Covid-19. No epicentro da segunda vaga, a ‘rede’ e as pessoas estão a ajudar

‘Caminhámos em soluções’, diz ao SOL José Artur Paiva, intensivista no São João e presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem. UCI no Norte em níveis menos críticos.

A semana em que era esperado o pico de casos de covid-19 no país terminou com um número ainda elevado de contágios e a previsão de que os internamentos vão continuar a subir, mas com um abrandamento no número de casos, em particular na região Norte, e também uma maior margem de segurança nas unidades de cuidados intensivos da região. «Caminhámos em soluções», disse ao SOL José Artur Paiva, diretor do serviço de Medicina Intensiva do Hospital de São João e presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, numa sexta-feira em que, apesar do número elevado de doentes, havia esse sinal positivo: o balanço em termos de capacidade de resposta com qualidade dos serviços é menos preocupante do que há uma semana.

Na região Norte, a ocupação das unidades de cuidados intensivos (UCI) reservadas para a covid-19 chegou a atingir os 92%, acima do patamar que os intensivistas definem como seguro para haver flexibilidade e acessibilidade adequada a doentes críticos, em torno dos 85%. Foi a esse nível que conseguiram regressar e por três motivos, explicou ao SOL o médico: por um lado, a suspensão de cirurgias programadas que não eram prioritárias, que permitiu libertar áreas cirúrgicas para o reforço da capacidade de UCI. Por outro lado, a rede que finalmente está a funcionar e permitiu transferir de forma planeada cerca doentes graves para a região Centro, menos sobrecarregada em termos de UCI, com menos de 80% de ocupação. E, depois, um abrandamento nos novos internamentos nos últimos dias, que poderá já estar a refletir um maior controlo da transmissão da doença na comunidade nas últimas semanas.

Durante a semana, o Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos emitiu um parecer sobre os critérios éticos em medicina intensiva, chamando a atenção para a necessidade de planeamento a fim de se evitar um cenário de racionamento do acesso a UCI por doentes críticos. Ao jornal i, José Artur Paiva sublinhou que seria inseguro continuar a reduzir camas de cuidados intensivos para doentes não covid. «O nosso compromisso, e não podemos desistir desse compromisso, é garantir acessibilidade a medicina intensiva a doentes com covid 19 e não covid. E para isso é muito importante não reduzir as camas para não covid-19 abaixo de um determinado valor que garanta essa acessibilidade. Estamos nesse valor», alertou o médico. Na altura havia 589 camas de UCI reservadas para doentes com covid-19, 498 ocupadas – o número de doentes com covid-19 subiu entretanto para 526, de acordo com o último balanço. No total havia 1065 camas de UCI ativadas no país e nas reservadas para casos não covid, cerca de 460, a ocupação rondava os 85%. José Artur Paiva explica que no Norte houve esta semana uma «franca suspensão» de atividade cirúrgica não prioritária, que permitiu alargar a capacidade de UCI para doentes com covid-19 sem prejuízo da resposta a outros doentes críticos. Durante a semana, a ministra da Saúde, numa entrevista, disse que seria possível chegar às mil camas para doentes covid-19 em UCI, mas com prejuízo da resposta a outra atividade assistencial. José Artur Paiva admite que, no Norte, a possibilidade de futuros alargamentos é agora marginal, mas admite que noutros pontos do país, menos pressionados e que possam ainda manter níveis mais elevados de atividade cirúrgica não prioritária, possa ser possível conseguir ainda mais camas, além de estar prevista a abertura de novas alas de UCI tanto em Gaia como no Amadora-Sintra.

O médico sublinha que a preocupação, a par da gestão da rede, deve continuar a ser conter a epidemia, porque maior expansão vai exigir mais suspensão da atividade e aumenta a sobrecarga das equipas, que influencia os resultados «Caminhou-se em soluções  e  com isso conseguem-se os dois aspetos: reduzir a sobrecarga sobre os profissionais – que é muito importante quando estamos numa maratona que não será de dois meses  – e ganharmos em maior equidade entre regiões, não só na covid-19, na acessibilidade dos doentes, que têm de sentir-se seguros na ida ao hospital», afirma Artur Paiva. «O que precisamos agora é de continuar este caminho de redução da transmissão e de planeamento. Quer dizer que com isto é possível termos mil doentes, dois mil ? A resposta é não».

 

RT continua a baixar

Na próxima quinta-feira está prevista uma nova reunião de peritos no Infarmed, onde será feito um novo ponto de situação ao Governo, Presidente da República e partidos sobre a evolução da epidemia, agora com os planos para o Natal em mente – Marcelo pediu ao Governo regras na próxima semana.

O último relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge estima que, na última semana, o RT (que mede a velocidade de transmissão da epidemia), continuou a baixar e aproxima-se de 1, sendo agora de 1,05 a nível nacional, 1,03 na região Norte, 1,09 na região Centro, 1,06 na região LVT, 1,17 na região Alentejo, 1,10 na região Algarve, 1,19 nos Açores e 0,94 na Madeira. No Norte, mais atingido, o abrandamento de casos é agora notório, embora a região continue a registar uma incidência superior a 1300 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias (o dobro de qualquer outra região do país, tendo o distrito de Bragança um aumento de casos nas últimas semanas, enquanto a região do Vale do Sousa melhorou).

Os boletins da DGS, que o SOL analisou, mostram ainda assim que nos últimos sete dias foram reportados em média 3071 casos diários na região Norte, quando nos sete dias anteriores tinham sido 3788. São menos 700 casos, em média, por dia. A nível nacional, o país registou uma média diária de 5191 casos, quando nos sete dias anteriores tinham sido 6404 casos, e a média dos últimos sete dias é inferior à da semana anterior em todas as regiões. O pico de novos casos pode, assim, já ter sido superado e ter ficado até abaixo do projetado, fruto da melhoria no Norte.

A incidência mantém-se elevada, e para haver uma descida em todo o país e não apenas uma estabilização, o RT tem de ficar abaixo de 1 e manter-se assim (o que significará que, em média, mil pessoas infetadas hoje infetam menos de mil pessoas e assim sucessivamente). O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC na sigla inglesa) alertou esta semana para o risco de levantar medidas demasiado cedo. Segundo o SOL apurou, mesmo com o abrandamento do número de casos prevê-se que os internamentos continue a aumentar. As projeções indicam que o número de doentes com covid-19 em UCI poderá ultrapassar os 600 na primeira semana de dezembro. Já a equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa estima que possa haver mais de 3 mil casos diários até janeiro, com mais de 300 doentes covid em UCI também até ao início de janeiro.