Depois do crescente otimismo dos últimos meses, e da Europa já ter fechado acordo para a aquisição de 300 milhões de doses, o ensaio clínico de fase III da chamada vacina de Oxford para a covid-19, da AstraZeneca, foi ontem suspenso por tempo indeterminado. O revés na vacina que estava na fase mais avançada até em termos de negociação com os diferentes países – Portugal garantiu 6,9 milhões de doses em agosto – foi considerado normal pelas autoridades, incluindo pelo Infarmed, por significar que os procedimentos previstos para garantir a segurança estão a ser seguidos.
A decisão da farmacêutica surgiu depois de uma mulher participante no ensaio no Reino Unido, que tinha tomado a vacina e não um placebo, ter tido sintomas neurológicos consistentes com uma doença inflamatória grave da espinhal medula designada de mieliete transversa. O anúncio foi feito pelo New York Times e confirmado pela empresa, que para já não apontou uma data para a retoma dos ensaios, uma vez que a reação será agora objeto de investigação. Este tipo de inflamação pode surgir de forma espontânea ou ser induzida por drogas, toxinas ou doenças autoimunes. “Esta é uma ação de rotina que tem de acontecer sempre que existe uma doença potencialmente inexplicável num dos ensaios, enquanto é investigada, assegurando que mantemos a integridade do ensaio”, justificou a empresa. “Em grandes ensaios clínicos, podem acontecer doenças por coincidência e devem ser revistas de forma independente”, assegurou ainda a AstraZeneca, garantindo que procurará minimizar o impacto no calendário previsto para o desenvolvimento da vacina. Sem garantias certas, até porque tudo está dependente dos ensaios, o início da distribuição a nível global tem sido apontado para o final do ano.
Numa conferência telefónica privada com investidores, cujo conteúdo foi noticiado ontem pelo site especializado no setor farmacêutico Stat News, Pascal Soriot, responsável da farmacêutica, assegurou que o diagnóstico da doente ainda não foi confirmado. O prognóstico é favorável e a mulher deverá ter alta hospitalar em breve, disse. Soriot revelou também aos investidores que os ensaios da vacina já foram interrompidos uma vez em julho depois de um outro participante ter tido também sintomas neurológicos. Após exames, o doente foi diagnosticado com esclerose múltipla, uma situação que foi considerada alheia à toma da vacina. A preocupação, numa fase em que não há certezas, é que o caso não retire credibilidade aos procedimentos que estão a ser seguidos para a aprovação da vacina. “Uma vacina que ninguém quer tomar não é muito útil”, afirmou Soriot.
O presidente do Infarmed, Rui Ivo, garantiu que não virá nenhuma vacina para Portugal sem todas as regras serem cumpridas. A nível europeu estão a decorrer negociações com outras seis farmacêuticas. O último com desenvolvimentos é com a BioNTech-Pfizer e prevê a compra de 200 milhões de doses. Não há no entanto ensaios clínicos concluídos nem datas fechadas. Ao todo há 176 vacinas contra o SARS-COV-2 em desenvolvimento, 33 em fase clínica (a serem testadas em doentes) e oito em ensaios de fase 3, os mais avançados. Marta F. Reis