São 119 páginas! Um guião para a Economia de António Costa e Silva, muito bem redigido. Agrada a gregos e troianos, fazendo promessas a todos, Estado e privados, depois de uma larga introdução a caracterizar os contextos, internacional e nacional, que resultam da pandemia que vivemos.
Relembrando o seu passado revolucionário, refere que o papel do Estado será determinante para evitar uma recessão mais prolongada, numa economia fortemente atingida pela pandemia, com consequências sociais terríveis quer no (des)emprego quer na mais que provável instabilidade social. Ou seja, olha para o Estado como âncora de proteção social.
No entanto, os anos mais recentes, a profunda experiência empresarial, leva-o a ser pragmático e reconhecer o papel fundamental dos empresários na criação de riqueza. Para isso, nem se esquece de referir que quando a economia portuguesa estiver mais saudável e as empresas capitalizadas, o Estado deve saber-se retirar. Qualquer conservador não diria melhor!
Pelo meio fala de questões perfeitamente estratégicas, embora de forma não quantificada, com diversas ideias para se investir. Soube sistematizar, corporizou neste documento muitas ideias próprias com outras avulsas que vinham sendo discutidas, sempre demoradas a passar à realidade. Sem nunca o dizer, entendi que ficam as pistas e agora alguém que verifique a exequibilidade de as pôr em prática (leia-se ‘quanto vai custar cada sonho!’).
Em suma, apostas na industrialização e no digital, na ferrovia, na recapitalização das empresas (via um fundo de base pública com abertura a fundos privados). Entra na transição energética com preocupações ambientais, aborda a realidade do turismo como fator de geração de emprego (buscando um turismo de qualidade). Defende uma modernização do Estado, tema muito sensível porque está demasiado ‘gordo’, mas não sugere onde cortar a direito. Na Saúde, recomenda hospitais a construir ou renovar e pede reforço na rede de cuidados continuados (tudo há muito ‘falado’). No setor social, entra na requalificação urbana, cruzando os programas autárquicos com o Estado.
Num texto como este, torna-se difícil abordar em detalhe os múltiplos aspetos que o integram. No entanto e de forma um pouco avulsa, permito-me comentar alguns aspetos. Na ferrovia, defende uma aposta séria mas que se torna incongruente ao recomendar o reforço da ‘alta velocidade’ no eixo Lisboa/Porto quando hoje já consiste numa excelente alternativa ao avião – e investir milhares de milhões para ganhar cerca de 15 minutinhos para tomar um café, não me parece ser investimento a considerar, fazendo lembrar as 3 faixas para cada lado nas autoestradas quase vazias.
Quando refere a prioridade no eixo de ligações ferroviárias a Espanha, repete o que desde há muito é reivindicado pelos empresários nacionais – o eixo Sines-Madrid, mas não há qualquer novidade. A modernização da rede, essa sim, parece fazer todo o sentido, até pelos esforços de descarbonização da economia – privilegiando a rede elétrica.
Ao referir a aposta no Metro de Lisboa e Porto, sugere a expansão para zonas de maior densidade populacional. Espero que, em Lisboa, isto signifique reforçar o eixo Lisboa/Loures em detrimento da ideia peregrina de fechar a ligação do Rato ao Cais do Sodré via Estrela, com custos absurdos e que nem atualmente servem para fomentar o turismo.
Sobre os portos, aflora o tema sem tocar no essencial – a sua reorganização. Muito bonito falar em competitividade dos portos, mas seria mais relevante discutir o seu modelo de governação (objetivos, indicadores de desempenho, liberalização dos serviços portuários), centralizar decisões de investimentos ou outras em matérias de interesse nacional, redefinir as linhas orientadoras das concessões portuárias e incrementar a integração dos portos nas cadeias logísticas nacionais e internacionais e intermodalidade com os outros modos de transporte.
Um ponto final sobre o hidrogénio – ‘verde’, acrescento eu. Já existe um megaprojeto para Sines ao que sabemos. Nesta matéria, Bruxelas é ampla defensora de projetos similares, a partir de energia renovável, embora também apoie, numa fase intermédia, projetos de hidrogénio ‘azul’ tão defendidos por grandes companhias produtoras de gás.
Mas quando lemos que uma empresa como a Air Products vai criar um gigante ‘verde’ na Arábia Saudita (investimento de 5 bi USD), a Alemanha anuncia um investimento de 9 bi Eur na tecnologia ‘verde’ e outros países como Austrália, China, França, Noruega, Coreia do Sul e UK apostam nesta tecnologia, temos de acreditar que o projeto tem pernas para andar.
Salve Dr. António Costa e Silva! Aguardamos a quantificação.
P.S. – Nesta semana, fomos confrontados com acusações em processos como o do BES e Benfica. Mesmo com toda a presunção de inocência, ficamos constrangidos, mas desejamos que a justiça seja célere enquanto sentimos ‘vergonha alheia’.