Nikolaus Michaloliakos. Da aurora ao ocaso

O líder do Aurora Dourada foi condenado a 13 anos de prisão, juntamente com outros dirigentes e membros do partido fascista grego que foi considerado uma organização criminosa. Mas o percurso de Michaloliakos permite ler algo mais pertinente, um ensaio sobre a época mediática e a forma como tolera o mal.

História ainda não acabou, mas talvez se tenha tornado, nas suas súbitas repetições, um tanto enjoativa, como a sensação de ir a bordo de um barco sujeito à trepidação de marés que, longe de causarem verdadeiros nervos, de nos darem a provar uma sensação de receio aventuroso, apenas causam mal-estar, desgosto e, por fim, desinteresse. Ninguém sabe muito bem como reagir à bestialidade triunfante dessas novas figuras de um mal mais irritante e idiota do que propriamente aterrador. E isto mesmo talvez seja o seu maior perigo, o não nos darmos conta quando um fenómeno perturbador deixa de ser um mero fogo de palha tornando-se uma tão pavorosa quanto relevante força política.

Na Grécia, chegou por fim o veredicto do tribunal penal de Atenas que parece ter esmagado de vez o partido neonazi Aurora Dourada, condenando a 13 anos de prisão o seu líder, Nikolaus Michaloliakos, e os restantes seis membros da direção, isto uma semana depois de terem sido declarados culpados por dirigirem uma organização criminosa. O julgamento é tido como um dos mais importantes da história política grega, sinalizando o fim de um período particularmente conturbado na sequência da crise económica de 2008, com a irresponsabilidade das instituições europeias a permitir que este partido, à semelhança de outras formações oportunistas, se aproveitasse do descrédito da classe política tradicional para obter projeção com mensagens xenófobas. Em 2012, o Aurora Dourada chegou a ser a terceira maior força política, conquistando 18 lugares no Parlamento.

Após cinco anos e meio de audiências, nas quais foram ouvidas centenas de testemunhas, o tribunal penalizou duramente não apenas os dirigentes mas um total de 68 pessoas ligadas àquela formação, dando como provadas uma série de acusações contra este grupo paramilitar, incluindo os ataques a refugiados e migrantes nas ruas e praças de Atenas e do Pireu, que culminaram, em 2013, com os homicídios de um jovem iraquiano e do rapper e ativista Pavlos Fyssas. Foi este assassínio que desencadeou o processo – Yorgos Rupakiás, considerado culpado do crime, recebeu uma sentença de prisão perpétua pelo homicídio e ainda 14 anos por pertencer àquela organização criminosa e por outros crimes.

Quanto ao líder do Aurora Dourada, Nikos Michaloliakos, conhecido como o ‘pequeno Führer’, dos 13 anos a que foi condenado há que descontar os 18 meses que passou já na prisão de segurança máxima de Korydallos. Esta cumpriu, de resto, um papel decisivo na sua formação, pois foi uma espécie de quartel-general na embrulhada de ideologias e orientações paranoicas que estão por trás do seu percurso na extrema-direita. Com uma licenciatura em Matemática, aparentemente não se lhe conhece qualquer profissão. E, aos 62 anos, o seu perfil é o que basta para mostrar a infantilidade e até o anacronismo dessas teses que culpam os males do mundo (e da Grécia) numa conspiração internacional encabeçada pelos bichos papões do costume: judeus, imigrantes, banqueiros e o diabo a sete. Se numa hora, Michaloliakos não consegue disfarçar a sua admiração por Hitler, ao ponto de ter sempre por perto um exemplar do Mein Kampf, e de o mimetizar nos seus discursos, sempre num registo vociferante, levando ao limite a sua voz esganiçada e recorrendo amiúde a uma retórica belicista, na hora seguinte tenta provar o seu furor patriótico, sem conseguir, no entanto, conciliar a admiração por Hitler com a brutal ocupação nazi que, em alguma medida, pesa ainda na fragilidade política e económica de um país que mal se reergueu da II Guerra Mundial. Seja como for, o que a investigação conduzida pelo procurador Haralambos Vourliotis deixou claro é que a formação fundada por Michaloliakos há 40 anos, a partir do momento em que conquistou 426 mil votos nas legislativas de 2012, viu os seus dirigentes mais empenhados em sacar algum numa série de esquemas, enquanto apareciam armados até aos dentes, brandindo as suas insígnias (o símbolo do partido é um antigo meandro grego, que se assemelha bastante à suástica), e dizendo-se um grupo de cidadãos preocupados com a sua pátria num período negro, acirrando assim os sentimentos anti-imigração.

Voltando à prisão de onde tão cedo Michaloliakis não deverá sair, foi ali que começou a sua ascensão nos movimentos extremistas. Com apenas 16 anos, depois de participar nos protestos no exterior da embaixada britânica em Atenas, tinha já visto o interior de uma cela. Mas foi só em 1976 – após ter participado no espancamento dos jornalistas que cobriam o funeral de Evangellos Mallion, um torturador da junta militar – que passou um período em Korydallos, regressando dois anos mais tarde, por tomar parte num ataque à bomba num cinema da baixa da capital frequentado por militantes de esquerda e onde passavam filmes soviéticos. Fez os possíveis por se graduar, ganhando cadastro, impressionando os coronéis que derrubaram o regime democrático num golpe em 1967, instaurando um regime de repressão e terror que, ao longo de sete anos, levou muitos gregos à cadeia, com uma sucessão de espancamentos e mortes até uma revolta de estudantes ter galvanizado a opinião pública que, finalmente, afastou a junta militar do poder. Um desses coronéis, Georgios Papadopoulos, tomou Michaloliakos como seu discípulo e, em 1984, confiou-lhe a secção juvenil do partido de extrema-direita EPEN, que o coronel fundou quando ainda estava na prisão. Foi esse convite que marcou o fim da revista Chrysi Avgi (Aurora Dourada), que Michaloliakos começara a editar em 1980, e cujos textos terminavam com a saudação ‘Heil Hitler’.

Em 1985, depois de o EPEN não ter conseguido mais de 2% dos votos nas eleições europeias (o que, ainda assim, lhe valeu um dos 24 assentos da Grécia no Parlamento Europeu), Michaloliakos abandonou o partido e fundou o Aurora Dourada, que só em 1993 seria oficialmente registado como partido político. Em 2005, depois de não ter tido melhor sorte nas eleições, acabou absorvido pela Aliança Patriótica. Uns anos depois, reconhecendo uma oportunidade na instabilidade gerada pela crise económica, o partido reemergiu e, em 2009, o seu líder deu por si eleito para o conselho municipal de Atenas. Foi ali que, depois de as coisas terem azedado numa disputa com o presidente da Câmara, causou estardalhaço ao fazer a saudação nazi.

Depois do sucesso em 2012, com um programa eleitoral onde prometia «varrer os imigrantes» para fora da Grécia, o partido ainda se aguentou nas eleições de 2015, mantendo-se como a terceira força política, mas à medida que o processo em tribunal ia avançando, e tendo os procuradores contado com os testemunhos de antigos membros arrependidos, o Aurora Dourada começou a afundar-se, acabando por se desfazer entre a falta de verbas e as lutas internas. Nas eleições de 2019 não conseguiu eleger qualquer deputado. Na antologia dos desaforos e imbecilidades que o regime mediático, em nome das audiências, não só tolerou como amplificou, ficam a intervenção do antigo porta-voz Ilias Kasidiaris num debate televisivo em 2012, em que além de ter atirado um copo de água para uma deputada ainda lhe deu dois violentos estalos, mas também as declarações do líder afirmando que «não houve crematórios, nem câmaras de gás», e que o Holocausto, portanto, não passa de uma tremenda encenação. Mas fica, especialmente, a patética sessão em que, depois da vitória em 2012, quando Michaloliakis entra na sala, e os restantes membros do partido se levantam em sinal de respeito, ter sido exigido aos jornalistas que fizessem o mesmo. Os que recusaram, foram obrigados a sair da sala. Nessa sessão, Michaloliakos disse. «É hora de terem medo. Tentaram que eu desaparecesse, mas eu venci-vos».