Desde tempos imemoriais que emprestar dinheiro a juros era uma prática moralmente condenável, perversa até, na medida em que, em vez de uma ajuda solidária a quem estivesse necessitado, poderia conduzir ao agrilhoamento de um semelhante a uma dívida impagável que poderia conduzir à sua escravização (quando não, e ainda me lembro de casos, ao suicídio do devedor). Ciente disso, a Igreja Católica proibia tal prática indigna. A tal ponto que, já no período de emergência do capitalismo, essa prática só ser ‘tolerada’ quando praticada ‘clandestinamente’ pelos que, na época, eram considerados como uma espécie de ‘humanos de segunda’, os judeus. Foi assim que surgiu a palavra ‘Banco’, que mais não testemunha que o ‘banco’ (de madeira) onde os judeus se sentavam junto à saída da judiaria de Veneza, para a prática de tais ‘empréstimos’.
Claro que as necessidades de desenvolvimento económico capitalista exigiam, tanto para suportar operações de risco, designadamente navegações e comércio a longa distância, como para acelerar os processos de investimento produtivo, que tal prática fosse tornada legal. Os movimentos de Reforma da Igreja e a posterior alteração da posição da igreja romana quanto ao assunto, vieram a consagrar essa prática como positiva e prestigiante. Mais ainda: as crescentes e vultuosos necessidades de investimento levaram a que fossem tomadas medidas de concentração das poupanças sociais nos bancos, de maneira a cometer às direções destes a capacidade de decisão sobre os investimentos a financiar, e não aos titulares de cada depósito (que receberam, em troca dos depósitos, uma mera promessa sobre a devolução do seu dinheiro).
Os bancos e o sistema financeiro continuaram, contudo, a ser simples auxiliares do desenvolvimento económico, dirigido pelas principais empresas industriais e comerciais e, em alguns casos, pelos Estados. Salazar, por exemplo, que era chefe do Governo de um país (e não um mero CEO de um Estado, isto é, uma espécie de ‘administrador de condomínio’), só precisava de 5% no capital do Banco de Portugal para, a partir daí, orientar toda a ação financeira no país.
Quando os grandes capitalistas que haviam construído, sob a sua ação direta, as grandes empresas industriais e comerciais, se retiraram para o controlo dos seus dispositivos financeiros (bancos acessórios a cada grupo empresarial), foram substituídos por meros mercenários (com nome e pose públicas de relevo, por vezes vindos ‘da política’), cuja função era otimizar (à custa dos trabalhadores, dos cidadãos e do ambiente) os rendimentos das empresas subsidiárias.
O sistema financeiro passou, assim, gradualmente, a ter preponderância sobre as atividades produtivas, passando estas (especialmente as grandes multi e transnacionais) a desempenhar o papel de ‘vacas leiteiras’ de rendimentos financeiros. Foi a chamada ‘financeirização da economia’. Com a globalização, criou-se um Sistema Financeiro Internacional (SFI) com domínio sobre todo o planeta, por sobre as velhas ‘soberanias dos Estados nacionais’, centrado em Wall Street (força 150), na City de Londres (força 100), Frankfurt (força 60) e pequenas ‘fabriquetas’ no Oriente.
Este SFI, que absorve todas as poupanças mundiais (pessoais, empresariais e institucionais) e domina extensos ativos (capitais, terras, infraestruturas, construções e direitos) fez soterrar o defunto Capitalismo industrial e comercial e criou, em seu lugar, à escala mundial, um novo ‘modo de produção’ Neo-Feudal que, tal como o antigo feudalismo, agora vive dos mesmos tributos sob a forma de juros, dividendos e rendas.
Sem a ‘nacionalização’, à escala global, desse SFI, a humanidade (pessoas, empresas e Estados) tenderá à escravização absoluta (através das dívidas) e não terá hipóteses de, pelo controlo das poupanças mundiais, e decisões corretas de alocação de recursos financeiros nas direções prioritárias, projetar um futuro de paz e de concórdia internacional.