As negociações para o Orçamento do Estado de 2021 entraram numa fase de contrarrelógio. Na próxima semana os encontros ou a troca de propostas prosseguem entre Governo, BE, PCP, mas também o PAN. O Executivo veio esta sexta-feira, entretanto, fazer um ponto de situação numa espécie de prestação de contas do quadro negocial. Curiosidade? O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, falou quase à mesma hora do Bloco de Esquerda, que se preparava para dar conta da sua posição sobre o ponto mais divergente: a injeção de dinheiro no Novo Banco no próximo Orçamento do Estado.
Duarte Cordeiro esclareceu que o Governo está pronto para «não meter um cêntimo no Novo Banco» do Orçamento do Estado. A solução passará por um sindicato bancário que injete dinheiro no Fundo de Resolução para o Novo Banco. Mas, Mariana Mortágua, uma das deputadas do BE que está a acompanhar o processo negocial com o Governo disse, minutos depois, que não chega.
O Bloco de Esquerda tem uma posição de princípio: «Se este é um problema entre bancos, como nos têm dito, então tem de ser resolvido entre bancos, sem colocar o Fundo de Resolução e, portanto, os contribuintes a intermediar e a garantir esta capitalização», explicou a deputada Mariana Mortágua para rejeitar qualquer hipótese de uma injeção de capital que passe pelo Fundo de Resolução. Para o BE, qualquer solução que passe pelo Fundo de Resolução terá de entrar para o défice, por um lado, e por outro, implica sempre uma garantia pública do Estado. Ou seja, os contribuintes têm de dar essa garantia. Por isso, a solução bloquista é uma capitalização direta dos bancos privados ao Novo Banco, abrindo a porta à possibilidade, por exemplo, de, no futuro, algum dos bancos credores ficar acionista daquela instituição. O que a também dirigente do BE não esclareceu é, se esta matéria, condiciona o sentido de voto do seu partido, caso o Governo não aceite esta versão. Que ainda está a ser negociada entre os dois: BE e Governo.
Em todo o caso no PS, o cenário proposto pelo BE, de arredar o Fundo de Resolução de toda e qualquer solução de liquidez, pode obrigar o Novo Banco a tentar encontrar novos acionistas, e obrigar o Mecanismo Único de Supervisão a rever os rácios do Novo Banco (implicando um aumento muito superior de injeções de capital). «São soluções perigosas que destroem o banco», afirmou o vice-presidente da bancada socialista João Paulo Correia, citado pelo Jornal de Negócios.Certo é que o Bloco reconheceu que teria dificuldades em aceitar outra solução para o Novo Banco, que não a sua. É um braço de ferro para dirimir até ao final da próxima semana.
Uma Nova Prestação Social
Apesar da tensão em relação ao Novo Banco, tem havido avanços nas negociações noutras áreas. Por exemplo, uma nova prestação social para quem ficou sem qualquer apoio com a pandemia da covid-19 tem acordo quase fechado. Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, afirmou ontem que tal prestação iria abranger cerca de 100 mil pessoas ( um universo que terá resultado de um levantamento que o Ministério do Trabalho esteve a fazer). Já havia uma proteção especial para quem não tinha subsídio de desemprego, mas a medida era temporária. Agora, no próximo Orçamento do Estado será uma realidade permanente. O valor exigido pelo BE era o do limiar de pobreza: 502 euros. E o valor a negociar andará perto deste montante. O PAN também exigiu uma medida similar que está a negociar com o Governo, tal como o Bloco de Esquerda. Mas Duarte Cordeiro avisou que esta medida custará várias centenas de milhões de euros. O processo negocial, neste ponto, avançou na noite da passada quinta-feira.
Mas há mais medidas. O Governo avançará com aumento extraordinário de pensões em Agosto, tal como tem ocorrido nos últimos três anos. O Executivo não revelou números concretos, mas em anos anteriores os aumentos foram até aos 10 euros extra.
Salário mínimo
No capitulo do Salário Mínimo Nacional, o Governo comprometeu-se, apenas, com um aumento em linha com a média dos anos anteriores. Traduzido? O que a equipa governamental levou à mesa das negociações é uma subida de 23,75 euros. No ano passado foram mais 35 euros. Ainda assim, este montante estará sempre dependente de um acordo em sede de concertação social. E Duarte Cordeiro assinalou que o compromisso do executivo se mantém: chegar a 2023 com um salário mínimo nacional de 750 euros.
Assim, a medida ficará a meio da ponte para o Bloco de Esquerda e muito aquém para o PCP. Que exige um aumento geral dos salários e quer um aumento de 215 euros no Salário Mínimo Nacional.
O Bloco exigiu, em sede de negociação orçamental, um aumento de 35 euros já em 2021. Caso contrário, o Governo teria de dobrar esse valor para 2022. Ou seja, se não conseguir um aumento real de 35 euros, o esforço terá de ser feito no próximo ano. Isto implicará também um plano de apoio a empresas e convencer os patrões a aceitar este aumento.
Já Duarte Cordeiro levou dezasseis medidas de balanço à conferência de imprensa de ontem. E deixou um aviso à navegação: «Todos os avanços têm o pressuposto de haver um entendimento para a viabilização da proposta do Governo de Orçamento do Estado».
Reforço no SNS
O executivo comprometeu-se ainda com a contratação de mais 4200 profissionais para o Serviço Nacional de Saúde em 2021 e colocar mais médicos especialistas ainda este ano, uma medida que já estava prevista na versão inicial do Orçamento de 2020, acordada à esquerda. De realçar que o BE tem criticado a falta de cumprimento de algumas medidas já aprovadas no Orçamento de 2020. Haverá ainda um reforço no INEM de mais 260 trabalhadores em 2021.
A par destes números, tanto o PCP como o BE têm reclamado um subsídio de risco para os profissionais de saúde que estão na linha da frente do combate à covid-19. Esta reivindicação será atendida em sede de Orçamento do Estado para o próximo ano.
Área laboral
Na área laboral, Duarte Cordeiro também garantiu que o executivo está disponível para fazer algumas afinações:« O Governo procurando responder aquilo que são as questões colocadas pelos diversos partidos, nomeadamente quanto à salvaguarda dos direitos dos trabalhadores durante este período de enorme instabilidade, disponibilizou-se para avançar com uma moratória que suspenda os prazos da caducidade da contratação coletiva por 18 meses», declarou ontem o governante na referida conferência da imprensa. Da mesma forma, sinalizou que o executivo está disponível para «alargar a contratação coletiva aos trabalhadores em regime de outsourcing», preparado para trabalhar em matérias que sejam necessárias para combater abusos no teletrabalho, contratar mais 60 inspetores para a Autoridade para as Condições de Trabalho, e limitar a três contratos consecutivos o chamado trabalho temporário contra os atuais seis contratos.
Os comunistas, recorde-se, colocaram em cima da mesa 46 propostas e afiançaram esta semana que não existem compromissos com o PS de aprovar o Orçamento do Estado para 2021. Ainda assim, prosseguem as negociações. Mas, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, deixou claro qual é o ponto de partida dos comunistas para estas negociações: «Não é difícil reconhecer que a situação económica e social do país, que enquadra no OE 2021, é substancialmente diferente para pior daquela que enquadrou os orçamentos dos últimos anos. O PCP exige, por isso, uma resposta com opções políticas claras e decididas em função das soluções que verdadeiramente dão resposta aos problemas nacionais e não em função de critérios impostos ao país pela União Europeia e grupos económicos», avisou o dirigente comunista esta semana. Nos próximos dias os avisos e pressões deverão continuar. O tira teimas será no dia 12 de outubro com a entrega da proposta de Orçamento do Estado no Parlamento.