O Tribunal da Relação do Porto (TRP) rejeitou o pedido apresentado pelo ex-secretário de Estado José Penedos, arguido no processo Face Oculta, de reabertura de audiência para aplicação da lei mais favorável. Domingos Paiva Antunes, outro arguido do processo Face Oculta, recorreu da decisão ao Tribunal Constitucional.
De acordo com o requerimento a que o SOL teve acesso, o antigo presidente das Redes Energéticas Nacionais arguiu a “nulidade e irregularidade” do acórdão datado do passado dia 14 de outubro. No documento mencionado, Penedos fundamentou a sua tomada de posição por meio dos seguintes fatores: o profundo desacordo perante o teor do acórdão; a necessidade de evidenciar que a lei e a justiça do caso concreto reclamam a necessidade de reabertura da audiência para apreciar a substituição da pena de prisão a que foi condenado, realçando que “não se trata de uma preocupação em evitar ou obstar ao cumprimento da pena” e a evocação da lei que “imporia que não fosse executada a sua pena de prisão enquanto não fosse definitivamente decidida essa questão”, recorrendo à decisão sumária de 29 de abril de 2018: “Uma vez transitada em julgado a sentença condenatória, o recorrente tem ainda o direito de requerer a reabertura da audiência e de pugnar pelo não início da execução da pena de prisão enquanto a questão não for apreciada”.
Sublinhe-se que Penedos foi condenado a três anos e três meses de prisão efetiva, por um crime de corrupção. Ao longo do texto, em que o arguido é representado pelos seus advogados, é percetível que acredita que o acórdão padece de “vícios” e de “uma ilegalidade que advém da composição do Tribunal”, rematando que “o recurso foi julgado em conferência, mas por apenas dois juízes” e esclarecendo que “não é concebível que existam júris de dois membros, mas que depois se transformam em três se houver empate”. Assim, Penedos realçou o desagrado que sente em relação à ausência da assinatura do Presidente da Secção no acórdão e revelou que “do acórdão apenas constam as assinaturas das já mencionadas senhoras juízas desembargadoras”.
O ex-secretário de Estado da Energia lembrou que, na apreciação do recurso, o Tribunal afirmou que existia a possibilidade de requerer a reabertura da audiência para aplicação de lei nova pois não se tratava de “uma pena de prisão suspensa na sua execução”, explicitando que tal como o Tribunal de primeira instância, o da Relação seguiu a conjetura de que a lei nova não altera os pressupostos da suspensão da execução da pena, mas sim a duração desta, isto é, para Penedos, “não influiria na decisão de suspender ou não a pena de prisão”. Frisando que discordou e continua a discordar da não reabertura da audiência porque, para o TRP, “a lei nova não obrigaria a uma reapreciação dos pressupostos da suspensão (ou não) da execução da pena de prisão”, Penedos deixou claro que este motivo “seria suficiente para fazer improceder o recurso”.
Porém, mesmo alegando que o TRP acabou “por entrar em contradição com o seu próprio raciocínio”, os mandatários subscritores, em representação de Penedos, concluíram que “não estava em questão a discussão de fundo, isto é, a suspensão ou não da pena, mas apenas a reabertura da audiência (…) E, no entanto, este Tribunal ocupou a maior parte da fundamentação do acórdão a apreciar a questão de fundo do que propriamente a questão da admissibilidade da reabertura da audiência, onde, aí sim – uma vez reaberta – se discutiria a suspensão ou não da pena”, alegando que este acórdão “incorre em manifesto excesso de pronúncia”.
Importa salientar que o acórdão negou provimento ao recurso interposto pelo arguido, tal como aconteceu com o seu filho Paulo Penedos – condenado a quatro anos de prisão efetiva por um crime de tráfico de influência – e com Domingos Paiva Nunes – condenado a quatro anos de prisão efetiva por dois crimes de corrupção, sendo que o Tribunal de Aveiro decretou a prescrição de um destes crimes – que também haviam requerido a reabertura de audiência. Este último, ex-administrador da EDP Imobiliária, recorreu igualmente da decisão ao Tribunal Constitucional, para evitar o início do cumprimento da pena a que foi condenado.
No requerimento, os representantes do arguido começaram por evocar a correção do efeito atribuído à interposição, destacando que “a decisão do Tribunal recorrido não vincula o Tribunal superior” e lembrando que (…) o Tribunal de 1ª instância fixou efeito suspensivo ao Recurso ordinário apresentado (…) por considerar tratar-se de um recurso cuja retenção o tornaria absolutamente inútil (…) por ter considerado – e muito bem – que as decisões dos recursos poderiam tornar-se “absolutamente inúteis caso os arguidos já tivessem iniciado o cumprimento de tais penas, sendo o tempo (total ou parcial) de privação de liberdade irrecuperável.” De seguida, os advogados argumentam que “o efeito meramente devolutivo, quer dizer, que não suspende o andamento do processo, não pode entender-se aplicável aos casos em que a decisão impugnada implica com a liberdade”.
Para a defesa, o TRP alterou o efeito do recurso para “meramente devolutivo, enveredando por um raciocínio interpretativo de pendor positivista, exegético e formalista”. Os advogados de defesa consideram que existe o risco de ordenar o cumprimento de uma pena de prisão que pode vir a ser substituída no decorrer da sua execução na medida em que, caso seja julgado procedente o recurso de constitucionalidade, existe a possibilidade de substituir a pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão por pena não privativa de liberdade. E, consequentemente, “a existência deste risco de privação inútil de liberdade é intolerável à luz do regime legal e constitucional vigente” porque a liberdade “constitui um direito fundamental com valor constitucional reforçado”. Finalizando, os advogados apelam ao senhor juiz relator que corrija “o efeito atribuído à interposição do presente recurso”, isto é, encontram-se convictos de que se preenchem todos os pressupostos legais para que seja admitido o recurso e julgadas inconstitucionais normas como o cumprimento da pena de prisão.
O SOL sabe que no passado dia 21 de outubro, a defesa de Hugo Godinho – sobrinho do sucateiro Manuel Godinho – realizou uma reclamação para conferência. Através da consulta do Código de Processo Civil, é compreensível que a reclamação deduzida é decidida no acórdão que julga o recurso “salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser a prolação de decisão imediata”, sendo que da decisão da conferência pode agravar a parte que se considere prejudicada.
Considerando que o acórdão “parece que o douto despacho dá por adquirido que o arguido tinha sido condenado por sentença transitada em julgado antes de ter sido proferida a sentença agora sob recurso”, o advogado adicionou que “a última ainda não transitou em julgado, pois, de outro modo, o presente recurso teria sido rejeitado”. Deste modo, critica o acórdão do TRP, do qual Penedos e Paiva Antunes também recorreram, declarando que foi explicitado que “um dos crimes por que o arguido tinha sido condenado antes, através duma sentença que não tinha transitado em julgado, e manteve a condenação pelos restantes” e insistiu que “não tinha transitado em julgado, pois, de outro modo, o tribunal não podia sequer ter conhecido da prescrição”, ou seja, o acórdão supostamente terá confiado à primeira instância para não preterir o direito ao recurso da pena única que veio a ser determinada.
“Não me orgulho nada daquilo que fiz. Eu nunca mais vou querer fazer aquilo” afirmou Hugo Godinho, em fevereiro do ano corrente, durante a audiência de cúmulo jurídico no Tribunal de Aveiro. O arguido referiu que sente “vergonha” por tudo aquilo que viveu durante o julgamento, sendo que se tornou imperativo fazer um novo cúmulo jurídico com as penas aplicadas pelos crimes de perturbação de arrematações, furto qualificado, burla qualificada e corrupção ativa para ato ilícito. Mas, para o representante de Godinho, o cliente foi condenado em diversas penas parciais por vários crimes e numa pena única, a Relação declarou prescrito um dos crimes do concurso antes de essa decisão transitar em julgado e tal não poderia ter tido lugar porque “a definição da pena concreta e um elemento essencial da sentença penal condenatória”. Em suma, o advogado defendeu que “deve prover-se esta reclamação e revogar-se o douto despacho reclamado, atribuindo-se ao recurso efeito suspensivo”.
Recorde-se que o julgamento na primeira instância culminou na condenação de 11 arguidos a penas efetivas entre os quatro e os 17 anos e meio. Dos restantes dezes, três cumprem a pena, como o ex-ministro socialista Armando Vara. O sucateiro Manuel Godinho – que pediu para ser julgado na ausência devido a problemas de saúde que o colocam, alegadamente, no grupo de risco do coronavírus – e o sobrinho Hugo aguardam a decisão do recurso da reformulação do cúmulo jurídico após prescrição de alguns crimes.