Um fim de semana em casa e com proibição de deslocação entre concelhos, com a perspetiva de um novo confinamento no horizonte. Nesse cenário, só as escolas deverão manter-se abertas, além de serviços essenciais, como no primeiro confinamento em março. O primeiro-ministro admitiu-o ontem no final do conselho de ministros, depois de dois dias com o número de casos confirmados no país a rondar os 10 mil. Poucos dias bastaram para que as semanas atípicas do final do ano, com mais contactos e menos pessoas a fazerem testes, revelassem uma epidemia a crescer em todo o país, agora com apenas 25 concelhos abaixo do patamar dos 240 casos por 100 mil habitantes – os únicos que vão para o fim de semana sem o dever de recolher obrigatório às 13h.
O estado de emergência foi renovado até dia 15, mas António Costa convocou para esta sexta-feira uma reunião do Conselho Permanente da Concertação Social e receberá os partidos entre sexta-feira e sábado para analisar futuras medidas. O calendário ficou traçado: dia 12 terá lugar a habitual reunião do Infarmed, onde os epidemiologistas que têm dado apoio técnico ao Governo e que foram ouvidos esta semana, farão uma apresentação da situação epidemiológica e projeções para as próximas semanas ao Executivo, Presidente da República e partidos. Em caso de necessidade de apertar medidas, isso poderá acontecer logo na terça-feira admitiu António Costa, com entrada em vigor imediata – o que significaria não esperar pelo término do atual estado de emergência. O decreto presidencial já permite um conjunto de medidas: nos municípios de mais elevado de risco – que agora voltam a ser a maioria – podem ser impostas restrições necessárias para reduzir o contágio, incluindo a proibição de circulação na via pública durante períodos do dia ou dias da semana, bem como a interdição de deslocações que não sejam justificadas. E pode “ser determinado pelas autoridades públicas competentes o encerramento total ou parcial de estabelecimentos”.
O que falta perceber
Ao admitir um confinamento “idêntico ao de março”, afastando no entanto o encerramento das escolas, António Costa não quis antecipar medidas e sublinhou que, como diz o ditado, a esperança é a última morrer. A esperança é que os números dos últimos dias sejam “um ajustamento do período que vivemos nas últimas semanas e que os dados até dia 12 não confirmem a evolução”.
Segundo o i apurou, essa incerteza foi uma das incógnitas expressas pelos peritos ouvidos nos últimos dias pelo Governo – falta perceber melhor a data de início de sintomas dos novos casos, se os números se mantêm assim elevados ou se houve um pico mais isolado.
No entanto, já não há dúvidas de que se está perante um aumento de casos – o que levou o Governo, de forma cautelar, a apertar medidas no fim de semana proibindo deslocações entre concelhos e abrangendo mesmo os municípios entre 240 e 480 casos por 100 mil habitantes, que até aqui tinham maior folga.
O país está num patamar de incidência muito elevado – ontem chegou aos 669 casos por 100 mil habitantes, com a região Norte, Centro e Alentejo acima dos 700 casos por 100 mil habitantes – em que o risco de contágio nunca foi tão grande por exemplo no Alentejo ou mesmo na região Centro. Números que colocam Portugal entre os países europeus com uma epidemia mais intensa, numa altura em que a mortalidade geral no país está também a disparar – o frio, a descompensação de doenças crónicas são outras variáveis que aumentam a pressão sobre os serviços de saúde.
"Andávamos com números baixos que sabíamos que não eram a realidade"
Manuel Carmo Gomes, um dos epidemiologistas ouvidos pelo Governo, explicou ao i o que falta clarificar. “Só na quarta-feira começámos a perceber a verdadeira situação em que estamos. Andávamos com números baixos que sabíamos que não eram a realidade. Só quarta-feira pela primeira vez é que tivemos um número real que corrige subestimações que estavam para trás. Agora temos de conseguir medir a velocidade com que a epidemia está a crescer. O R está em 1,20. Há cinco dias estava em 1,1. Com os dados de hoje (ontem) e de sexta-feira teremos uma estimativa mais rigorosa da velocidade a que estamos a crescer. E a velocidade a que estamos a crescer dá-nos uma estimativa de onde iremos parar.” Ou seja, de que capacidade de resposta poderá ser necessária nos hospitais, onde os cuidados intensivos estão com uma ocupação na casa dos 85%.
Atualmente, a equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa estima que estejam a ocorrer em média 7 mil contágios por dia no país, com uma duplicação a 13 dias. “Os 10 mil casos estão a mais, estaremos com 7 mil em média mas a crescer.” Com esta tendência, significa que dentro de 13 dias, sem alterações, o país poderia chegar aos 14 mil casos por dia em média – com dias acima de 20 mil casos. Um cenário que Manuel Carmo Gomes considera pouco provável e que seria incomportável. “A taxa de duplicação não se aguentaria muito alta. As pessoas começam a mudar de atitude e protegem-se mais”.
No entanto, as medidas mais restritivas deverão ser necessárias para travar um crescimento de casos que agora é de novo exponencial, cerca de 5,4% ao dia. O primeiro-ministro reconheceu ontem que cada dia pode contar e essa foi também a opinião de vários especialistas, numa altura em que há vários países europeus já confinados. Fechar serviços essenciais mantendo escolas abertas foram aliás medidas implementadas ainda antes do Natal no Reino Unido, na Irlanda ou na Alemanha e o Reino Unido avançou com o fecho das escolas.
Carmo Gomes sublinha que a panóplia de medidas é hoje ampla, do fecho de comércio, recolher obrigatório, encerramento de escolas para alunos mais velhos, secundário e universidades. A única parte da receita certa para esmagar a curva continua a ser reduzir contactos. O investigador chama a atenção para a evolução da epidemia na Irlanda para mostrar o efeito Natal – que agora é preciso perceber que contributo terá tido de testes que não foram feitos, aumento de contactos, adiamento de diagnóstico e procura de cuidados ou mesmo a nova variante. Na Irlanda, passaram de menos 2500 casos por dia para 7500, com uma espécie de parede a formar-se na curva epidémica. Em Portugal, há agora também essa clivagem entre o velho e o novo ano a formar-se. Em 15 dias, perdeu-se o controlo da epidemia conseguido com os fins de semana em casa e de comércio fechado à tarde nos meses de novembro e dezembro? “É uma das características deste vírus: rapidamente dispara e o regresso a níveis mais baixos de incidência leva mais tempo. E isso depois passado algum tempo corresponde a um aumento de internamentos e óbitos. É o que faz deste vírus a calamidade que é, a rapidez com que se transmite. Dizia-se que o vírus era bonzinho. Não é que mate muito ou pouco, o simples facto de a epidemia crescer tão depressa causará muitos internamentos e muitas mortes.”