Na sua mensagem tradicional do 1.º de Dezembro critica as medidas do Governo para fazer face à pandemia e diz que ‘o Estado não pode mandar para casa um país inteiro sem garantir as atempadas condições económicas’…
Alerto para alguns erros que foram feitos. Muito mais difícil do que resolver a questão sanitária é resolver a questão económica e a questão da pobreza. Há pessoas que conheço que já estão nessa situação. Muita gente ou porque não tem acesso aos subsídios da Segurança Social ou porque exercia uma atividade independente – e não está diretamente protegida pelo Estado – já está a enfrentar grandes dificuldades económicas. Como é que se pode ajudar a economia e reagir perante esta situação pandémica para que isto não aconteça, para que não haja miséria? Pobreza vai sempre existir, mas devia-se evitar situações de pobreza grave. E depois como é que podemos reagir para repor a economia a funcionar? Devemos ver o que os outros países fizeram para seguirmos os bons exemplos e evitarmos os maus. Houve países que não fizeram confinamento e não se saíram muito pior do que aqueles que o fizeram. Houve países que reagiram antecipadamente, puseram todas as pessoas de máscara, e sobretudo em vez de fechar toda a gente de casa só retiravam de circulação as pessoas de grupo de risco: as pessoas de idade e as que tinham problemas de saúde. Esses é que foram confinados, enquanto os saudáveis continuaram nos seus trabalhos porque realmente não se pode fechar a economia de um país, não é solução. Conheço imensa gente que contraiu a covid e teve sintomas ligeiros, uma febrezinha durante uns dias mas de seguida ficaram bons, mas conheço outros que ficaram realmente aflitos. Há que ser mais seletivo em quem tem de ficar mais protegido e quem não tem.
Mas é uma situação difícil de gerir: não parar a economia mas controlar a pandemia…
Tem de se tirar da circulação as pessoas de risco, que é uma percentagem pequena da população e, em grande parte, são reformados. Se saírem do círculo económico não prejudicam a economia. Há poucas pessoas com 70 anos que ainda estejam em atividade, a não ser na agricultura. Aí há muita gente com essa idade que continua a trabalhar. Mas nessas regiões a probabilidade de serem infetados é menor do que nas cidades. Julgo que houve erros que foram feitos e quem os fez não tinha a experiência na altura para evitá-los, mas não deviam continuar a ser repetidos hoje. Devia-se tentar aprender com o que se passou.
Não há fecho completo dos setores, ao contrário do que aconteceu no início, agora temos outro tipo de restrições…
Fechar os restaurantes às 13h, por exemplo, não sei se fará muito sentido porque as pessoas não vão almoçar mais cedo. Para os restaurantes estas medidas são um desastre. Mas refiro-me mais às atividades produtivas, que produzem produtos transacionáveis, riqueza, e esses se fecharem é mais grave. Deixar de ter produção industrial ou agrícola é fatal. No caso dos serviços, claro que é péssimo, mas pode-se ser mais flexível. Por isso é que defendo que quem devia ficar fechado não são as pessoas que estão a trabalhar mas as que pertencem a grupos de risco ou pela idade ou por fraquezas de saúde. Esses é que deviam ser retirados de circulação e protegidos. Os outros apesar de correrem o risco de ficarem infetados não será tão grave porque os médicos dizem que as estatísticas mostram isso. Normalmente não são hospitalizados e não põem em causa a segurança dos hospitais. Por outro lado, há um bloqueio burocrático para algumas situações. Li que há cerca de dois mil médicos estrangeiros a viver em Portugal que não estão autorizados a praticar medicina porque os seus diplomas são passados por países que não têm acordos de equivalência com Portugal. Faz algum sentido? Um bom médico venezuelano ou cubano ou brasileiro não pode praticar em Portugal quando praticava bem no seu país e é reconhecido pelas universidades desses países? A justificação que dão é que não se sabe se os cursos são equivalentes. Então não os ponham a fazer cirurgias, por exemplo, mas podem perfeitamente tomar conta dos doentes e fazer diagnósticos.
E com a crise pandémica há falta de médicos…
Mas as Ordens dizem, muitas vezes, que há médicos a mais e por isso não querem autorizar os médicos estrangeiros. Se houvesse médicos a mais, os doentes teriam de ficar à espera dez anos por algumas consultas? Não há médicos a mais, possivelmente há é médicos mal distribuídos. Há muitas pessoas que, por não conseguirem ser atendidas pelos médicos do SNS ou da medicina privada, são tratadas por médicos que não estão reconhecidos em Portugal. Os médicos cubanos têm muito sucesso em Portugal. Houve a famosa crise dos dentistas brasileiros. No Brasil tiram formação de dentista, mas são perfeitamente capazes de tratar dos dentes. Se são situações mais complicadas, então mandam para outro. Em Viseu, Nelas, onde acompanhei mais esta situação, são os dentistas brasileiros que tratam da maior parte das pessoas. Não há preconceito por parte da população, até porque são mais baratos.
Acha que as restrições põem em causa liberdade prevista numa democracia?
Aí concordo com o Governo porque se de facto esta é uma maneira de evitar o aumento dos focos de contágio então justificam-se as restrições. E no caso de uma pandemia destas, a saúde pública tem de passar à frente de outros direitos. É claro que cada um tem o direito de assumir os riscos que quer, mas esse problema coloca-se sobretudo junto da malta mais nova. É um direito deles, mas depois vão encher os hospitais e chega a uma altura em que os médicos vão ter de escolher. E numa situação dessas podem escolher primeiro os mais novos porque acham que os mais idosos já não vão viver muito tempo ou fazem menos falta à sociedade. É quase pôr em prática a eutanásia. Isso cria problemas éticos e morais gravíssimos para os médicos e para as famílias. É muitíssimo chocante para uma família pensar que um avô não pode entrar num hospital por não ter lugar porque tinham passado à frente os mais novos. Isto tem muito a ver com os objetivos finais da lei da eutanásia: começa de uma maneira suave – só para quem está a sofrer muito e pede para morrer – mas depois vai evoluindo, há a pressão da família, dos médicos e são eles que vão decidir quem pode ser eutanasiado ou não. E aqui coloca-se a questão do direito à vida, que é mais grave do que a questão dos direitos das liberdades e das festas. Mas com estas restrições que foram impostas, as atividades económicas que tiveram de fechar por ordem do Governo deviam ter uma compensação económica paga pelo Estado. Manda-se fechar um restaurante por razões de segurança sanitária, então esse restaurante e esses trabalhadores têm de ter uma compensação económica, não podem ficar a passar mal. O Estado tem de assumir essa responsabilidade. E depois há trabalhos sem proteção da Segurança Social, como é o caso dos feirantes.
Mas o Governo anunciou algumas medidas de compensação…
Não é suficiente, mas isso é porque a nossa economia está mais do que endividada, com 130% ou mais de dívida pública. Tecnicamente o Estado está falido. O setor principal de atividade em Portugal acho que ainda é o funcionalismo público, pelo menos nas pequenas cidades. Nos últimos dias estive a visitar explorações agrícolas fantásticas, principalmente no Alentejo, as uvas sem grainha do Vale da Rosa, uma grande exploração de bambu perto de Odemira. Nesta última, praticamente todas as pessoas que trabalham lá são estrangeiros e que vêm de muito longe. Estive a almoçar com o proprietário da grande empresa de bambu, que é francês, e vieram uma série de nepaleses a casa porque ouviram dizer que estava lá o Rajá de Portugal e queriam tirar fotografias. E de repente tínhamos o pessoal todo a tirar fotografias. Isto quer dizer que os portugueses não estão interessados em trabalhos agrícolas, querem empregos que sejam menos cansativos ou que sejam mais prestigiantes. Há muita gente que acha desprestigiante trabalhar em empresas agrícolas, quando a remuneração até não é má. Isso deve-se à mentalidade que se criou de que o trabalho agrícola tem menos prestigio do que o trabalho burocrático ou até mesmo o industrial. E mesmo na indústria também começam a existir muitos estrangeiros.
Se fosse uma monarquia a gestão desta crise poderia ser diferente?
A única maneira de se saber seria comparar com monarquias – como a Suécia, a Noruega, Dinamarca, Holanda, etc. – para ver como o assunto foi abordado. Creio que, em geral, foi abordado com mais previsão, com uma visão a mais longo prazo. Em Espanha realmente as coisas correram muito mal. Mas nas monarquias do norte da Europa correram melhor. Qual foi a influência dos reis e das rainhas nisso é difícil de dizer, mas sei que o Rei da Bélgica – o Rei Filipe – desde que apareceram as primeiras as notícias sobre a epidemia na China começou a falar com os seus governantes e a prepará-los porque sabia que iria de certeza chegar à Europa.
No ano passado, na sua mensagem, defendeu o voto obrigatório para evitar abstenção. Este ano voltou a repetir…
Sim, quando mais de metade dos portugueses não vão votar. Era bom que fosse obrigatório, para que as pessoas se sentissem obrigadas a participar, a tomar opções, mas há quem diga que não sabe, ou que não percebe ou que não tem opinião e, por isso, acham que não vale a pena ir. Há outra coisa engraçada: quando é que as eleições diretas para o Parlamento começaram? Não foi na República, foi com o começo do liberalismo após a revolução civil, em que os liberais ganharam e puseram um sistema semelhante ao inglês. Duzentos anos depois metade dos portugueses não vão votar. E quando houve o golpe revolucionário, militar que impôs o sistema republicano de chefia de Estado em Portugal, o número de pessoas com direito a voto diminuiu bastante, nomeadamente em relação às mulheres e às pessoas com poucos rendimentos. As pessoas que não tivessem rendimentos suficientes, os republicanos consideravam um voto perigoso porque normalmente o voto era muito conservador e mais católico. O voto das cidades e do proletariado era considerado mais revolucionário e mais republicano. Depois, com a II República, diminuiu ainda mais o número de eleitores. Lembro-me a uma dada altura de ter apresentado a minha ficha de inscrição de eleitor quando fiz 20 anos, até a preenchi à máquina, e deve ter sido por isso que me chamaram para uma mesa eleitoral. Foi uma experiência engraçada. Com a III República aumentou muito a percentagem de eleitores. Assim como acho que o serviço militar deveria ser obrigatório. Seria muito positivo porque é o momento em que o jovem assume a sua posição de adulto, assume a responsabilidade perante o país da sua disponibilidade, o que é muito educativo e pedagógico se for bem conduzido. Houve alturas em que o serviço militar depois das guerras do Ultramar parecia uma perda de tempo.
E deixou de ser obrigatório…
Por influência das juventudes partidárias, que lhes aborrecia irem perder tempo.
Voltou-se a falar nisso…
Talvez pudesse ser substituída por quem não quisesse ir à tropa por serviço cívico obrigatório e que durasse mais tempo do que o serviço militar. Isso acontece em França.
Disse ainda que os portugueses estão desiludidos com a política…
Claro que sim. Outro motivo que influencia isso é o sistema escolar, sobretudo no liceu, porque não se ensina o raciocínio lógico. o que grande parte do que os estudantes estudam – é como se diz em calão de estudante – é encornanço. Ou seja, há que encornar uma série de informações que não têm interesse e que se esquece logo a seguir mas é para encher chouriços. Imagine que há nos liceus cursos de música teórica, de educação física teórica, em que têm de aprender as regras todas de jogos que nunca vão jogar. Há alguma coisa mais idiota do que isto?
Acha que devia haver uma reforma do ensino?
O facto de sermos um país que gasta na Europa a maior percentagem do orçamento nacional no ensino e, em geral, tem os piores resultados mostra que o problema não está nos alunos, nem nos professores. O problema é do programa que não está adaptado à realidade, ao gosto dos jovens. A auto proclamada elite do ensino – nem são professores, são grupos do ministério da Educação – é que decide os programas. Há pouco tempo houve grandes protestos e queixas por causa do ensino de educação sexual que violava gravemente os sentimentos, a cultura e a identidade da maior parte das famílias. Os livros estavam proibidos de serem levados para casa porque se os pais os vissem ficavam enojados. Então disfarçaram e já não chamam aulas de educação sexual, mas de educação cívica. É o mesmo programa de educação, aliás de deseducação, e misturam outras matérias, como separar lixo e proteger a natureza. Mas isto tudo é para disfarçar porque o objetivo principal é a chamada educação sexual. Isso não se pode. O Estado não tem o direito de impor e vai contra a Constituição, as famílias têm o direito de tomar decisões sobre a educação dos seus filhos. E isso não está a ser respeitado. Ensinar a uma criança de seis anos o sexo e dizer que pode ser menino ou menina não faz qualquer sentido. E as crianças ficam confusas, baralhadas e começam a pensar ‘se gosto de brincar com as bonecas da minha irmã então devia ser menina e não rapaz’. E depois ficam muito infelizes porque foram empurrados para uma opção que não tinham maturidade para escolher. E depois persegue-se as famílias que recusam, como se fôssemos um país soviético.
Há quem diga que Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente que mais se parece com um Rei pela sua forma de estar e de lidar com os portugueses. Concorda?
Isso também aconteceu com o General Ramalho Eanes. No fim do seu mandato até disse: ‘Tentei agir como um Rei Constitucional’. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem de facto isso e é por essa razão que é tão apreciado pelos portugueses. Os portugueses gostam de ter uma chefia de Estado independente dos partidos, estável e com continuidade. Quanto mais tempo um chefe de Estado está lá e se fizer o seu trabalho bem feito mais é apreciado. Isso mostra que o povo português é monárquico, no sentido que quer ter estabilidade na Chefia de Estado.
E ficam sempre dois mandatos…
Nunca consegui uma boa explicação para o limite de dois mandatos. Os defensores do sistema republicano acham absolutamente inaceitável que o Chefe de Estado Republicano continue enquanto o povo quiser. Têm de ter um mandato com termo. Porquê? Só vejo duas explicações: ou porque consideram que o sistema republicano é muito perigoso e cada presidente da República é um potencial ditador e por isso não se pode deixá-lo estar lá muito tempo ou porque também querem ser Presidentes da República e, como o tal, o que lá está não pode ficar muito tempo. Outra curiosidade: nunca tivemos uma mulher Presidente da República em Portugal, mas tivemos várias rainhas reinantes. A única que quase podia ter chegado lá era a Dr.ª Maria de Lourdes Pintasilgo. Acho que teria sido uma ótima Presidente, mas os políticos ficaram todos muito assustados porque intervinha muito.
Mas temos mulheres candidatas…
Conheci muito bem Ana Gomes, estive com ela em Timor e acho uma pessoa com muito mérito mas se não se tem o apoio de uma estrutura partidária torna-se muito difícil ser eleita. Não tenho dúvidas que Marcelo Rebelo de Sousa vá ganhar pelos motivos que já falámos.
E como vê o aparecimento de partidos de extrema direita?
Há uma coisa muito curiosa, em muitos aspetos o Partido Comunista e o Chega têm ideias semelhantes e são aquelas que são mais conservadoras da sociedade portuguesa tradicional, mas com argumentos diferentes. Por exemplo, ambos são contra a emigração descontrolada, acham que devemos aceitar emigrantes, mas só na medida em que precisamos deles. Não devo dar a minha opinião sobre os partidos porque não me compete, mas de facto há valores positivos e muito interessantes em vários partidos, não deve haver uma diabolização de um partido. Ou seja, hoje em dia o marxismo/leninismo é considerado uma ideia fora de época, no entanto o Partido Comunista tem ótimos gestores municipais, tem pessoas que fazem trabalhos muitos bons, muito interessantes, com muito valor e mérito. Também diria que a campanha política financiada e sobretudo do modo como é feita hoje não faz muito sentido. Hoje em dia vendem-se os partidos e as ideias políticas como se vendem marcas de detergente ou outras coisas, isto é uma maneira muito simplificada, muito resumida e as pessoas acabam por votar por simpatias, por clubismo ou pela cara do candidato. Isso é uma escolha errada, devia ser escolhido pelo programa e os partidos depois deviam ter a obrigação de seguir o programa que apresentaram. Tenho tido bons relacionamentos e conversas muito interessantes com os responsáveis partidários do PS, do PCP, do Chega, do BE ainda não tive ocasião, do CDS e do PSD que tem muitos monárquicos. Tenho tentado ter um relacionamento próximo com todos os partidos e com as pessoas que estão interessadas em encontrarem-se comigo. Tento tratar os partidos com o mesmo pé de igualdade e perceber a sua posição. Também tido encontros muito interessantes com a Intersindical e com os responsáveis da UGT. Primeiro porque gosto, depois porque aprendo com eles. Os sindicatos têm tido atitudes extremamente positivas e úteis para a sociedade portuguesa. Há empresas que são muito habilidosas e conseguem colaborar muito bem com o seu sindicato, há outras que infelizmente não conseguem tão bem.
A petição que defendia a sua inclusão na Lei do Protocolo do Estado ficou pelo caminho nesta legislatura. Ficou surpreendido?
A primeira iniciativa foi tomada por Manuel Alegre, assim como pelo antigo Presidente Regional dos Açores, Mota Amaral, e por vários deputados monárquicos. Esta última petição foi defendida numa altura em que não era a melhor, a proposta nem sequer foi sujeita a votação parlamentar porque se percebeu que não teria a maioria de dois terços e foi retirada. Mas na prática tenho uma posição protocolar e essa petição não seria só para mim também seria para os bispos e para o cardeal. É sempre uma situação complicada onde nos vão colocar. Lembro-me que na presidência de Mário Soares foi decidido que as mesas protocolares passavam a ser redondas. Atualmente nas receções oficiais há a mesa onde está o Presidente da República, o primeiro-ministro e os convidados oficiais estrangeiros e depois há duas mesas aos lados, onde muito amavelmente a Presidência da República coloca-me a mim e à minha mulher.
Há muita curiosidade em relação à sua vida?
Há muita gente que me pergunta como é que é o meu dia a dia. Não tenho um dia a dia regular. Há alturas em que estou em visitas – em Portugal ou fora do país – há dias em que estou na minha horta e à volta das coisas cá da casa.
Consegue ter tempo para tudo?
Mais ou menos. Há muita coisa que não funciona como gostaria. Há pessoas que passo muito tempo sem falar e alguns até ficam ofendidos. Há cartas que não consigo responder, há muitos convites que não posso aceitar. Mas a parte da gestão financeira e pessoal é feita sobretudo pela Isabel, primeiro porque é gestora de profissão e tem muito mais talento do que eu nessa área.
Disse recentemente numa entrevista que a sua mulher tratava das questões financeiras, da casa e dos filhos e que o D. Duarte tratava do que sobrava e que era importante. Que tarefas são essas?
A piada que existe é que as mulheres ocupam-se das coisas que não têm importância: da educação dos filhos, das refeições e de todas as tarefas domésticas sem importância, e que os homens é que tratam das coisas muito importantes, como seja ecologia, política internacional, futebol. De facto as mulheres é que se ocupam das coisas mais importantes.
Chegou a trabalhar como consultor…
Foi uma das atividades que me interessou muito numa dada altura e era para ajudar as empresas portuguesas a encontrar mercados estrangeiros. E quando posso ainda faço isso. Há países em que as empresas portuguesas poderiam ter muito sucesso e poderiam aproveitar os meus conhecimentos e as minhas opiniões. Mas não faço contratos nenhuns. Parto do principio que se depois tiverem sucesso não se vão esquecer da ajuda que lhes dei. Agora estou mais envolvido na presidência da Fundação D. Manuel II e, desde que assumi funções, tem-se especializado no apoio ao desenvolvimento cultural e da economia rural em vários países da CPLP. Em Timor oferecemos há alguns anos à Diocese de Baucau o melhor equipamento tipográfico existente no país, para a produção de livros e publicações, assim como apoiamos projetos para o desenvolvimento da Língua Portuguesa nas regiões do interior, além de outras iniciativas. Na Guiné Bissau e em Moçambique temos apoiado o trabalho de algumas Missões no campo do ensino. Em Bubaque, no arquipélago guineense dos Bijagós, patrocinamos uma escola agrícola, dirigida pelo Padre Luigi Scantamburlo. Tenho ido frequentemente a Timor e à Guiné Bissau onde sou sempre muito bem recebido. E também estamos envolvidos em alguns projetos em Angola. Há vários anos que tenho acompanhado de perto a evolução da situação do martirizado Povo Sírio, tendo visitado algumas vezes esse país. No começo da guerra desencadeada por movimentos islamitas contra o Governo de Damasco, após ouvir a opinião do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros e com o apoio particular de responsáveis pela União Europeia, tive ocasião de visitar os governantes sírios e alguns líderes da oposição moderada, tendo proposto uma solução negociável. Ambos os lados afirmaram concordar com a minha proposta, mas a oposição islamita radical recusou qualquer negociação.
Manteve-se o impasse…
Atualmente o Governo ganhou a guerra mas ainda não conseguiu a paz, por não querer agredir certos países que protegem alguns dos grupos guerrilheiros. O representante diplomático do Santo Padre na Síria apelou a que seja imediatamente levantado o bloqueio económico imposto contra o povo sírio pela União Europeia e pelos Estados Unidos, o que provoca em grande parte a grave miséria em que vive hoje 80% da sua população. A imposição destas sanções económicas tem originado desespero, pobreza generalizada, falta de medicamentos, falhas constantes e prolongadas no fornecimento de eletricidade e água e a paralisação da sua indústria. Proponho que as organizações humanitárias, laicas e religiosas tomem a iniciativa de lançar uma campanha, a fim de que a União Europeia, a que pertencemos, levante imediatamente estas sanções, mesmo que as mantenham em relação ao armamento. A Síria tinha antes da guerra uma agricultura próspera e uma indústria relativamente desenvolvida, mantendo boa relações com os países vizinhos, incluindo, na prática, com Israel. Aliás, falando com políticos israelitas pude confirmar isto. A guerra foi lançada numa ocasião em que vários países foram afetados pela chamada ‘Primavera Árabe’, que curiosamente só atingiu os países que tinham relações privilegiadas com a Rússia. Os políticos europeus deveriam lembrar-se que se a vida se tornar insustentável na Síria iremos receber muitos milhões de refugiados. Felizmente, tanto o Presidente Trump como o Presidente Obama evitaram deixar que esta guerra se tornasse ainda mais destrutiva. E, como portugueses, também não podemos esquecer as centenas de pessoas que têm sido assassinadas recentemente no Norte de Moçambique por uma organização terrorista ligada ao mesmo movimento que tem atacado a Síria, o autodenominado Estado Islâmico ou Daesh. A Igreja Católica moçambicana e outras organizações religiosas, cristãs e muçulmanas, têm pedido ajuda urgente a Portugal por causa da gravíssima situação humanitária atual. O nosso Governo já sugeriu o nosso apoio militar no quadro da CPLP, mas aparentemente ainda não se chegou a um acordo nesse sentido. Moçambique tem recorrido a organizações profissionais que não têm tido a reconhecida eficácia das nossas tropas de intervenção. O que é uma pena, considerando a ligação histórica de Portugal com Moçambique.
Nasceu na Suíça e a sua família só recebeu permissão para regressar a Portugal em 1950, quando tinha cinco anos. Tem memórias desse regresso?
Os meus pais voltaram um pouco mais tarde, mas tive uma juventude com experiências muito interessantes, principalmente na zona da Lousã, onde a minha tia Filipa vivia. Foi ali que aprendi a nadar no rio, a pescar, a vida do campo. Ainda há uns tempos estive com amigos daquela época. As crianças com quem brincava mais eram os filhos da moleira que tinha um moinho de água. A partir daí fiquei sempre fascinado pelos moinhos, acho que são uma parte importante da cultura portuguesa.
Uma das questões fundamentais num herdeiro ou pretendente ao trono é a preparação que recebe. A sua educação foi especialmente direcionada para isso ou foi uma educação comum?
Frequentei a escola primária em Gaia. No Liceu Alexandre Herculano, no Porto, fiz o primeiro ano, depois fui para o colégio Nun’Álvares em Santo Tirso, onde andei dois anos e só depois é que fui autorizado a entrar no Colégio Militar. O Presidente da República, na altura, era o General Craveiro Lopes opunha-se totalmente a que entrasse no Colégio Militar por preconceito republicanista. Achava que para ser Presidente da República era preciso combater qualquer perigo de infiltração monárquica. Quando deixou de o ser fui autorizado, concorri ao Colégio Militar – fiz os testes todos, as provas todas – e fui aceite. Gostei muito, foi muito interessante, estimulante, com grande espírito de entreajuda que se mantém para vida toda. Em 200 anos de colégio militar não há um antigo aluno que tenha sido condenado por um crime, podem ter sido condenados por multas de trânsito. E isso mostra que a formação espiritual do colégio fica para toda a vida. Agora pergunta se tive formação especial? Aprendi pelo exemplo dos meus pais o que são as obrigações especiais de estar sempre ao serviço do país e dos portugueses. Os meus filhos também aprenderam isso e quando tomam uma decisão pensam neles e também se é boa para o país. Têm noção que há certos trabalhos que não vão aceitar porque podem impedi-los depois de cumprirem a sua missão em relação a Portugal e é esse sentido de obrigação moral perante o país que é muito importante. Há muitas pessoas que têm esse sentido de dever com a pátria e não são da nossa família, mas posso falar pela minha.
Estudou Agronomia…
Mas isso acho que foi um erro. Via a agronomia como formação para a ruralidade portuguesa. A vida de produtor agrícola é uma das coisas essenciais para o país e para o futuro do país. Podemos viver sem a maior parte das coisas, mas sem comida ninguém vive. Por outro lado, o agricultor é um protetor da natureza, do ambiente e que torna a paisagem humanizada. O grande mestre desse campo foi Gonçalo Ribeiro Teles e que todos agora reconheceram a sua importância, mas a única coisa que quase todos se esqueceram foi de dizer que era monárquico, fundador do PPM e considerava que o Rei e a estrutura da monarquia faziam parte de tudo aquilo em que ele acreditava: o Rei é a cúpula da defesa dos valores permanentes da sociedade. As Repúblicas defendem bem os valores transitórios – os de agora e os dos próximos anos – os valores permanentes são melhor defendidos por um Rei porque um Rei vê a realidade política não num prazo de quatro anos, mas num prazo de várias vidas. Considera uma responsabilidade perante o passado e sobretudo uma responsabilidade perante o futuro. O Rei preocupa-se com o país dos seus netos, enquanto o Presidente tem mais em conta a realidade imediata.
Mas o caso que envolve o Rei emérito D. Juan Carlos mostra que a monarquia também é corruptível?
Mas aponte-me outro caso no século XX na Europa, em que o Rei ou a Rainha tenham tido esses problemas. Enquanto se assiste a uma série de problemas com Presidentes da República. Além disso, a acusação contra o Rei de Espanha que terá recebido dinheiro do Rei da Arábia Saudita até agora ninguém encontrou ilegalidades.
Mas ‘obrigou-o’ a sair de Espanha…
A grande discussão à volta dele estava a atrapalhar o Rei Filipe e achou que para tranquilizar a opinião pública espanhola o melhor era sair. Suponho que também tenha saído por questões de saúde.
Chegou a falar com ele sobre a hipótese de vir para Cascais?
Sim. Mas percebi que não resolvia o problema de privacidade e de tentar não incomodar o filho.
Muitas pessoas associam a monarquia a uma vida de requinte, de luxo, de receções e banquetes em palácios. Isso corresponde à realidade?
Nas Repúblicas também há banquetes e receções quando recebem Chefes de Estados estrangeiros ou quando há um acontecimento excecional. Durante a presidência de Jorge Sampaio chegou-se à conclusão de que a Casa real espanhola custava cinco vezes menos ao Orçamento do Estado do que a Presidência da República Portuguesa. Não sei como estão hoje as despesas da Presidência República Portuguesa porque diminuíram muito, mas por habitante a diferença é enorme. Grande parte das despesas da Casa Real espanhola estão relacionadas com a manutenção dos edifícios e evidentemente nesse sentido a Presidência da República tem uma instalação mais modesta do que os grandes palácios reais espanhóis. Mas não se pode dizer que uma casa real europeia tenha mais luxos. Por exemplo, a Suécia, que é um país mais rico do que Portugal, e no dia Nacional da Suécia assisti a um desfile com carruagens de cavalos, fardas antigas e perguntei aos amigos suecos se isso não incomodava os cidadãos e eles responderam que não custava nada ao Orçamento do Estado porque há uma fundação que foi fundada por milhares de suecos e é ela que é proprietária dos cavalos, das carruagens e paga as despesas todas com esse acontecimento. Na Inglaterra gasta-se muito dinheiro naquelas cerimónias públicas, mas o que rende para o turismo é muito mais do que aquilo que se gasta. Por exemplo, na Holanda em cerimónias oficiais o Rei aparece de carruagem, mas em viagens oficiais o Rei vai a pilotar um avião militar modesto.
O que acha do príncipe Harry e de Meghan Markle terem deixado de ser ‘membros sénior’ da família real?
Acho que faria mais sentido irem para as Commonwealth, como o Canadá, Nova Zelândia, Austrália, de várias ilhas das Caraíbas, onde reconhecem a Rainha. Mas se calhar a mulher preferiu ir para os EUA. Acho que foi um desperdício, ainda por cima sendo a Megan muito popular e depois de ter sido muito bem recebida em Inglaterra, mas teve algum problema com o protocolo oficial que não se entendeu bem e achava que não estava a ser tratada como devia. Não estava preparada para essa responsabilidade. A mulher do príncipe herdeiro teve outra atitude, há uma coisa muito engraçada que tive oportunidade de lhe dizer: ‘Vai ser a segunda vez que Inglaterra vai ter uma rainha Catarina – a primeira foi uma portuguesa, D. Catarina de Bragança’. Ela respondeu: ‘Nunca ninguém me tinha falado nisso’. Foi ela que civilizou Inglaterra em muitos aspetos, introduziu o chá, os pratos de porcelana e uma série de tradições e costumes que os ingleses adotaram. Eles nem sequer usavam garfos, comiam com faca e colher.