De que forma a pandemia mudou as nossas vidas? O revelou sobre nós próprios? Que lições devemos retirar? Qual a melhor forma de responder aos novos desafios que se colocam? Estas são algumas das questões a que um conjunto de engenheiros, médicos, professores universitários e economistas se propõe responder no volume Ressurgir – 40 perguntas sobre a pandemia, publicado pela Paulinas Editora e coordenado por Mendo Henriques, Artur Morão, Diana Ferreira e Nuno André.
«Estávamos fascinados com o crescimento económico ilimitado que, afinal, assenta na ilusão de um suprimento infinito dos bens comuns da Terra», escrevem Mendo Henriques, Artur Morão e Nuno André no Prefácio. «Somos o Planeta da Água, mas não fornecemos água potável a um quinto da Humanidade. Somos o Planeta do Ar, da atmosfera protetora, mas as emissões de gases de efeito estufa estão a provocar calamidades a ponto de tornar o ar irrespirável em algumas cidades. Somos o planeta Terra, mas causamos a erosão dos solos, a desflorestação, a perda da biodiversidade. Andamos a brincar com o fogo, que é, também, nosso.»
Com quarenta textos assinados por nomes como Manuela Eanes, Bagão Félix, a psiquiatra Maria Antónia Frasquilho, o matemático Jorge Buescu ou o padre checo Thomás Halik, e ainda testemunhos breves de diferentes personalidades (Dina Aguiar e Júlio Isidro são apenas dois exemplos), Ressurgir assume-se como um caleidoscópio de esperanças e temores para este tempo. Mas não se limita à reflexão. O engenheiro Jack Soifer, consultor de turismo, propõe medidas concretas e imediatas para combater a crise no setor. E há até espaço para anedotas.
Do primeiro dos cinco capítulos – Vida, Saúde e Solidariedade – selecionámos um excerto do texto de Maria Manuela Eanes, presidente honorária do Instituto de Apoio à Criança.
«A família – lugar dos afetos – foi fundamental nestes tempos difíceis. Lembro, a propósito Tolstoi: «a verdadeira felicidade está na própria casa, entre as alegrias da família.» É claro que toda esta situação acarretou muito mais trabalho para os pais e mães em teletrabalho, que tinham de gerir a casa, as refeições, as compras, o seu trabalho, a escola dos filhos em idade escolar, as atividades lúdicas para os mais pequenos, com a harmonia de uma vida, constantemente encerrados na mesma casa. Foram tempos desafiantes, certamente, mas tempos de maior convívio na família, que, habitualmente, não são possíveis. Puseram à prova muitas famílias. Algumas não terão resistido tão bem. Outras, estou certa, saíram mais fortalecidas. Numa altura em que foi decretada guerra contra um vírus que ameaça todo o mundo, diz o papa Francisco que nós somos «o exército invisível que luta nas trincheiras mais perigosas. Um exército sem outra arma senão a solidariedade, a esperança e o sentido da comunidade (…) em que ninguém se salva sozinho». Foi isto que também senti. E pensei, durante este tempo, mais uma vez, na importância das instituições de solidariedade social que nunca fecharam – as que, por teletrabalho, mantiveram o contacto com a população e as que, no local, nunca deixaram de servir e apoiar as crianças, os idosos, os sem-abrigo, os que precisavam de comida, aqueles a quem o papa Francisco chama «verdadeiros poetas sociais», que criaram «soluções dignas para os problemas mais prementes dos excluídos». E a solidariedade é exatamente um ponto favorável que destaco da forma como encarámos tudo isto. Muitos jovens, nos seus bairros, nos seus prédios, se ofereceram para ir fazer as compras para os vizinhos com mais idade, evitando, assim, que estes saíssem de casa e pudessem contrair o vírus. No nosso trabalho, no Instituto de Apoio à Criança, com crianças e jovens em risco, gosto sempre de lembrar que, como dizia o padre Manuel Antunes, a juventude é a idade das crises e das incertezas, das revoltas e das paixões violentas, mas também a idade dos grandes ideais e das grandes generosidades. […]»
A atual pandemia surgiu numa ocasião em que todos pensávamos, como diz Harari, que tínhamos conseguido controlar todas as «pestes». A última pandemia fora a da «gripe espanhola», que afetou mais de um terço da população global de então. Pensávamos que estávamos a salvo de situações que a literatura imaginara, como a famosa obra de Camus, A Peste, que trata de uma epidemia na cidade de Oran (na Argélia), durante a qual os cidadãos, confinados na cidade, «experimentavam o sofrimento profundo de todos os prisioneiros e de todos os exilados». Mesmo irreal, esta obra encerra um grande ensinamento: «não havia mais, então, destinos individuais, mas uma história coletiva que era a peste, o sofrimento partilhado por todos». Ora, como diz o papa Francisco, a lição que retiramos desta pandemia que agora nos assola é a seguinte: «Se pudermos aprender algo em todo este tempo, é que ninguém se salva sozinho.»