Fórmula vencedora: António Félix da Costa é o novo campeão mundial de Fórmula E, competição para carros elétricos que encerrou a sua sexta época na última quinta-feira. O piloto de Cascais conquistou o título dias antes, quando ainda faltavam disputar as duas últimas corridas do campeonato, e sucedeu ao francês Jean-Éric Vergne, então bicampeão mundial e seu colega de equipa na DS Techeetah. Aliás, a época de ouro de Félix da Costa arrancou precisamente com a mudança de equipa, depois de em setembro de 2019 ter anunciado a saída da BMW. O divórcio da marca alemã aconteceu ao fim de seis anos, com o automobilista luso consciente da importância deste passo para conseguir dar finalmente o salto desejado na carreira. «Ter um salário no desporto automóvel não só não é um dado adquirido como é algo muito difícil de conseguir. É difícil tornarmo-nos profissionais, conseguir viver disto, viver bem a fazer o que mais gostamos. A BMW de facto lançou-me como piloto profissional e não foi uma ou duas épocas, foram seis épocas, e a projeção era até de continuar. Quando surgiu esta proposta foi difícil para mim tomar essa decisão, mas na vida temos de pensar também com a cabeça e não só com o coração. Para mim, António, e para a minha carreira, tinha de arriscar e fazer esta mudança», explicou, na altura, numa entrevista ao Expresso. Praticamente um ano depois destas declarações, Félix da Costa mostrou que não estava errado: aos 28 anos, o cascalense fez história no desporto português, uma vez que se trata do mais alto título de automobilismo alguma vez conquistado. Num ano atípico para o desporto, o piloto luso adaptou-se da melhor forma às adversidades, e prova disso mesmo foi ter saído como o grande vencedor das duas primeiras corridas que marcaram a retoma do campeonato – naquela que foi ainda a terceira vitória consecutiva na temporada, depois do primeiro triunfo, alcançado em Marraquexe, em finais de fevereiro, imediatamente antes de a prova ter sido congelada durante quase cinco meses (entre março e julho) devido à pandemia de covid-19. Tal como as pistas, também o percurso desportivo de Félix da Costa é marcado por curvas e contracurvas. Na hora da vitória, o piloto da DS recordou os momentos mais complicados – e as várias vezes em que atirar a toalha ao chão parecia ser a única meta. «Não tenho palavras de momento. Só consigo pensar nos momentos maus. Estive tão perto de desistir tantas vezes, mas graças a quem esteve do meu lado, não o fiz», afirmou, emocionado, após ter terminado a nona etapa da prova, em que voltou novamente a subir ao pódio, desta vez no segundo lugar.
O cascalense juntou-se assim ao restrito lote de vencedores da prova que só conheceu o primeiro campeonato em 2014/15: o piloto brasileiro Nelson Piquet Jr. foi o primeiro campeão; seguindo-se o suíço Sébastien Buèmi (2015/16); o brasileiro Lucas di Grassi (2016/17) e o já referido bicampeão Vergne (2017/18, 2018/19 – na primeira época venceu ao serviço da Renault, com o segundo troféu já conquistado ao volante da DS).
Embora tenha encontrado a paz na Fórmula E, a carreira de Félix da Costa é um turbilhão de emoções até ao surgimento desta categoria, cuja inovação e a tecnologia são a imagem de marca, e que devagarinho vai conquistando cada vez mais adeptos um pouco por todo o mundo.
Dos karts ao hall da Fórmula 1
Tal como a grande maioria dos automobilistas profissionais, também António Félix da Costa começou a dar cartas no karting. Apelidado de ‘Formiga’ devido à estatura física, tinha apenas 9 anos quando participou no primeiro campeonato da modalidade (Taça de Portugal), e os títulos não demoraram a surgir, no Campeonato Nacional e no Open Portugal, em 2002. Otalento do português rapidamente ultrapassou fronteiras, e, aos 15 anos, sagrou-se vice-campeão da World Series Karting, além de ter sido terceiro classificado no Open Master Itália, uma das mais reconhecidas provas europeias da modalidade. As exibições levaram-no ao patamar seguinte, e, em 2007, assinou contrato com a Tony Kart (o maior construtor de karts mundial), ‘casa’ que contou com passagens de estrelas bem conhecidas da Fórmula 1, com destaque para os dois pilotos alemães Michael Schumacher e Sebastian Vettel.
A evolução do jovem piloto luso continuava a confirmar-se de forma natural ano após ano, saltando de seguida para a World Series by Renault 2.0, competindo neste troféu em 2008 e 2009, tendo neste último ano alcançado o seu primeiro título de monolugares, no campeonato Norte Europeu (NEC). Indiscutivelmente, Félix da Costa apresentava-se como um dos melhores pilotos da sua geração, e os desempenhos levaram mesmo o cascalense a integrar o programa de jovens da Red Bull em junho de 2012, que terminou com a importante vitória no Grande Prémio de Macau de Fórmula 3 (feito que voltaria a repetir quatro anos depois, em 2016). Contudo, ainda antes de ter sido contratado para piloto de testes da equipa austríaca, a primeira experiência do português na categoria rainha do motociclismo já tinha acontecido: em 2010, Félix da Costa foi convidado para testar um Force India de F1, tornando-se, aos 19 anos, o português mais novo de sempre a conduzir um monolugar destes. O ano de 2013 acaba por ser decisivo na carreira desportiva do cascalense, que nunca conseguiu a titularidade na F1 – foi preterido pelo russo Daniil Kvyat na corrida por um lugar na Red Bull –, e começa a correr em categorias de endurance, no Campeonato Alemão de Carros de Turismo (DTM), e algumas corridas na Stock Car, principal categoria do automobilismo brasileiro.
«Ter ficado à porta da Fórmula 1… A rejeição da Fórmula 1 foi para mim muito complicada de gerir naquela altura. Hoje não estando na F1, este é o campeonato mais alto que em que se pode estar no desporto automóvel. Ser campeão aqui, contra pilotos que vêm da Formula 1, bicampeões da Fórmula E, campeões da Formula E… É incrível», recordou, após sagrar-se campeão mundial.
Entrada na Fórmula E e foco na próxima temporada
Em 2014/15, Félix da Costa voltou aos monolugares, dedicando-se exclusivamente ao novo campeonato de automobilismo, a Fórmula E. No ano de estreia, venceu logo na sua terceira corrida, em Buenos Aires, na Argentina. Num vídeo publicado nas suas redes sociais durante esta última semana, o piloto luso fez uma viagem ao passado, lembrando o início conturbado nesta nova etapa. «Parece que foi ontem, que estávamos na pista para arrancar a primeira temporada. Era só completar voltas na pista. Estava a ser ultrapassado pelo Buemi, Di Grassi, Vergne… Eles não tinham respeito por mim. Isso era difícil, porque o meu principal motivo era vencer. Todos os anos procurei ter uma motivação», recordou. Félix da Costa já havia admitido que a pressão que sentiu na F1 impediu-o quase sempre de se divertir, tendo encontrado a tranquilidade já nesta nova fase, no campeonato para carros elétricos, onde diz ter finalmente sentido que tinha o controlo do seu destino. «Para competires ao mais alto nível, precisas de encontrar equilíbrio na emoção», defende o piloto, lembrando que a receita do sucesso continua a ser a combinação de «ambição com trabalho árduo».
«Somos um país pequeno, mas cheio de talento. Não só no futebol, com o nosso Cristiano [Ronaldo], mas em muitos desportos. Andamos além-fronteiras a representar grandes marcas», afirmou, antes de dedicar o título conquistado ao país de origem: «Obrigado, é para Portugal».
Apesar de estar a atravessar o melhor momento da carreira, Félix da Costa já aponta à próxima temporada: «Sempre disse que sou ambicioso e agora quero mais», reconheceu, sublinhando que «não gosta de ser apenas mais um [na modalidade]» e que luta sempre para vencer.
Os desafios prometem ser cada vez mais exigentes, numa disciplina do automobilismo cada vez mais competitiva e em ascensão – na época agora finda, o campeonato contou com 12 equipas e 24 pilotos, apresentando-se como a temporada mais exigente na modalidade. «Todas as equipas vão querer vencer-nos. Somos a equipa a abater», sublinhou o português. A DS Techeetah garantiu também o triunfo no campeonato por equipas.
Portugal festeja conquista histórica
Félix da Costa é o responsável por trazer para Portugal o mais alto título alcançado no desporto automóvel português, e o feito histórico foi o grande destaque do universo desportivo da última semana. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi uma das personalidades a felicitar o piloto. «António Félix da Costa é o quinto piloto a conquistar esta prova, naquele que é um dos momentos mais altos da sua carreira. Orgulha Portugal, alegra todos os portugueses e merece o reconhecimento do Presidente da República, que já lhe transmitiu pessoalmente as felicitações em nome de todos os portugueses», podia ler-se numa nota publicada na página oficial da Presidência da República. Também o primeiro-ministro António Costa deixou uma mensagem nas redes para o novo campeão mundial da Fórmula E: «Parabéns a António Félix da Costa, campeão do mundo de Fórmula E. Dia histórico e de orgulho para o desporto automóvel português». As mensagens multiplicaram-se, com destaque para colegas de profissão. Tiago Monteiro, piloto da Honda no WTCR, não escondeu a emoção após a conquista do cascalense. «Incrível! Que emoção. Sem palavras para descrever o quão orgulhoso estou deste lutador. Tantos anos a lutar por isto sem nunca desistir», escreveu no Facebook. Quem também não deixou passar em branco o feito do seu amigo ‘Formiga’ foi Filipe Albuquerque, vencedor no último domingo nas 4 Horas de Spa, segunda ronda do European Le Mans Series. «Parabéns António Maria! Muito feliz por ti! Mereces isto!», partilhou o piloto nas plataformas digitais.
Com duas décadas a andar sobre rodas, António Félix da Costa vai celebrar 29 anos no próximo dia 31 já com o título mundial no bolso. Apesar dos vários obstáculos, não tem hoje dúvidas de que todo o caminho valeu a pena.
«Ainda não estou em mim, trabalhei toda a minha vida para isto, tive momentos complicados na minha carreira mas sem dúvida que valeu a pena. Quero agradecer a todos os portugueses que estão sempre comigo, a apoiar nos bons mas sobretudo nos maus momentos! É o momento mais alto da minha carreira», frisou, após ter garantido matematicamente a conquista do título, no circuito de Tempelhof, em Berlim, capital alemã que acolheu a season final (últimas seis etapas) da época 2019/20 Fórmula E.