Por que razão decidiu ser uma das fundadoras dos Médicos Pela Verdade em Portugal?
O principal motivo foi a perceção de que estava a ficar para trás muita atividade assistencial aos doentes, também a nível privado. Por motivos de saúde, há uns anos, deixei o serviço público. Era muito nova para ser dispensada de fazer noites, mas tenho uma doença autoimune e comecei a claudicar. Fiquei mesmo internada, nos cuidados intensivos e, portanto, tive de fazer umas escolhas. E foi por isso que deixei o Serviço Nacional de Saúde, mas o meu coração continua lá. E é por isso, se calhar, esta minha demanda. Agora só faço serviço privado. Desde que a pandemia começou, nunca parei de trabalhar e continuei sempre a anestesiar, porque sou anestesiologista. Mas quando acabou o confinamento, houve um dia em que tinha uma lista de espera de 100 doentes. Sei o que se passa na linha da frente. E decorrente de várias conversas que nós tínhamos – com colegas de trabalho, etc. – começámos a reparar que tínhamos todos a mesma preocupação. E acho que a principal motivação que nos levou a agir foi essa, ou seja, o acumular de uma atividade assistencial que não estava a ser feita. Depois começámos a fazer contas e a interagir com colegas de outros países, a estudar epidemiologistas e virologistas internacionais. Entretanto começámos a perceber que havia outro caminho possível, porque a nossa vontade nunca foi política nem de criar desordem.
Nem de esquecer que estamos a atravessar uma pandemia?
Não, nunca negámos isso. Em relação à definição de pandemia, levava-nos, de facto, a uma conversa mais longa. Mas não tenho dúvidas de que há efetivamente um surto epidémico associado a um agente virológico. É indiscutível.
Mas questiona algumas regras implementadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS)?
Algumas regras poderão fazer sentido. Nós, Médicos Pela Verdade, temos, aliás, duas propostas em relação ao uso de máscara e em relação aos lares. Porque estamos ligados a algumas pessoas que estão envolvidas na fundação da Great Barrington Declaration, movida por epidemiologistas, virologistas, de renome internacional, e professores universitários, com trabalhos publicados._São pessoas que sabem do que falam e têm uma perspetiva diferente. E eles defendem muito a abordagem que é muito a nossa. Dizem que a mortalidade não se controla nos hospitais. E não se controla. É isso que nos deixa num desespero. Há muita coisa que se pode fazer. E nunca ninguém nos deu oportunidade de nos explicarmos.
Mas vocês são contra algumas das regras da DGS, como por exemplo o uso de máscara?
Não somos contra as regras nem anarquistas, mas questionamos. Embora possam vir com argumentos da Organização Mundial de Saúde, a verdade é que há uma coisa basilar, que é explicada num trabalho publicado pela universidade de Copenhaga, em que eles demonstram que não há diferença significativa em termos de contágio entre o uso e o não uso de máscara num cidadão comum na comunidade comum. Dividiram a população – entre milhares de pessoas – em dois grupos: uns com máscara e outros sem máscara. E a percentagem de contágio no grupo com máscara foi de 1,8% e do grupo sem máscara de 2,1%. Estamos a falar de uma diferença de 0,3%. É indiferente. Os assintomáticos usarem máscara não faz sentido, até pode trazer algum risco respiratório. A máscara que usamos tem uma temperatura e uma humidade que vão acumulando e é favorável ao aumento de bactérias, aumentando também o risco respiratório. Num jogo de futebol, por exemplo, se eu estou sentada, quieta, a ver o jogo, não faz sentido estar de máscara, mesmo estando rodeada de pessoas. Se estiver eventualmente infetada, o meu perdigoto não vai para o lado.
Mas à frente estão outras pessoas.
Mas essas estão de costas. É uma questão de física. Portanto, se estou assintomática não faz sentido usar máscara. Mas se calhar à entrada ou à saída do estádio, ou até mesmo num concerto, num sítio muito confinado, talvez faça sentido estar de máscara. É uma coisa que tem de ser discutida na sociedade civil. Já ao ar livre, na rua, não faz sentido nenhum usar máscara. Agora, quem está doente deve ficar em casa. Quem está com tosse ou em baixo de forma, por exemplo, deve ficar em casa se estiver doente, porque nessa fase é, de facto, contagioso. E essa pessoa fica com restrições: não dá beijos aos filhos, fica sem visitar a mãe e, ao fim de três ou quatro dias, fica boa e vai trabalhar. Era assim até há uns meses e para este vírus não é diferente. E mesmo as pessoas que estão com o nariz congestionado precisam de apanhar ar. Isto das máscaras é uma coisa que tem de ser discutida. Mas, no meu caso, cumpro as regras. Nos sítios em que é preciso usar máscara eu uso. Nos transportes públicos, por exemplo. O meu perfil não é fazer prevalecer a minha opinião causando constrangimento aos outros. Não sou assim. Na prática, não serviria de nada e era apenas uma birra.
Entrando agora em casos mais concretos, ultimamente tem sido alvo de acusações, entre as quais de ensinar a enganar testes à covid-19 e testar negativo mesmo estando infetado. Como reage a isto?
É mentira. Não disse nada disso. Aqueles hackers foram entrar no Telegram e agora acusam-me disso. Vou explicar. Há uma série de práticas de higiene que se fazem há muito tempo, mas que entretanto morreram. Quando sentimos uma aflição na garganta, gargarejamos com uma solução e fazemos uma higiene que permita combater e fazer face ao que pode vir. Não quer dizer que não contraiam a infeção, mas se contraírem se calhar dão-lhe a volta com mais facilidade, sem garantias nenhumas. E foi isso que, nesse caso concreto, disse a três ou quatro pessoas no Telegram. Expliquei-lhes nas mensagens – foi pena também não terem feito print screen disso nas acusações – que não havia garantia de que não testassem positivo. O nosso organismo é dinâmico e, por vezes, ficamos com material viral e alimentar nas fossas nasais e na garganta. Essas pessoas não têm o hábito de fazer higiene, ou seja, um gargarejo. Mas se a pessoa tiver carga viral vai dar positivo na mesma. O que disse foi que não iam correr o risco de serem um falso positivo se fizessem o tal gargarejo, por causa dos tais resíduos virais. Se um simples gargarejo matasse a covid-19 estava tudo resolvido. E_é isso que me indigna. Ninguém pensa nisso, porque não enganei ninguém.
A Ordem dos Médicos já lhe instaurou processos disciplinares?
Sim, dois. Houve um processo instaurado logo no início, a todos nós dos Médicos Pela Verdade. Nascemos a 29 de agosto e, no início de setembro, apareceu um processo, assentando num print screen do Facebook. Eram opiniões de que nós incitamos à desobediência. Não tem pernas para andar, porque nós essencialmente cumprimos as normas recomendadas pela DGS. Além disso, foi feito por um indivíduo que nem sequer é médico. E o outro processo disciplinar foi direto a mim, que tem a ver com esta história dos conselhos que dei às três ou quatro pessoas no Telegram. Ainda é apenas uma notificação, para responder, ou seja, ainda não é formalmente um processo. Mas vou responder. Espero que, de facto, não me suspendam da Ordem, porque há coisas muito mais graves e que não são punidas como devem ser.
E como é que se sente ao ser alvo de muitas críticas diárias, até nas próprias redes sociais, pelo facto de questionar as recomendações da DGS e da própria Organização Mundial da Saúde? Já recebeu ameaças de morte?
Sim, já recebi ameaças de morte e sinto uma tristeza profunda. Não tenho medo, mas sinto que há maneiras de contrapor a diferença e de expressar a opinião sem ameaças. Antigamente as pessoas não eram assim ou então era eu que vivia noutro planeta. As pessoas eram mais cordiais. Hoje em dia perdeu-se isso, atrás de um teclado. Perdeu-se o respeito.
E o que dizem os seus pacientes sobre essas críticas de que tem sido alvo e também de pertencer aos Médicos Pela Verdade em Portugal?
Os meus pacientes regulares conhecem-me, apoiam-me, mandam-me SMS e telefonam-me. Porque sabem quem eu sou e como sou. Outros nem se apercebem, porque estou toda equipada na mesa cirúrgica: máscara, óculos, enfim. Estou toda metida numa armadura. Mas já fui reconhecida por alguns. Por acaso houve uma paciente que não me disse nada no início e depois, no fim, veio dizer-me que não esperava que eu fosse assim. Realmente não sei o que é que ela esperava. Achei graça. Mas estou tranquila. Sei o que sou. Nunca mudei a minha conduta com as pessoas que trabalham comigo. Uma coisa que nunca fiz, e vou continuar assim, é impor a minha vontade a alguém. Se me pedirem a minha opinião, dou, mas não está na minha natureza forçar uma coisa, porque o efeito poderá ser contraditório. Mas isso tem a ver com o meu feitio.
Se não fosse médica, que outra profissão exercia?
Acho que era escritora. Algo que esteja ligado às artes. Ou atriz. Sempre gostei muito de escrever. Tenho caderninhos e estou sempre a escrever coisinhas