Foi um conselho nacional que durou perto de 19 horas (acabou às 4 da manhã de domingo) e serviu oficialmente para declarar o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, na recandidatura presidencial do passado sábado. Mas mais do que as eleições de 24 de janeiro, também ficou claro que o CDS é um partido com muitas divisões, com vários deputados a assumirem a sua discordância em relação à estratégia: seja pela forma como o CDS lida com o Chega, seja pela estratégia ou até pela leitura que se faz do resultado nos Açores. Houve um pouco de tudo.
No final da discussão , Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS, acabou a intervenção a declarar que tinha uma “confiança inabalável” na equipa parlamentar, mesmo depois de a deputada Cecília Meireles ter dito que havia um elefante na sala – o Chega – que “enxovalha” o partido, sendo necessária uma estratégia diferente. Adolfo Mesquita Nunes (que não é deputado), que fez uma intervenção assumidamente de oposição, disse mesmo que o Chega de André Ventura ameaça “a sobrevivência” do CDS.
O deputado João Almeida, que foi adversário de Francisco Rodrigues dos Santos, foi cristalino na intervenção. “Esta não é a minha liderança e este não é o meu caminho, não só porque não tenha sido o que apresentei, mas porque, sinceramente, não acredito”, atirou, garantindo que os primeiros 11 meses de liderança não correram bem e pedindo mudanças. Porém, assegurou que nada fará para que corra mal. Dito de outra forma: não será por ele que Francisco Rodrigues dos Santos não cumprirá o mandato. Há quem garanta que o atual líder resistirá até às autárquicas de outubro de 2021. Porém, depois, será difícil, a não ser que tenha um resultado igual ou melhor do que a sua antecessora, Assunção Cristas. Contudo, o também deputado João Gonçalves Pereira (líder da distrital do CDS/Lisboa) criticou a estratégia do presidente democrata cristão por deixar as eleições autárquicas “nas mãos do calendário político do dr. Rui Rio e do PSD”. De realçar que o PSD não tocará no dossiê das autárquicas até às eleições presidenciais.
Mas o que ficou para memória futura deste conselho nacional do CDS foram as intervenções de figuras menos conhecidas internamente a queixarem-se do passado ou do passivo deixado no partido. As críticas e queixas do passado soaram, para alguns conselheiros do CDS, como uma espécie de tentativa de acerto de contas. O tom de alguns deputados também surpreendeu elementos da direção, que aguardavam críticas, mas não de forma tão clara ou tão incisiva por parte da bancada. Pelo caminho surgiu uma sugestão do dirigente Raul Almeida: a saída pelo próprio pé de Cecília Meireles para dar lugar a Francisco Rodrigues dos Santos, pois a deputada tinha desferido duras críticas à estratégia. Cecília Meireles prometeu depois não ficar “caladinha” a partir daqui, após a sugestão do dirigente. Raul Almeida fez a sugestão a título pessoal, apurou o i, não subscrita pelo líder centrista no final da sua intervenção.
No meio deste despique, Telmo Correia, líder parlamentar, que só tinha falado basicamente para criticar o recandidato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa, saiu em defesa da honra de Cecília Meireles (que foi cabeça-de-lista pelo Porto, com Francisco Rodrigues dos Santos em segundo lugar, não elegível). Telmo Correia avisou que havia uma “linha vermelha” que não se podia ultrapassar: colocar em causa os mandatos dos deputados. Os sinais de desconfiança emergiram aí e podem ter ampliado o desconforto que já existia entre a bancada e a direção, apesar de Francisco Rodrigues dos Santos contactar regular e diretamente com Telmo Correia – ou seja, existe articulação.
Para alguns conselheiros presentes por videoconferência ficou a ideia de uma declaração de guerra para combater mais à frente dentro do CDS. E houve quem, da comissão política nacional do CDS, tivesse deixado claro que estava desconfortável com a defesa da bancada do líder do partido.
Feitas as contas, Francisco Rodrigues dos Santos não poderia ter feito outra coisa: é presidente dos todos os militantes e não só de uma parte, como confidenciou ao i um destacado conselheiro nacional. Amanhã há reunião da comissão política nacional para se fazer o rescaldo do conselho nacional, analisar a agenda política do CDS e preparar as autárquicas. O objetivo do encontro passa por dar mais voz e dinamizar a comissão política nacional, a par da comissão executiva (o órgão de direção mais restrito).