Fusões são o futuro da banca

Tendência não é nova, mas pode ganhar novo fôlego se operação entre BCP e Banco Montepio avançar. O próprio BCE estimula este tipo de negócios: bancos maiores e menos oferta.

O sistema financeiro continua a caminhar a passos largos para movimentos de consolidação do setor. Ainda esta semana surgiu o rumor da fusão do BCP com o Banco Montepio, que entretanto foi afastada pelos responsáveis das duas instituições financeiras. Mas não totalmente.

Uma operação que, caso venha a acontecer, não surpreende os analistas contactados pelo SOL. «Já se fala desta fusão há algum tempo e o que se comenta é: ‘Pelo menos só estragam uma casa’. Estamos a falar de uma altura em que o sistema financeiro está a utilizar fusões e aquisições para aumentar as sinergias através da redução de custos, nomeadamente custos com pessoal», garante Pedro Amorim. 

O analista da corretora Infinox chama, no entanto, a atenção para os riscos caso o negócio se concretize. «O sistema financeiro ficaria ainda mais unificado, mais monopolizado e sem bancos privados portugueses. Seria o fim da história financeira portuguesa. Iríamos ter uma valorização das ações do BCP a curto prazo, contudo, devido às circunstâncias atuais voltaríamos a falar de novos mínimos». E lembra que o próprio BCP já é uma fusão de vários bancos. «Provavelmente teremos a fusão de dois grandes bancos em Portugal nos próximos anos», vaticina.
Também Henrique Tomé admite que o setor da banca acaba por ser sempre um dos mais prejudicados em climas de instabilidade e incerteza. No entanto, vê com melhores olhos a fusão entre as duas instituições por considerar que «irá reforçar a sua quota de mercado e poderá trazer vários benefícios num ponto de vista da gestão das operações», lembrando que «após o anúncio da fusão entre BCP e Montepio o mercado acionista, nomeadamente no lado das ações do BCP reagiram logo em alta na abertura da sessão e acabou por influenciar e impulsionar de forma positiva o PSI 20. Estes ganhos acabam por demonstrar um claro otimismo por parte dos investidores após a divulgação de uma possível fusão entre os dois», refere o analista da XTB.

Para já, Miguel Maya garantiu que o BCP não está a negociar uma fusão com o Montepio. Ainda assim admitiu que poderá vir a analisar a operação caso se justifique. «Estamos tranquilos com a nossa estratégia. Agora, se houver operações que justifiquem que o banco as analise com rigor, assim faremos. Não estabelecemos nenhuns contactos com o Ministério das Finanças sobre o tema do Montepio nem estamos a analisar nenhuma operação com o Montepio. Se vier a surgir, de certeza que vamos olhar», disse o CEO do banco.

Mais resistente a este cenário está a dona do Banco Montepio. De acordo com o presidente da Associação Mutualista, a instituição conta com soluções de capital «ajustadas às suas necessidades e encontrará o seu próprio caminho de estabilização. Pela matriz e pelos valores mutualistas que enquadram e suportam a atividade do Banco Montepio, uma fusão desta natureza corresponderia à sua descaracterização, algo que colide com os interesses da Associação Mutualista Montepio e dos seus associados», revelou a instituição liderada por Virgílio Lima.

Cortar custos é a palavra de ordem
Cortar custos vai sem dúvida ao encontro das necessidades da instituição financeira liderada por Pedro Leitão. Ainda na semana passada, tanto o chairman como o CEO admitiram que «os tempos que vivemos são desafiantes e incertos» e confirmam a saída entre 600 e 900 trabalhadores.

Em causa, tal como o SOL tinha avançado no último sábado, está o programa de reestruturação do Banco Montepio, que já está nas mãos do Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Esta é uma das condições exigidas para que a instituição financeira possa ter estatuto de empresa em reestruturação, o que permite a quem aceite a rescisão por mútuo acordo ter direito ao subsídio de desemprego. E com isso avançar com o seu plano de fecho de balcões e redução de número de trabalhadores.

Apesar de considerar que «esta fusão pode vir a dinamizar ainda mais o setor e a aumentar a competitividade do mesmo», Henrique Tomé lembra que a operação destas duas instituições financeiras «acaba por contribuir para haver ainda menos players no mercado, fazendo com que surja um oligopólio neste setor. Este tipo de estrutura do mercado acaba por ser prejudicial aos novos players que tentam afirmar-se neste setor e representa um grande entrave para os mesmos». Também do lado dos clientes, não existem vantagens. E o analista explica porquê: «Historicamente, sempre que assistimos a este tipo de fusões temos vindo a assistir a um aumento de custos para o consumidor».

Tendência não é nova
O próprio Banco Central Europeu (BCE) tem vindo a apoiar esta tendência, já que sempre defendeu a ideia de que é necessário que o setor bancário diminua, através de operações de fusão e aquisição que acabam por criar mais benefícios para o sistema financeiro do que propriamente para o cliente.
Esta redução de custos através de fusões de bancos foi visível noutras operações, como lembra ao SOL Pedro Amorim. «A aquisição do Santander ao Popular resultou na redução de pessoal na ordem dos 13% só em Portugal».
Outra curiosidade diz respeito ao facto dos bancos que operam no mercado nacional estarem, na sua maioria, detidos por mãos espanholas. Um cenário que tem ganho maior revelo com as recentes aquisições do Banif, do BPI e do Barclays, que pesam mais 40% do sistema financeiro. É o caso do Santander, com a fusão com o Popular, a concorrer à liderança de mercado com o BCP, que por sua vez se encontra em mãos chinesas. A aquisição do BPI por parte do La Caixa, o ex-BES para o Lone Star, a saída do Barclays para entrar o Bankinter e a saída do Deutsche Bank vieram reforçar a banca espanhola em Portugal. 

E a predominância espanhola poderá não ficar por aqui, se o Novo Banco for parar a Espanha. Ao SOL, o economista Avelino de Jesus, autor de dois livros sobre a resolução do BES, já veio garantir que a instituição financeira no futuro irá sair da Lone Star para um banco espanhol, em que o Santander Totta é apontado como o candidato preferencial.
«Desde a queda ‘forçada’ do BES, tivemos um colapso no sistema financeiro nacional. Deve-se à fraca capacidade de agentes nacionais investirem em bancos, deixando para agentes mais ‘poderosos’ que só encontramos no estrangeiro», garante o analista da Infinox.

O que é certo é que Portugal acompanha a tendência que se vive na Europa. E o caso mais recente é vivido em Espanha com o anúncio de compra do Bankoa por parte do Abanca, consolidando assim a posição no país basco. Com esta operação, o banco galego vai aumentar o seu volume de negócios em 4.374 milhões de euros (1.788 milhões de euros em crédito a clientes, 1.575 milhões de euros em depósitos e 1.011 milhões de euros em fundos fora do balanço) para 93 mil milhões de euros. O Abanca vai consolidar, assim, a sua posição como a sexta entidade espanhola por ativos, com mais de 65 mil milhões de euros.

Esta é a quinta transação realizada pelo Abanca desde a sua criação em 2014. A primeira foi a integração do Banco Etcheverría nesse mesmo ano; em 2017, foi realizada a compra da Popular Servicios Financieros; em 2018, o Abanca adquiriu o Deutsche Bank PCB e, também em 2018, comprou à Caixa Geral de Depósitos o seu banco em Espanha, o Banco Caixa Geral.

Mas Pedro Amorim lembra que este cenário não se aplica apenas à vizinha Espanha. «Não é só em Espanha, temos por toda a Europa. É previsível, e o objetivo será reduzir pessoal, tornando sistemas únicos e aumento de sinergias com a partilha de ‘know-how’». E reconhece que estas operações surgem mais quando assistimos a dificuldades no setor, dando como exemplo o que se passou com a indústria farmacêutica há uns poucos anos. E de acordo com o responsável, «poderemos assistir a uma redução de 30% dos balcões e 30% do pessoal em 3-4 anos, e 50% nos próximos 10 anos, sem qualquer exagero. A lógica bancária de ter balcões começa a ter os dias contados, até porque devido ao contexto epidémico os bancos estão a reforçar os sistemas de apoio ao cliente à distância através de melhores aplicações, centros de contacto, entre outros».

Uma opinião partilhada por Henrique Tomé. «Os grandes grupos empresariais tendem a adquirir outras empresas para conseguirem uma maior quota de mercado e porque estas aquisições acabam por trazer vantagens económicas às empresas, uma vez que acabam por ter uma maior facilidade no acesso a crédito, nomeadamente financiamento junto aos bancos a juros perto de zero», refere ao SOL. A tendência já dura há alguns anos e observa-se em toda a Europa e também nos EUA.