A pandemia já está a provocar uma mudança de hábitos dos portugueses. Os níveis de poupança, que historicamente são baixos em relação à média europeia, tem vindo a disparar nos últimos meses. E os números falam por si: numa altura de crise – em que há risco de perda de emprego e há quebra de rendimentos face a algumas situações, como o layoff – os cuidados estão acrescidos e ganham maior fôlego, já que este sábado comemora-se o Dia Mundial da Poupança.
Esta é uma tendência que tem crescido desde março e que só registou recuo no mês de agosto. Segundo dados do Banco de Portugal, os depósitos de particulares nos bancos residentes totalizam 158,1 mil milhões de euros no final do mês de setembro.
Também o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que a taxa de poupança das famílias aumentou para 10,6% no segundo trimestre deste ano, refletindo sobretudo a redução do consumo privado resultado da pandemia.
Dados que não surpreendem os analistas contactos pelo SOL. O analista da Infinox lembra que «momentos de incerteza fazem as pessoas/empresas adiarem consumos e investimentos». Ainda assim, Pedro Amorim lembra que «este ano foi excecional devido a uma redução drástica do consumo provocada pelo confinamento, levando muitos portugueses a não terem de fazer consumos rotineiros como na área da restauração e consumo retalhista não utilitário».
Uma opinião partilhada pelo analista da XTB ao admitir que «este é um movimento tipo padrão de reação das famílias que não é novo, uma vez que, nos momentos de crise anteriores assistimos a este tipo de comportamento por parte das famílias». De acordo com Henrique Tomé a fórmula é simples: «Quando se vive em contexto de incerteza, os portugueses acabam por dedicar parte do seu dinheiro disponível para poupar em vez de gastá-lo. Os efeitos da pandemia foram muito mais além dos efeitos económicos, os efeitos sociais também são visíveis. Enquanto não começarem a surgir notícias mais animadoras sobre o futuro, este comportamento terá tendência para que se continue a prolongar».
Poupar agora é a palavra de ordem
Ao SOL, os analistas garantem que esta tendência é para ficar. Para Henrique Tomé não há dúvidas: «Enquanto o clima de incerteza continuar é expectável que esta tendência se mantenha. Assistimos a este tipo de comportamento em 2008 onde o nível de poupança também aumentou mas, acabou por retomar a níveis bastante baixos após a recuperação dos anos de crise». E face a este cenário deixa um alerta: «Quando retomar o otimismo e a prosperidade económica é expectável que os hábitos antigos regressem».
No entanto, admite que o futuro comportamento dos portugueses está muito dependente do discurso do Governo. «O Executivo tem um papel fundamental para continuar a estimular a economia e para passar uma imagem de segurança para as famílias. Caso essa mensagem seja passada da forma correta podemos começar a assistir à retoma gradual dos níveis de consumo».
Também Pedro Amorim acredita que esta tendência irá continuar de acordo com os níveis de confinamento. «As pessoas não tendo necessidade de sair de casa, o consumo e bens supérfluos irão cair, levando a taxa de poupança a aumentar na mesma proporção».
Portugueses pouco poupados
Apesar deste aumento, os dados não são animadores. A poupança dos portugueses em percentagem do rendimento que têm disponível é hoje cerca de três vezes menos do que a registada em 1979 e 1989. A conclusão é da Pordata e diz que que estas foram as décadas em que as poupanças portuguesas foram maiores. E quando comparada com a média europeia, o peso é também inferior.
A poupança das famílias em percentagem do PIB (4,7% em 2018) é cerca de metade da percentagem de poupança de países como a Alemanha, França, Suécia e Países Baixos onde esse valor varia entre os 8,2% e os 11,4%, o que faz com que – como já é sabido – os portugueses não estejam na lista dos mais poupados da Europa.
A disparar está o consumo privado que nunca foi tão elevado desde 1960. «O consumo privado – que mede os gastos dos particulares, desde as contas da casa à compra de um novo automóvel – ultrapassou em 2019 (132.699,6 milhões de euros) o máximo que datava de 2018 (128.810,7 milhões de euros). «Embora não haja ainda dados para 2019, em 2018 mais de metade do rendimento disponível era gasto em bens essenciais: alimentação (20%), habitação (18%) e transportes (16%)», avança a Pordata.
Segundo a entidade, 2019 foi o ano em que Portugal tinha mais dinheiro depositado à ordem, desde 2003. Já 2013 foi o ano em que Portugal tinha mais valores depositados a prazo (101.714 milhões de euros).
Mas as estatísticas do ano passado em relação às contas dos portugueses não são animadoras: uma em cada 3 pessoas (33%) em Portugal era incapaz de fazer face a despesas inesperadas. Este é um valor que está acima da média da União Europeia 27 que era de 31%. «No caso das pessoas com rendimentos abaixo do limiar da pobreza, esta percentagem sobe para 64% em Portugal e, embora em valores bastante inferiores, também 27% das pessoas acima do limiar da pobreza não conseguem fazer face a despesas inesperadas sem recurso a empréstimo», conclui.