Depois de vários meses de negociações, muitos impasses e algumas ameaças, a ‘bazuca’ europeia viu finalmente luz ao fundo do túnel. Em causa estão 1,8 mil milhões de euros para ajudar as economias europeias, a que Portugal não fica alheio. Os analistas contactados pelo SOL aplaudem o acordo, mas alertam para riscos.
Pedro Amorim lembra que o Banco Central Europeu está a aumentar «o seu enorme programa de impressão de dinheiro, centenas de milhares de euros, podendo chegar aos biliões (ou triliões, na linguagem anglo-saxónica), numa tentativa de impulsionar a economia». E o analista da Infinox acrescenta que as medidas de política monetária «contribuirão principalmente para preservar as condições de financiamento favoráveis durante o período da pandemia».
Também Henrique Tomé chama a atenção para o facto de ser essencial a aprovação do orçamento comunitário e do fundo de recuperação europeu com vista a apoiar a atividade económica europeia e continuar as medidas de estímulo à economia. «Só agora é que estamos a dar os primeiros passos para a longa caminhada a nível da recuperação económica. As consequências causadas pela pandemia ainda não são visíveis de forma concreta, mas a presidente do BCE, Christine Lagarde, já referiu que a segunda vaga da pandemia foi mais prejudicial do que a primeira. Portanto, os recentes estímulos são importantes, mas também terá de haver uma forte cooperação dos governos para apoiar as economias nacionais a retomarem a atividade económica», alerta o analista da XTB.
A opinião é partilhada por Pedro Amorim. «Têm vindo a verificar-se alguns impasses no próprio conselho do BCE referentes a esta matéria, com alguns membros contra. O BCE está numa ótima perspetiva de aumento da confiança dos mercados. Contudo, isso não será suficiente para resolver os problemas da baixa inflação e financiamento da zona euro». E vai mais longe ao garantir que «estas medidas provocam divisões, uma vez que estamos a aumentar a dívida da economia e, mesmo assim, poderá não ser o valor suficiente. O principal argumento contra seria aumentar a dívida de forma mais seletiva, em vez do programa atual, que é de forma bastante generalizada».
Já em relação ao futuro, o analista lembra que tudo depende da evolução da pandemia. «Se a situação atual da pandemia se prolongar para depois de 2021, podemos entrar em situação de bancarrota generalizada», diz ao SOL.
E Portugal?
O responsável lembra que Portugal beneficia de condições de financiamento mais favoráveis. «O país consegue financiar-se nos mercados a taxa negativa em praticamente todos os prazos. Até que ponto isso é bom? Eu diria que é péssimo. Portugal já tem índices de endividamento bem altos e só conseguirá atenuar esse valor com crescimento económico. Ter uma economia com as características atuais, com industrialização baixa e enfoque no turismo, não me parece o melhor caminho. A solução passaria pela atração de capital estrangeiro para investimentos industriais e produtivos, e não para hotéis de cinco estrelas nas avenidas das grandes cidades», salienta.
Quanto à aplicação da verba que Portugal vai receber, Pedro Amorim refere que vai principalmente para obras públicas – uma estratégia que é questionada pelo analista. «Será que conseguiremos, num momento de fraca produtividade, continuar a investir em estradas e pontes? A estratégia está definida e a história fará o seu julgamento. O que temos visto é um índice bolsista cada vez mais fraco, menos flexível e com cada vez menos participantes. A única aposta no mercado de capitais foi na emissão de dívida, em que somos campeões europeus».
Em relação à forma como a verba irá ser monitorizada, diz apenas que não tem «informação suficiente para tirar conclusões».
Já Henrique Tomé garante que todos os Estados-membros acabam por ser beneficiados com estas medidas, mas deixa um recado. «Não deverão ficar pendentes das medidas vindas de Bruxelas. Cada Estado-membro, incluindo Portugal, deverá utilizar os recursos que tem da melhor maneira para continuar a estimular a atividade económica nacional». Recorda que «parte da verba poderá ser utilizada no programa de Costa Silva». E vai mais longe: «Cabe a cada Governo alocar da melhor maneira os fundos vindos da UE para uma melhor recuperação económica e social no país».
Bloqueio desbloqueado
Este acordo esteve num impasse devido ao bloqueio da Hungria e da Polónia, que até esta semana receberam pressão por parte da Alemanha. Budapeste e Varsóvia mantinham o veto, pois rejeitavam o mecanismo que condiciona o acesso aos fundos comunitários ao respeito pelo Estado de direito (que pressupõe unanimidade).
Caso não existisse desbloqueio, ficaria em causa todo o apoio financeiro atribuído por Bruxelas aos 27 Estados-membros a partir de janeiro de 2021.
Recorde-se ainda que Portugal tem direito a 30 mil milhões de euros do orçamento europeu para os próximos sete anos, a que se somam ainda mais 15,3 mil milhões de euros em subvenções do fundo de recuperação – a famosa bazuca que o Executivo de António Costa (e os restantes países europeus) considera «urgente» para ultrapassar a crise económica acentuada pela pandemia.
Ainda esta quinta-feira, o primeiro-ministro português garantia estar confiante de que o desbloqueio aconteceria. «Hoje estou mais otimista do que estava ontem, mas, como sabemos, nestes Conselhos é melhor não fazer muitos prognósticos antes do fim do jogo. Mas acho que podemos todos ter confiança de que tudo se encaminha para termos um bom desfecho», disse em Bruxelas.
Já depois do acordo, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, lembrou: «A Europa avança! 1,8 mil milhões de euros para impulsionar a nossa recuperação e construir uma União Europeia mais resiliente, verde e digital».