O curso privado de Medicina já tem luz verde para a avançar. A Universidade Católica Portuguesa recebeu esta semana autorização para abrir o mestrado integrado, depois de um primeiro chumbo no final do ano passado. Seguem-se, agora, as obras no antigo campus da Faculdade de Engenharia da Católica em Sintra, desativado em 2013.
António Almeida, diretor do novo curso, adiantou que a expectativa é que o curso abra em setembro de 2021, dependendo da conclusão das obras. A universidade quer admitir 100 estudantes por ano, quando estiver em velocidade de cruzeiro.
Uma das condições da A3ES é precisamente que o curso comece com menos alunos.
A autorização do curso, que já era contestado pelos médicos, recebeu esta semana novas críticas. O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas e a Ordem dos Médicos vieram a público contestar o que consideram ter sido uma decisão pressionada pelo poder político. A polémica vem desde o verão passado, quando António Costa acusou a Ordem dos Médicos de criar obstáculos à abertura do curso e limitar a formação de médicos, extravazando as suas competências. «Aumentar o número de pessoas em formação é absolutamente vital para se poder ter os recursos humanos que estão ao alcance do país», defendeu, na altura, o primeiro-ministro. Ao i, Fausto Pinto, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e porta-voz do CEMP, considerou a aprovação do curso um «capricho» e uma «cedência» ao poder político, defendendo que vai contribuir para engrossar a lista de médicos sem saída no país. «Neste momento, não é oportuno estar a abrir mais nenhum curso de Medicina em Portugal. Não é nada contra a Católica ou por ser um curso privado ou público. Não faz sentido, num país como o nosso, com o terceiro rácio mais elevado de médicos por habitante e o oitavo de estudantes, em que temos um excesso de oferta formativa que leva a um número crescente de médicos que acabam por engrossar a lista de médicos indiferenciados (por não terem acesso à especialidade), que se queira abrir uma nova faculdade».
Também a Ordem dos Médicos e a Associação Nacional de Estudantes de Medicina lamentaram a aprovação do curso.
A Ordem revelou o parecer emitido a 14 de agosto, onde mantém reservas em relação ao projeto, que resulta de uma parceria entre a Católica, o grupo Luz Saúde e a Universidade de Maastricht. A principal reserva da Ordem dos Médicos, que entende também que a esfera política se sobrepôs à esfera técnica na aprovação do curso, prende-se com o futuro da PPP do Hospital de Loures, nas mãos do grupo Luz, mas cujo contrato termina em janeiro de 2022. O Governo já anunciou que não será feita uma renovação automática do contrato, estando prevista a abertura de um concurso internacional para uma nova PPP.
O diretor do curso da Católica afirmou que todas as recomendações da Ordem dos Médicos e do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas são bem-vindas e sublinhou que a Católica tem um espírito colaborativo com as restantes instituições. António Almeida assgurou também que a parceria da Católica é com o grupo Luz Saúde mas também com o Hospital Beatriz Ângelo. «Se o HBA deixar de ser ser administrado pelo grupo Luz, manterá a ligação à faculdade de Medicina. Além disso o Hospital da Luz tem condições para ser hospital universitário. Existe um decreto-lei de 2018 e o Hospital da Luz cumpre todos os critérios», garantiu.
400 portugueses tiram Medicina no estrangeiro
Reagindo à decisão da A3ES, a ministra da Saúde considerou que o curso pode ser uma oportunidade para os jovens que todos os anos saem do país para tirar Medicina. «Sabemos que há muitos portugueses que procuravam, tradicionalmente, a formação superior nesta área em outros países. Esta oferta formativa será uma oportunidade para eles terem a sua formação cá dentro e, eventualmente, ficarem também no país», disse Marta Temido, sublinhando que o país tem uma densidade «confortável» de médicos mas existem no entanto assimetrias no país. Para Fausto Pinto, a abertura de um novo curso não vai resolver a falta de capacidade do país para formar mais especialistas. «Depende sempre do ângulo de que se olha: se pensarmos que vamos investir para suprir necessidades do país, não faz sentido aumentar fornecimento de material humano que não vai ter saída. Se virmos Medicina como outro curso qualquer, de facto, há uma oportunidade, mas estamos a formar estes médicos para emigrarem ou não terem saída. A única diferença será que, em vez de estarem na República Checa, estão aqui, mas o problema é o mesmo. Estamos é a aumentar ainda mais o problema a nível interno, porque vão engrossar a lista de médicos sem saída. A não ser que se entenda que o curso deixa de servir para formar médicos, mas os recursos não são ilimitados. Isto vai satisfazer a entidade que vai abrir o curso. Para o país, interessa zero», reiterou o médico.
Já para António Almeida, a questão das saídas profissionais e formação pós-graduada, sendo uma preocupação legítima, não cabe às universidades e não deve limitar o acesso a Medicina no país. «Deve pesar tanto como o número de escritórios pesa no número de advogados que são formados. Um médico, hoje em dia, não é só formado para Portugal, mas para o mundo, e não é só formado para medicina, há muitas outras carreiras associadas, da indústria farmacêutica à gestão. É essencial dar liberdade de escolha aos alunos para poderem estudar o quiserem. Se não houver lugar de internato em Portugal, poderão fazê-lo noutros países», disse o responsável, que considera também que o curso poderá não ter impacto no número de médicos que ficam sem vaga para especialidade (600 no último ano): «Temos 400 médicos recém-formados noutros países que se candidatam às vagas de internato em Portugal. Se cem ficarem a fazer o curso na Católica, não mudamos muito a dinâmica».