Dizia o escritor argentino Jorge Luis Borges, e com toda a razão, que «as vésperas de uma viagem são uma preciosa parte da viagem». Pois bem, para mim, um dos momentos solenes das férias é a escolha dos livros que levarei na bagagem.
Normalmente, nesta época, largo tudo o que estou a ler e inicio uma leitura diferente, para que também aí haja um corte com a rotina. No ano passado, por exemplo, li O Imenso Adeus, de Raymond Chandler, um excelente policial, género em que não tocava há décadas.
Este ano acho que exagerei. Usando uma qualquer desculpa esfarrapada, enchi um saco enorme com livros, o que lamentavelmente obrigou a minha mulher a fazer a viagem para o Algarve no maior dos desconfortos, sem ter sequer sítio onde pôr as pernas (uma vez que não havia mais espaço na bagageira do carro, o pesadíssimo saco teve de ir à frente, junto ao banco dela).
Ao contrário de outros anos, desta vez optei por não largar o que estava a ler. Tratava-se de um livro sobre a vida quotidiana dos egípcios no tempo dos Ramsés que me estava a agradar, e não queria perder o embalo. Além disso, como não era um livro assim tão grande, tinha a esperança de o acabar rapidamente para poder então passar para um dos outros, que considerava os ‘livros das férias’ propriamente ditos.
A margem de escolha, como se pode imaginar, era enorme, mas já tinha dois alvos bem definidos: King Leopold’s Ghost, de Adam Hochschild, sobre as atrocidades que o Rei Leopoldo da Bélgica patrocinou, para seu enriquecimento pessoal, no Congo; e o Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins, um magistral livro de história que se lê como um romance empolgante.
Mas os dias iam passando e eu não conseguia libertar-me dos velhos egípcios. Até porque as várias passagens interessantes me iam obrigando a tirar notas que atrasavam o progresso.
Por fim, quando tinha passado uma semana, lá atingi a última página. Já estava a antecipar o prazer que ia ter com o novo livro quando apareceu um outro – que não era nenhum dos que tinham vindo no saco – que exigiu leitura imediata. As atrocidades do Rei Leopoldo e a inspiração de Oliveira Martins tiveram pois de ficar para mais tarde. Assim como uma dúzia de outros livros, que continuaram no saco sem ninguém lhes tocar.
Feitas as contas, desse lote, li umas meras trinta e poucas páginas do primeiro volume do Portugal Contemporâneo, ou seja: mal passei da mensagem ‘Ao Leitor’ e das duas advertências que antecedem a terceira edição. O que me fez sentir pior por ter obrigado a minha mulher a viajar toda torta sem sítio onde meter as pernas. Mas pelo menos aprendi uma lição: não é só em relação à comida que se pode ter mais olhos que barriga. Para o ano, quem sabe, talvez viaje mais leve.