Com um mês de atraso, é finalmente conhecida a auditoria da Deloitte à gestão do Novo Banco e o relatório aponta para perdas de 4042 milhões de euros para a instituição financeira entre 4 de agosto de 2014 (um dia após a resolução do BES) e 31 de dezembro de 2018, ou seja, prejuízos que envolvem as várias administrações do banco.
A análise incidiu sobre “283 operações que integram o objeto da auditoria, abrangendo, portanto, quer o período de atividade do Banco Espírito Santo, quer o período de atividade do Novo Banco”, e “descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves de controlo interno no período de atividade até 2014 do Banco Espírito Santo, no processo de concessão e acompanhamento do crédito, bem como relativamente ao investimento noutros ativos financeiros e imobiliários”, de acordo com o comunicado divulgado pelo Ministério das Finanças.
De acordo com o Ministério liderado por João Leão, face à grande abrangência temporal, “que incide sobre um período muito alargado da atividade do Banco Espírito Santo até 2014 relativamente ao qual estão em curso processos criminais, e à necessidade de salvaguarda dos interesses financeiros do Estado, o relatório será remetido pelo Governo à Procuradoria-Geral da República considerando as competências constitucionais e legais do Ministério Público”.
O relatório diz ainda que as perdas incorridas pelo Novo Banco decorreram fundamentalmente de exposições a ativos que tiveram origem no período de atividade do Banco Espírito Santo e que foram transferidos para o Novo Banco no âmbito da resolução. “O relatório da auditoria especial é extenso e exigirá uma análise técnica cuidada, objetiva e responsável por parte de todos aqueles a quem foi enviado”, observou o Governo português, acrescentando ser “imprescindível que sejam desenvolvidas, por todos os intervenientes, todas as ações necessárias para assegurar a rápida e integral correção das questões identificadas no relatório da auditoria especial”.
Novo Banco responde A instituição financeira liderada por António Ramalho considera que a auditoria independente à gestão dos últimos 18 anos “confirma a forma transparente e competitiva com que o Novo Banco tem vindo a recuperar o seu balanço”. E coloca em destaque “a importância dos processos de alienação de ativos para a recuperação do balanço do Novo Banco, bem como as melhorias operacionais alcançadas” que colocam a instituição “numa posição sólida que permite apoiar os seus clientes e a economia portuguesa neste momento crítico da nossa vida coletiva”.
A instituição financeira diz que a auditoria “coloca em evidência que as perdas incorridas pelo Novo Banco decorreram fundamentalmente de exposições a ativos que tiveram origem no período de atividade do Banco Espírito Santo e que foram transferidos para o Novo Banco no âmbito da resolução”.
Polémicas Para evitar eventuais prejuízos, o Governo anunciou no início de agosto que tinha posto travão a fundo a futuras vendas de ativos no Novo Banco, pelo menos até ser conhecida a auditoria da Deloitte. Em causa está a operação de venda de um portefólio composto por 13 mil ativos imobiliários a um fundo com investidores anónimos sediado nas ilhas Caimão e que gerou um prejuízo de 264 milhões de euros ao Novo Banco – foram vendidos por 364 milhões quando estavam avaliados em 631 milhões –, que viria a ser coberto pelo Fundo de Resolução. A par da perda de capital, uma das dúvidas também levantadas foi quem teria sido o beneficiário último destas vendas.
Esta polémica surgiu numa altura em que o banco pedia mais 176 milhões de euros ao Fundo de Resolução, depois de ter agravado os prejuízos para os 555 milhões de euros no primeiro semestre.
Reações Para o PS, não há dúvidas: a auditoria ao Novo Banco identifica a origem da “doença” financeira no Banco Espírito Santo (BES). E acusou o Governo PSD/CDS e a anterior administração do Banco de Portugal de terem “falhado”. Segundo os socialistas, “esta auditoria diz-nos que a doença do BES passou para o Novo Banco, ao contrário do que tinha sido anunciado e prometido pelo anterior Governo PSD/CDS e pela administração do Banco de Portugal no dia da resolução”, em 3 de agosto de 2014.
O PSD optou por dizer que a instituição financeira está doente e, consequentemente, os contribuintes também ficam doentes. “O Novo Banco está doente e os contribuintes também ficam doentes por causa disso. Essa auditoria não conheço, nenhum de nós conhece, só sabemos que, entretanto, foi entregue. As primeiras falam mais do BES que do Novo Banco. Eu estou mais interessado em ouvir sobre o Novo Banco do que sobre o BES. Sobre o BES, já todos sabemos a desgraça que foi e pagámos a fatura que pagámos, e inclusive há já uma acusação formulada pelo Ministério Público que agora segue os trâmites normais e irá acabar com um julgamento”, atirou Rui Rio.
Já para o Bloco de Esquerda, a auditoria independente aos 18 anos de gestão do BES/Novo Banco confirma e desenvolve muitas coisas que já se sabiam, mas não permite dar resposta a uma questão que é essencial esclarecer: saber se o fundo Lone Star (acionista privado do Novo Banco) está a “enganar o Estado português”, o Governo e os contribuintes, “obrigando a pagar por prejuízos que poderiam ser evitados”. Esta a principal conclusão tirada por Mariana Mortágua, que acrescentou que o documento “não diz”, designadamente, “se essas perdas podiam ter sido evitadas”. “Não responde se a Lone Star está a enganar o Governo, obrigando-o a pagar por prejuízos que poderiam ter sido evitados. Continuamos a não ter uma explicação para isso”.
O CDS vai mais longe e pede, com caráter de urgência, a audição do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, e do ministro das Finanças, João Leão, para darem explicações sobre as “perdas muito avultadas” do Novo Banco. “De acordo com o mecanismo de capital contingente desenhado aquando da venda do Novo Banco, o Fundo de Resolução (com recurso a empréstimos do Estado e, consequentemente, dos contribuintes portugueses) responde pelas perdas relacionadas com alguns ativos, em determinadas circunstâncias, até ao montante de 3900 milhões de euros”, disse Cecília Meireles.
Por seu lado, o PCP garante que “o escândalo do BES continua com o Novo Banco”, reiterando a necessidade de controlo público daquela instituição financeira. “Estas perdas hoje divulgadas revelam, mais uma vez, que o PCP tinha e tem razão quando afirma que, uma vez que o Estado continua a pagar a conta da limpeza do Novo Banco, este deve ser revertido para a esfera pública e colocado ao serviço da economia e do país. Quanto mais cedo se avançar com o controlo público, mais cedo se acaba com a gestão danosa, que acaba sempre por ser paga por todos os portugueses”, afirmou Duarte Alves.
Também o PAN vai propor a renegociação dos contratos de venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star e apoia uma comissão de inquérito parlamentar, face às conclusões da auditoria externa a esta instituição bancária. “O PAN proporá, em sede do próximo Orçamento do Estado, a renegociação dos acordos de venda do Novo Banco e encargos futuros para o erário público e [quer] assegurar que, durante a crise sanitária ou por causa dela, não será injetado mais nenhum dinheiro público no Novo Banco”, revelou André Silva.