Por estes dias decidi regressar a uma paixão antiga – a música de Fryderyk Chopin. É verdade que nunca precisei de saber grande coisa sobre o grande compositor polaco para apreciar as suas melodias. Mas ao fim de tantos anos senti uma necessidade urgente de me informar sobre a curta vida deste génio que tantas alegrias me tem dado – e a leitura da sua biografia tem sido apenas mais uma que veio acrescentar-se às anteriores.
Logo às primeiras páginas de Fryderyk Chopin – A Life and Times (Picador, 2018), de Alan Parker, esclareci uma dúvida levantada há muitos anos por um primo: dada a sua nacionalidade polaca, faria sentido pronunciar-se o seu nome à francesa?
A resposta é sim. Na realidade, o pai de Chopin era um francês da Lorena, nascido Nicolas Chopin, que emigrou para a Polónia aos 17 anos. Adoptou a nova pátria, onde viria a casar-se, e mudou o nome para o seu equivalente polaco, Mikolaj. Notabilizou-se como tutor de jovens de famílias abastadas, fundando mais tarde uma pequena escola. Segundo o testemunho de um dos seus pupilos, sob a orientação de Mikolaj as crianças aprendiam a ser civilizadas e polidas.
O pequeno Fryderyk nasceu na casa de uma condessa divorciada – Ludwika Skarbek, de cujos filhos Mikolaj era preceptor – e cresceu no Palácio Saxão, um dos mais distintos edifícios da cidade, onde funcionava o Liceu de Varsóvia. O pai, por lá dar aulas, tinha direito a um apartamento nas instalações.
Chopin, conta-nos o biógrafo, só teve um professor formal de piano, que nem sequer era excecionalmente brilhante. Ainda assim, o talento do aluno começou a revelar-se logo muito cedo. Fez a sua estreia nos palcos de Varsóvia quando tinha apenas oito anos . E, a avaliar pelo que escreveu a imprensa, foi um triunfo absoluto.
«O_compositor desta dança polaca, um menino de apenas oito anos, é o filho do Sr. Mikolaj Chopin, mestre de língua e literatura francesa no Liceu de Varsóvia. Não apenas toca as peças para piano mais difíceis com a maior facilidade e o mais extraordinário bom gosto, mas já compõe algumas danças e variações, com as quais os melómanos não cessam de se espantar, especialmente tendo em conta a tenra idade do compositor», dizia um jornal da capital polaca em 1818. Rapidamente começaram a chamar-lhe ‘o Mozart polaco’.
Daí aos salões da aristocracia foi um passo. Um pequeno passo. Ainda em 1818 o prodígio foi convidado para tocar para o grão-duque Constantino Romanov, irmão do Czar da Rússia e um homem conhecido pela sua extrema crueldade. Constantino ficou impressionadíssimo com o rapaz, que passou a ser requisitado com frequência para o palácio. A mulher do grão-duque «acreditava que a maneira de tocar do menino tinha um efeito calmente sobre o temperamento instável do marido», conta Alan Parker. Sempre que uma carruagem ia buscar Chopin, já todos sabiam o que se passava:_«o grão-duque estava com uma das suas fúrias cegas». E só havia uma maneira de o acalmar.
De facto, o piano de Fryderyk parecia ter propriedades mágicas. Uns anos depois, no verão de 1823, os Chopins foram convidados para passar férias na casa da condessa Ludwika, onde ele havia nascido. Nas noites quentes o piano era levado para o relvado lá fora, e até os simples aldeãos se aproximavam, atraídos por aqueles sons. Lá está: não é preciso ser muito culto ou conhecedor para apreciar a sua música encantadora. Ainda assim, pela minha parte, da próxima vez que ouvir os seus nocturnos vou gostar de imaginá-lo a tocar não no palco de uma sala de concerto, nem num salão elegante, mas ao ar livre, sob a luz tremeluzente das estrelas, fazendo os sons do piano viajar pelos campos.