Alfred Nobel. O testamento de Mr.Dynamite

É, inevitavelmente, o mais famoso de todos os suecos. Profundamente marcado por uma invenção destruidora, a dinamite, que lhe valeu, em França, onde viveu, a alcunha de Merchand de la Mort, e uma fortuna colossal, procurou deixar o seu apelido (inventado pelo trisavô) ligado a algo que lhe lavasse a imagem aos olhos do mundo.

Estocolmo – A cabeça de Alfred Nobel fervilhava de ideias. De tal forma que registou, ao longo da sua vida, 355 patentes de invenções diversas, pelo que reduzi-lo a Mr. Dynamite, como ficou conhecido por muitos, torna-se quase ofensivo e ele próprio lutou até ao fim para se ver livre do apodo. É, com toda a naturalidade, o mais famoso sueco que até hoje surgiu à superfície da Terra a despeito de muitos ignorarem pura e simplesmente a sua nacionalidade.

O nome de família de Alfred nasceu da vontade do seu trisavô, Edward Olofsson, que, ao matricular-se na Universidade de Uppsala, em 1682, inventou o apelido de Nobelius, a versão latinizada de Nobel, retirado da sua zona natal, uma cidadezinha meridional da Suécia, na província da Escânia, chamada Nöbbelöv. Não satisfeito com a facécia, tratou de arrastar a asa e casar-se com a filha do reitor, um sábio chamado Olaus Rudbeckius que distribuiu pelos seus descendentes o nunca mais acabar dos seus conhecimentos sobre todas as matérias. Alfred foi, portanto, um feliz beneficiário dessa união. Quando nasceu, em Estocolmo, no dia 21 de Outubro de 1833, nada parecia poder ensombrar o seu futuro de homem cosmopolita. Quanto muito o facto de ter vindo ao mundo com uma saúde bastante débil, algo que sempre o afligiu mas que acabaria por fazer dele um homem profundamente altruísta, mesmo depois de se ter transformado numa personagem rica e famosa. Para se perceber a sua angústia, repare-se num texto que escreveu sobre si mesmo: «Alfred Nobel, este miserável aborto, devia ter sido estrangulado por um médico filantropo no preciso momento em que lançou o seu primeiro grito, anunciando a chegada à vida». Depressivo? Sim. Claramente. Alfred foi um homem continuamente atacado por depressões, algumas bem duras e constantes. Ao mesmo tempo ligava o ano do seu nascimento à súbita queda económica de Emanuel Nobel, o pai, uma figura de energia possante e firmemente ambiciosa, que caiu em desgraça e, perante as dificuldades em sustentar a numerosa descendência – Alfred era o terceiro de oito irmãos, sendo que três deles morreram antes de atingirem a adolescência – resolveu emigrar para Sampetersburgo em busca de uma existência mais folgada. Chegou á Rússia em 1837 e atirou-se de cabeça, e com sucesso, à construção de maquinaria diversa e, sobretudo, ao desenvolvimento de novos explosivos, dos quais o mais sonante foi o torpedo, essa terrível arma submarina que viria a tornar-se indispensável nas guerras que abalariam o mundo no século que seguiu.

De novo no caminho da prosperidade, Emanuel apostou na educação dos filhos. Sob a orientação de tutores privados, Alfred ganhou foros de excelência em várias áreas, sobretudo na química, tendo-se tornado, igualmente, fluente no domínio de várias línguas, desde o seu sueco natural, ao russo, ao francês, ao alemão e ao inglês. Estava preparado para tomar o caminho do dinheiro. E não se deixou ficar preso numa curva da estrada.

Complexo de culpa

À medida que os Nobel iam enriquecendo com a venda de material militar para a Guerra da Crimeia – um conflito que se estendeu entre 1853 a 1856 entre o Império Russo e uma coligação formada entre a França, o Reino Unido, o Reino da Sardenha e o Império Otomano – Alfred mergulhava no universo da química e descobriu que quando a nitroglicerina se incorporava numa substância inerte e absorvente, no caso um produto chamado kieselguhr – basicamente, uma espécie de poeira retirada de certo tipo de rochas – tornava-se mais controlável, ou seja, mais segura e possível de conservar e utilizar em alturas necessárias. No ano de 1867 registou a patente cesta descoberta com o nome de dinamite, palavra grega que significa poder. A sua vida mudou para sempre desde que demonstrou cabalmente como o explosivo funcionava de forma absolutamente controlada numa exibição pública levada a cabo em_Inglaterra, num quartel de Redhill, no Surrey. Mais tarde, acrescentou-lhe outra invenção tão conveniente como revolucionária: o rastilho.

O enorme sucesso de Alfred foi, também, o seu grande pesadelo. Ser universalmente conhecido por ter inventado mais um instrumento de morte batia de frente com a imagem de idealista que gostava de assumir. Convencera-se de que a dinamite iria contribuir, sobretudo, para revolucionar a exploração de minas, a construção de estradas ou a perfuração de túneis. Ingenuidade? Muito provavelmente. Encaixava como uma luva na sua personalidade cada vez mais depressiva.

Em 1888, Ludvig Nobel, seu irmão, morreu, mas a imprensa mundial deu Alfred como morto em seu lugar. Os seus obituários, apesar de francamente exagerados, para citar Mark Twain, arrasaram por completo o que sobrava da sua autoconfiança. Era descrito como um assassino. Um jornal francês berrou em manchete: Le marchand de la mort est mort! E prosseguia: «Monsieur Nobel enriqueceu com a horrenda descoberta de uma forma de matar mais gente mais rapidamente do que nunca». Frases como esta abriram feridas profundas no seu cérebro magoado.

Foi a partir daí que Alfred Nobel, que nunca se casou nem nunca teve filhos, se começou a preocupar seriamente com a imagem que iria deixar a todos aqueles que viriam, um dia, a interessar-se pela sua vida. Instalado em Paris, de onde controlava a sua enorme teia crescente de negócios, era um misantropo. «Não creio ter merecido toda a fama que me atribuem. E não gosto nada do ruído que essa fama está a produzir», desabafou com um amigo. E concluiu, numa carta enviada a um parceiro de trabalho: «Alude você aos muitos amigos que tenho. E onde estão eles? No fundo lamacento das ilusões perdidas ou ocupados a escutar o tilintar dos tostões que lhes dou a ganhar?». Frase triste de um homem cada vez mais triste.

O testamento

No dia 27 de novembro de 1895, no Clube Sueco-Norueguês de Paris, Alfred Bernhard Nobel assinou um dos mais famosos testamentos da História. Não sabia ainda, naturalmente, que um ano mais tarde estaria morto. Mas estava absolutamente convencido, após uma meditação profunda sobre a sua vida, do legado que queria deixar. Ele, que fora sempre um homem generoso, e dizia que preferia dar de comer aos vivos do que erguer monumentos aos mortos, estipulou que iria deixar a maior parte da fortuna que tinha acumulado, mais de 31 milhões de coroas suecas – o equivalente hoje em dia cerca de 1800 milhões de euros –, para ser convertida em fundos e traduzida em valores que deveriam ser distribuídos, todos os anos, a título de recompensa a pessoas, sem distinção de nacionalidade, que no decurso do ano anterior tivessem prestado os maiores serviços para bem da Humanidade. As atividades cujo progresso desejava fomentar ficaram enumeradas num documento com menos de 300 palavras – a física, a química, a medicina, a literatura e a aproximação entre povos, esta traduzida no Prémio Nobel da Paz. Em 1968, o Sveriges Riksbank, Banco Nacional da Suécia, celebrou o seu 300º aniversário destinando uma grande quantia à Fundação Nobel, surgindo o sexto prémio, o da Economia.

Em 1891, Alfred teve de deixar Paris de forma definitiva. O Governo francês acusou-o de alta traição por ter vendido balistite aos italianos, um propulsor feito à base de dois perigosíssimos explosivos, a nitroglicerina e a nitrocelulose. Não conseguia fugir ao seu destino de marchand de la mort. Mudou-se para San Remo, mas a sua saúde, que fora sempre frágil desde o dia do seu nascimento, degradara-se muito, sendo certo que as suas crises depressivas contribuíram para que caísse num processo de desistência. No dia 10 de dezembro de 1896 foi vítima de um acidente cardiovascular e morreu em consequência disso. Tinha 63 anos. O seu corpo está enterrado no cemitério de Norra Begravningsplatsen, na parte norte de Estocolmo, onde descansam, igualmente, entre muitos suecos ilustres, o escritor August Strintberg e a atriz Ingrid Bergman. Ficou para sempre acompanhado por gente a quem teria gostado de atribuir um prémio.