por João Amaral Santos e Sónia Peres Pinto
João Cadete de Matos continua ‘sob fogo’. E agora por parte do Governo. Em causa estão as declarações do secretário de Estado das Comunicações, que admitiu que o Governo não exclui fazer «uma revisão» do processo de implementação em Portugal das redes móveis de quinta geração (5G), uma vez que o Executivo e a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) continuam «desarticulados» em relação a esta matéria.
Souto de Miranda, esta semana, no Parlamento, não poupou críticas ao regulamento definido pelo regulador para o leilão de atribuição das faixas para o 5G, considerando-o «muito diferente» do que foi aprovado em Conselho de Ministros. «Neste momento, temos uma situação anómala», disse o governante, acrescentando, no entanto, que «mantém a expectativa» de que o regulamento venha a ser adaptado por parte do regulador e a incorporar as orientações aprovadas pelo Governo.
Recorde-se que a entidade liderada por Cadete de Matos revelou que, depois de o processo ter sido suspenso devido à pandemia de covid-19, o novo calendário para o lançamento do 5G em Portugal teria de ser ajustado. O objetivo é aprovar o regulamento do leilão de frequências em setembro, arrancar com o leilão em outubro e terminá-lo no final do ano.
Já a conclusão da atribuição dos direitos de utilização das frequências deverá acontecer em janeiro ou fevereiro do próximo ano. Antes da pandemia, estava previsto que este processo tivesse início em abril passado.
Mas, apesar dos ajustes, o governante garantiu que o Executivo pode avançar para «uma medida de outra força legislativa», com vista a forçar a Anacom a tomar outras opções. «Se o leilão é para avançar nos termos em que o regulamento foi proposto, e a consulta? Do ponto de vista do Governo, não. Como é evidente, o que se espera de uma entidade reguladora que tem de cumprir a lei do país é que cumpra a resolução do Conselho de Ministros», disse Souto de Miranda.
O SOL contactou os operadores sobre estas declarações do secretário de Estado e a Altice, uma das empresas que tem sido mais crítica à atuação do regulador, disse apenas: «Já tivemos oportunidade de nos pronunciar sobre o processo do 5G. Tomamos boa nota da posição do Governo que foi transmitida».
Também a NOS, apesar de não querer comentar o assunto, na apresentação de resultados durante esta semana, referiu que «apesar da crescente, incompreensível e absolutamente injustificada hostilidade regulatória para com o setor das comunicações eletrónicas, olhamos para o futuro com a certeza de que estamos preparados para contribuir para a recuperação económica, ao lado das famílias, instituições e empresas».
Guerras antigas
O dossiê do processo de implementação da quinta geração móvel (5G) a migração da televisão digital terrestre (TDT) são os casos mais polémicos e também são os que têm recebido maiores críticas por parte empresas de telecomunicações. Aliás, o dossiê 5G já levou a NOS e a Vodafone a apresentarem queixas nos tribunais contra o regulador, acusando Cadete de Matos de inação e de prejudicar o interesse público ao não cumprir a lei. Também a Altice tem tecido duras críticas à atuação da Anacom, defendendo que Portugal esteve atrasado seis meses no lançamento do 5G e chegou mesmo a pedir a demissão de Cadete de Matos pela forma como está a gerir todo este processo.
E as críticas não ficaram por aqui. A APRITEL chegou a considerar que «não existe qualquer garantia de que todos os operadores terão acesso ao espetro necessário para explorar, de uma forma eficiente e inovadora, todas as potencialidades do 5G».
Também o roaming nacional criou mal estar junto das operadoras e levou a empresa liderada por Alexandre Fonseca a abandonar o grupo de trabalho. Em causa estava a solução de roaming nacional que acontece quando um utilizador, numa zona sem cobertura da sua rede, se pode ligar a outra operadora, em território nacional.
Também a licença atribuída à Dense Air está longe de ser pacífica e levou Souto de Miranda a defender que a Anacom já devia ter «expropriado a Dense Air da licença de 5G detida pela empresa há dez anos».
Recorde-se que a Dense Air comprou essa licença a uma empresa que tinha recebido espetro em 2010, mas o negócio tinha como condição que a Dense Air começasse a operar no espaço de dois anos, o que nunca chegou a acontecer. «O tempo foi passando e zero trabalhadores e zero clientes, segundo dados da Anacom. E a Anacom, em vez de ter cumprido a sua responsabilidade e dever de ter declarado a sua caducidade e revogado a licença da Dense Air, não o fez. Não se pode açambarcar espetro», afirmou Souto de Miranda.
O secretário de Estado falou mesmo de uma «negociata» que envolveu o japonês SoftBank – atualmente, dono da Dense Air –, uma vez que essa aquisição de licença através da compra da empresa que a detinha terá sido feita por um custo «muito inferior» àquele que a Dense Air teria de pagar no leilão de frequências. Apesar das críticas, a entidade liderada por Cadete de Matos anunciou, no final de 2019, a decisão de reconfigurar o espetro da Dense Air, de forma a permitir que a empresa mantenha as licenças de 5G – uma decisão bastante criticada por Governo e operadoras.
O que é certo é que o verniz estalou entre o regulador e as operadoras de telecomunicações em setembro passado, no congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), destinado a discutir o estado da nação das comunicações. E continua até aos dias de hoje. O SOL sabe que não existe comunicação entre o regulador e os agentes do mercado.