqui uma avaliação de impacto ambiental". "Esta é uma decisão do Rei de Espanha e do seu Governo, mas por isso mesmo foi solicitado na informação que foi enviada a Espanha que fosse aferida a possibilidade" de avançar com um estudo de impacte ambiental transfronteiriço. "Não sendo obrigatório por lei, Portugal entende que deve ser feita uma avaliação", acrescentou o ministro do Ambiente e da Ação Climática.

 

Autarquias pedem encerramento urgente

Na segunda-feira, com o assunto ainda fresco em cima da mesa, a Assembleia Municipal de Castelo Branco aprovou uma moção para que a tutela proceda às "iniciativas necessárias junto do Estado espanhol e das instituições europeias no sentido do encerramento definitivo daquela central nuclear, não sendo autorizada nova prorrogação do seu prazo de funcionamento". 

O mesmo caminho seguiu Portalegre, que aprovou também, por unanimidade, uma moção para o encerramento urgente da central nuclear espanhola. Além da proximidade, o município aponta o estado obsoleto "e em final de ciclo de vida útil" como outra das razões para que a atividade seja, a curto prazo, encerrada. "Em caso de acidente nuclear grave, envolvendo a explosão de reatores, os distritos de Castelo Branco, Portalegre e Santarém seriam as zonas do território português mais rapidamente afetadas e com maior gravidade por uma eventual propagação de gases e poeiras radioativas", refere a moção, acrescentando que esta central "representa um risco e um perigo cada vez mais acrescido não só em termos ambientais, mas também para a saúde e vida dos cidadãos". 

Já a Assembleia Municipal de Idanha-a-Nova, aprovou uma moção para que o Governo perceba exatamente o que aconteceu na central nuclear no passado sábado e qual a extensão da avaria.