Uma delegação israelo-americana, a bordo de uma linha aérea israelita, partiu ontem do aeroporto Ben Gurion, em Telavive e aterrou em Abu Dhabi, no primeiro voo direto entre os dois países. O momento histórico marcou a implementação do acordo que normaliza as relações entre Israel e os Emirados Árabes Unidos (EAU), que até agora alinhavam – formalmente – com o boicote do mundo árabe ao Estado israelita, em defesa da causa palestiniana.
“Esperamos que este seja o início de uma viagem ainda mais histórica para o Médio Oriente e mais além”, declarou Jared Kushner, um dos principais conselheiros da Casa Branca e genro de Donald Trump, à saída da aeronave, que tinha a palavra “paz” estampada em inglês, hebraico e árabe.
De facto, este pode ser o primeiro de muitos acordos do género. Por exemplo, a Arábia Saudita, que acedeu a que o voo inaugural cruzasse o seu espaço aéreo, segue a batuta de Abu Dhabi em quase tudo, e já terão começado as negociações com o Sudão, cujo Governo é parcialmente controlado por militares próximos dos EAU.
Já a reação da Autoridade Palestiniana – cada vez mais dependente do apoio da comunidade internacional face aos planos do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, de anexar boa parte da Cisjordânia – foi sobretudo de desânimo. “Nós queríamos muito que o avião e aterrasse com os seus passageiros na Jerusalém libertada. Mas estamos a viver numa era árabe difícil”, lamentou esta segunda-feira o primeiro-ministro Mohammad Shtayyeh.
Não é a primeira vez que um país árabe quebra o boicote a Israel: o Egito de Anwar Sadat já o fizera em 1979, seguido pela Jordânia em 1994. Contudo, desta vez, a maré é outra. Se Sadat se tornou imediatamente um pária e um traidor aos olhos da Liga Árabe, se a Jordânia esperou até que fosse assinado o acordo de Oslo para evitar a condenação, os influentes Emirados, alinhados com os sauditas, dificilmente terão o mesmo destino. Certamente continuarão a sua guerra fria regional com o Irão, sem grandes mossas nas suas alianças.
O próprio nome do avião que fez o voo inaugural foi uma dura recordação para os palestinianos. Batizaram-no de Kiryat Gat, uma cidade israelita construída sobre duas aldeias palestinianas, Iraq al-Manshiyya e al-Faluja, arrasadas em 1948 durante Nakba, ou “catástrofe” em árabe – foi nas ruínas que o jovem Gamal Abdel Nasser, futuro expoente do pan-arabismo, se entrincheirou durante a guerra. Mas “o futuro não tem de ser predeterminado pelo passado”, salientou Kushner.