No dia em que Miguel Romão, diretor-geral da Direção Geral da Política de Justiça, pediu a demissão à ministra da Justiça, Francisca van Dunem, que já a terá aceitado, a jornalista Clara de Sousa, que está a moderar o debate entre as eurodeputadas Ana Gomes e Marisa Matias, explicou que tinha de "começar pela atualidade". Recorde-se que, em causa está a polémica em torno da nomeação do procurador europeu José Guerra cujo currículo tem sido alvo de polémica na medida em que, numa carta enviada à União Europeia, o Executivo português terá transmitido informações falsas sobre o magistrado.
Naquilo que diz respeito às últimas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, que explicou que o primeiro-ministro reafirmará a confiança na ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, Ana Gomes – que conta com o apoio do LIVRE, do PAN e de algumas personalidades do BE – asseverou que "o primeiro-ministro é que sabe", dizendo que o mesmo "avalia como isto sobra ou não para o Governo, como isto afeta a imagem do país, num tempo em que estamos na Presidência da União Europeia", acrescentando que "não é boa política que órgãos nacionais se sobreponham à seleção feita por um comité internacional". Por outro lado, questionada acerca da posição de António Costa, explicitou que o mesmo deverá ter mais dados em sua posse. À sua vez, Marisa Matias disse que "obviamente é uma situação vergonhosa, e esta é a forma sucinta de o explicar", admitindo que estas ocorrências "não favorecem" a imagem de Van Dunem, sendo que urge "apurar responsabilidades", pois "é preciso explicações e saber exatamente aquilo que aconteceu".
"A Marisa Matias diz que a Ana Gomes não é sua adversária. Então, é o quê?", questionou Clara de Sousa, obtendo como resposta da também socióloga que "ao longo destes anos todos", nomeadamente, dez no Parlamento Europeu, mesmo "com tomadas de posição muito diferentes", lembrando que a chefe da missão diplomática portuguesa na Indonésia durante o processo de independência de Timor-Leste não apoiou a sua candidatura, mas sim a de Sampaio da Nóvoa. De seguida, recordou que acredita que a sua candidatura representa os grandes problemas desta geração, pelos quais tem lutado, como as alterações climáticas ou o racismo. "A candidatura da Marisa insere-se numa lógica do partido que ela representa. A minha candidatura é independente. Sou socialista com muito orgulho, mas não tenho o apoio da direção do meu partido", respondeu Ana Gomes, deixando claro que pretende representar toda a gente que se revê "numa lógica de democracia".
"Somos duas candidatas que teremos lutas como pela democracia ou contra a extrema-direita", avançou a candidata às eleições presidenciais de 2016, esclarecendo que "há mais mobilização nestas eleições", sendo que "o que importa é o dia seguinte, não só o dia das eleições", acrescentando que a sua candidatura "coloca em cima da mesa uma resposta à crise que passa por entendimentos à esquerda, sendo que a composição da Assembleia da República" permite a existência de variados acordos "de forma mais exigente e que respondam verdadeiramente à crise e não aqueles que são frágeis ao ponto de não funcionarem neste momento", aludindo à necessidade da manutenção da proteção social que, na sua ótica, os cidadãos vão perder "num futuro muito próximo", na medida em que "estamos a viver um momento muito crítico".
Já a deputada do Parlamento Europeu, entre 2004 e 2019, questionada acerca dos temas em que existiria convergência à esquerda, avançou que não compreende como o BE votou contra o Orçamento de Estado, não compreendendo como Marisa Matias afirmou que não teria vetado o documento caso fosse Presidente da República. "Existe uma divergência entre a Marisa candidata e a Marisa deputada", declarou, perguntando qual seria o futuro da população, "como idosos em insegurança, as mulheres – que são mais afetadas pela pandemia – ou as crianças em situação de risco se tivêssemos ficado à mercê de duodécimos". Em relação a outras contradições, recordou que o Quadro Financeiro Plurianual "dará os recursos para recuperarmos desta tremenda crise e é uma grande oportunidade para o país fazer aquilo que precisa de fazer, há muito tempo, para sair da cepa torta", atirando que "quem fez a diferença não foram aqueles que se bateram sempre contra o euro", mas sim "aqueles que sempre acreditaram no euro e nas suas potencialidades". Seguidamente, Ana Gomes confessou que existem grandes divergências na área da Segurança e da Defesa que, habitualmente, não integram a agenda do BE. “Acredito que são questões demasiado importantes para serem deixadas à direita, incluindo à direita do PS”, continuou, adicionando que "nesta área fazia todo o sentido, por causa do Tancos, por exemplo, que se questionasse em que estado estão as nossas Forças Armadas", pretendendo explorar subtemáticas como a da integração das mulheres e das minorias ou da proteção do mar. Por outro lado, "as forças de segurança devem ser forçadas, mas tem de se prestar atenção à infiltração da extrema-direita, a começar pelo SEF".
Marisa Matias recordou que pensa que Ana Gomes votaria a favor, se estivesse na Assembleia da República, de decisões como a auditoria ao Novo Banco. "As pessoas que votarem em mim sabem que estarão a votar contra os bloqueios de Marcelo e António Costa", sendo que "é perigoso quando acenamos a uma crise putativa", que se traduz em problemáticas como a da falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde. "Não vou, de maneira nenhuma, inventar divergências artificiais com Ana Gomes", sendo que não deixou de referir que, no Parlamento Europeu, divergiram em muitas questões, como a da "arquitetura do euro". "O maior problema que temos na União Europeia é a segurança e a defesa das pessoas", lembrou Marisa Matias, realçando que "são os refugiados que perderam a vida". Já Ana Gomes, havia retorquido minutos antes, dizendo que as forças armadas podem e devem proteger as pessoas, incluindo os refugiados. "Sou a pessoa mais crítica em relação às políticas da União Europeia sobre os migrantes por não se ter regulado o problema de forma a parar de alimentar as redes de traficantes de seres humanos", salientou Ana Gomes.
Sobre o estado de emergência, Ana Gomes disse que o mesmo está a ser "banalizado" por ser "sucessivamente decretado", expressando que, se estivesse no poder, decretaria uma lei de emergência sanitária para dar cobertura legal às medidas que são necessárias mas que sem fosse necessário recorrer ao estado de emergência, "sendo que o Presidente já devia ter tido esta função nas suas intervenções". Mas Marisa Matias explicou que "se trata do que é e não até quando" dura. Respondendo, Ana Gomes recordou que "são os mais vulneráveis que estão a ser prejudicados por estas medidas", mencionando que até se pode colocar em causa "todos os direitos humanos fundamentais e o Estado de Direito" com a revogação do estado de emergência.
"Ana Gomes elege André Ventura como um inimigo e não como um adversário", disse Clara de Sousa, perguntando à candidata independente se "não seria mais eficaz combater o CHEGA! no seu campo ao invés de revelar algum medo do peso eleitoral do partido". Porém, Ana Gomes disse que não confunde "os partidos com os seus responsáveis", sendo que "as pessoas estão desiludidas" e "quem tem um programa que semeia o ódio, a divisão, a violência e a segregação está claramente a contrariar a Constituição", sendo interpelada pela moderadora que a recordou de que nunca havia tido esta atitude "em relação ao PNR que tem posições muito mais extremadas do que o CHEGA!".
Lembrando que o BE votou a favor a divulgação do financiamento público a fundações e associações, Clara de Sousa perguntou a Marisa Matias onde está "o cordão sanitário", sendo que a candidata rematou que o mesmo se prende com o exercício do poder. “Veja lá, conseguiu encontrar uma proposta em centenas. Normalizar é colocá-los no Governo", afirmou. A candidata bloquista admitiu também que não aceitaria um Governo com um “ministro considera que os direitos das pessoas são em função da sua cor de pele", pois tal seria "absolutamente inaceitável".
"Somos duas candidatas do campo democrata que vamos derrotar um candidato de extrema-direita", manifestou Marisa Matias, apelando a que mais questões sobre André Ventura fossem levantadas no frente-a-frente que levará a cabo com o mesmo, também na SIC Notícias, na próxima quinta-feira. Ana Gomes recusou igualmente responder a mais perguntas, respondendo na mesma linha de Marisa Matias. "Eu vivi em ditadura e estou aqui para me bater até à última para que projetos autoritários não vençam. É pela democracia que nos salvaremos, pelo seu reforço e pela sua regeneração. Houve muitas perversões", exprimiu. "Não tenho medo nenhum. O que está em causa não é a pessoa, são as ideias perniciosas que são perigosas para este país", proferiu Ana Gomes quando questionada acerca do eventual temor que nutre pelo dirigente do CHEGA! “O meu adversário é Marcelo Rebelo de Sousa. Quero mostrar que posso ser uma Presidente muito diferente", finalizou.
"Ficar atrás de André Ventura será uma derrota política pessoal?", questionou Clara de Sousa. Marisa Matias desvalorizou as sondagens e disse que, há cinco anos, estava atrás dos valores atuais, dizendo que se combate a extrema-direita com o combate à corrupção – "que não é apenas o problema das maçãs na cesta, mas sim da cesta" -, fechando o debate com a frase "Estou convicta que nestas eleições derrotarei André Ventura.