Situado fora do casco histórico de Mântua e construído entre 1524 e 1534, o Palazzo del Tè não é, visto de fora, dos mais imponentes ou requintados de Itália. Mas as pinturas no interior, cobrindo paredes inteiras e tetos, deixam-nos de boca aberta.
No final da visita, antes de regressar ao carro estacionado no parque de terra batida, parei na loja, pois não podia deixar de acrescentar à minha coleção de postais de arte os prodígios do pintor Giulio Romano, discípulo de Rafael, que tinha acabado de ver. Refiro-me aos soberbos equídeos da Sala dos Cavalos, aos banquetes bastante lúbricos e licenciosos da Sala de Cupido e Psiqué – encimados pela curiosa inscrição ‘Honesto Ocio’…, e especialmente às extraordinárias figuras da Sala dos Gigantes, que ilustram o episódio da mitologia clássica em que aqueles são derrotados pelos deuses do Olimpo. A representação é tão dramática e convincente que quase sentimos a sala vir abaixo.
Porém, mesmo enquanto escolhia os postais, o meu olhar era irresistivelmente atraído para uma espécie de nicho com prateleiras preenchidas por livros de capa negra. Aproximei-me e comecei a explorar os títulos: um verdadeiro paraíso para qualquer interessado em história da arte. Mas também enquanto objeto estes livros eram magníficos: o papel rugoso, as letras bem desenhadas, as capas primorosas, com um grafismo que às vezes fazia pensar em cartas de tarot, com o mesmo caráter enigmático, a mesma carga simbólica e o mesmo poder de sugestão. Cartas de tarot que é preciso virar para desvendar os seus mistérios.
Foi assim que descobri os livros da Abscondita. Infelizmente, o efeito combinado da minha indecisão (havia tanto para escolher!) e da minha penúria levou-me a sair da loja do palácio quase de mãos vazias, levando apenas envelope com os postaizinhos lá dentro.
De regresso a Lisboa investiguei um pouco. Abscondita significa ‘segredos’ em latim. Com sede em Milão, o catálogo desta editora, a simples lista dos livros publicados, é uma obra de arte. Seria fastidioso para quem não está por dentro destes meandros enumerar os títulos, mas nele encontramos autores míticos, escritos de artistas, textos dificilmente acessíveis, curiosidades, coisas que eu nem imaginava que existiam.
Acabei por encontrar um volume desta editora à venda em Lisboa. Pertencia a uma arquiteta italiana a viver em Portugal e que já não precisava dele. Devo reconhecer, para não faltar à verdade, que nem seria o título da coleção que mais me interessava: Rinascimento e Barocco – ricerche intorno all’essenza e all’origine dello stile barocco in Italia, de Heinrich Wölfflin. Ainda assim, fiquei entusiasmadíssimo por passar a ter na minha biblioteca um representante desta distinta editora italiana. Tão entusiasmado, na realidade, que não me lembrei na altura que nem sequer sei ler em italiano!