Admite que está a ser marginalizado pela atual direção do Sporting, mas nem assim a sua paixão pelo clube esmorece. «Continuo a ser do Sporting com Frederico Varandas, sem Frederico Varandas, com Bruno de Carvalho, sem Bruno do Carvalho. Sou do Sporting, não sou deles», garante. Para meados de fevereiro irá lançar um novo livro, onde vai abordar a doença de Alzheimer. Diário de Um Corpo Sem Memória pretende retratar a história da mãe das suas filhas, que está internada há oito anos. Quer ajudar quem tem esta doença e principalmente ser um farol para os seus cuidados. E não hesita: «O sofrimento da família para uma pessoa que está internada há oito anos sem saber quem é, é terrível. É pior, mas muito pior, do que suportar o drama da morte».
Saiu recentemente da TVI. Ficou surpreendido com esta decisão?
Apanhou-me completamente de surpresa. Foi em agosto, num período em que estava de férias. Houve inicialmente um constrangimento por causa da pandemia, depois meteram-se as férias, o futebol estava mais ou menos parado e havia aí um argumento válido para não haver comentários. Depois o Sérgio Figueiredo, ainda na direção da TVI, disse: ‘Como está na altura de regressares, vamos retomar os comentários na medida do possível mas só te peço que façamos um acerto de vencimento ou um novo contrato’. Propôs-me uma verba que aceitei. Havia menos trabalho e, portanto, compensaria de alguma forma. No dia em que ia sair do Algarve, onde estava de férias, para vir para a TVI, para fazer o primeiro comentário da nova temporada, do novo contrato, tive uma trombose ocular. Telefonei para o meu editor, mandei uma mensagem ao Sérgio e perceberam perfeitamente a minha ausência, estava no hospital. A resolução do problema ainda demorou umas três semanas e quando manifestei que já estava em condições de voltar, disseram-me que o ambiente estava um bocado confuso e que o melhor era esperar. A confusão deu-se com a saída do Sérgio e a entrada deste novo diretor [Anselmo Crespo]. Esperei que me dissessem alguma coisa, entretanto o meu editor telefonou-me a dizer que o novo diretor queria falar comigo. Aliás, queria falar com todas as pessoas que colaboravam ou que tinham contratos porque pretendia fazer uma remodelação. Um dia telefonou-me a dizer que o contrato ia ser rescindido porque havia uma nova política de comentadores. E sugeriram em vez de ter um contrato de trabalho mensal passaria a ser pago à peça. Cada vez que ia lá, pagavam-me 200 euros. Perguntou-me se aceitava, disse que dependia. Se me chamassem uma vez por mês, 200 euros não adiantava para o meu orçamento, mas se me chamassem duas vezes por semana já valeria a pena. Disse-me que ia transmitir aos editores. Até hoje.
Nunca mais voltaram a conversar?
Não. Depois recebi uma carta registada em casa a dizer que o contrato tinha sido rescindido.
Ficou desiludido?
Por uma razão: entrei para a TVI em 2004. Foram 16 anos de trabalho contínuo, quase diário. Não esperava um final destes. Mas a surpresa maior foi pela forma como o contrato foi rescindido. Acho que ao fim de 16 anos, e sendo eu alguém com um passado jornalístico interessante, merecia talvez um abraço final. O meu desgosto vem pelo não reconhecimento do meu trabalho e pela forma de despedimento.
Justifica isso com a entrada da nova direção de informação?
Sim. Ainda por cima trabalhei diariamente com a Lurdes Baeta, por quem tenho imensa consideração, e pensava que ela tinha a mesma consideração por mim. Pelo menos ela, enquanto subdiretora adjunta, poderia ter-me chamado e dizer: ‘Fernando, vamos dar-te um abraço mas chegou a hora de mudar’. Aceito essas coisas, posso não compreender, mas aceito.
É por isso que diz que as coisas podiam ter sido feitas de forma diferente?
Exatamente. O procedimento foi mau, foi errado e fiquei triste por isso. Acho que não merecia isto.
Tem mais de 60 anos ligados à comunicação social…
63.
E também por isso acha que devia ter sido tratado de outra forma? Ou considera que esta é uma forma geral de tratarem as pessoas?
Se é habitual, então acho que é uma péssima forma de lidar com as pessoas. Acho que é um exemplo que não deve ser copiado. Aquilo que a TVI fez foi, de facto, uma desconsideração.
Justifica isso com as guerras de audiências da SIC e da TVI?
Não tenho nada a ver com a SIC nem com as guerras entre eles. Nunca me dei mal com a SIC nem com a RTP. Colaborei com a RTP várias vezes, mas a TVI foi a única que me fez uma proposta concreta. Estava na rádio – sempre fui um homem de rádio, nunca de televisão – e em 2004, no campeonato da Europa, a TVI fez-me uma proposta concreta, um contrato de trabalho e eu aceitei. Fui fundador da TVI24 com um programa chamado Lugar Cativo, que durou o primeiro ano do canal. Quando José Alberto Carvalho entrou para lá, a primeira coisa que me fez, antes de me cumprimentar, foi mandar-me uma carta a dizer que havia uma crise financeira na TVI e pediu-me para cortar 500 euros no ordenado, que aceitei. Depois foi o Sérgio Figueiredo a propor já no ano passado outro corte de 500 euros, que voltei a aceitar. E, finalmente, este novo diretor disse que não eram 500 nem mil. Acabou. Por isso, saio amargurado pela forma como fui despedido. O termo, se calhar, é capaz de ser muito duro, mas é verdade. Não queria que fosse assim. Queria que pelo menos houvesse um abraço, houvesse um carinho. Eu sou assim, sou afetivo. Não quer dizer que esteja à espera que as pessoas todas me agradeçam por aquilo que fiz mas, ao fim de 63 anos de carreira, talvez merecesse outro tipo de tratamento.
E reconhecimento…
Ainda por cima não pedi indemnizações, nunca falei nisso, nem em coisa nenhuma. Não tiveram despesa nenhuma comigo. Sou assim, não vou para advogados, não vou pedir nada, não quero.
Na sua situação podia recorrer…
Podia mas não quero…
O que faz agora?
Neste momento resolvi dar um rumo diferente à minha vida. Prefiro, nesta altura, o ensino. Tenho um convite que ainda está um pouco no segredo dos deuses mas tenho a perspetiva de dar dois cursos na Universidade do Algarve. Também tenho outras perspetivas de trabalho, por exemplo, com as a câmaras municipais com quem trabalhei várias vezes. Mas o ensino é uma coisa que me seduz muito, fico muito contente, muito feliz. Gosto muito de ensinar e acho que ensino bem. Por outro lado, é altura de escrever mais.
Está previsto o lançamento de um novo livro?
Estou a escrever mais. O próximo livro sai em meados de fevereiro, chama-se Diário de Um Corpo Sem Memória, editado pela Guerra e Paz como todos os outros.
É sobre o quê?
É um livro em que conto a tragédia da mãe das minhas filhas. No primeiro livro – Piso 3, Quarto 313 – já tinha abordado o tema do Alzheimer. Ela continua viva sem saber que está viva, porque está em estado praticamente vegetativo, não tem nenhuma reação à realidade. É um livro sobre o internamento dela. É um livro não só para contar a história dela – porque merece que a conte – mas é também para prevenir as pessoas que têm a doença de Alzheimer e para os cuidadores saberem o que devem fazer em relação a elas.
A maioria não está preparada para uma realidade dessas…
Exatamente. O que conto é a realidade nua e crua, mas prefiro que seja assim para que as pessoas que passam por esse desgosto e por esse drama de terem pessoas na família com a doença de Alzheimer poderem tratá-las como deve ser.
Nesse livro já abordava esta questão…
Já, mas este é mais completo, porque tem a ver com o tratamento que foi feito durante estes anos todos. E já vão oito anos de internamento. O sofrimento da família de uma pessoa que está internada há oito anos sem saber quem é é terrível. É pior, mas muito pior, do que suportar o drama da morte. O que estou a dizer é trágico mas é verdade. A morte é um dia, depois um mês, depois um ano e depois vai passando. Ela, segundo o ponto de vista científico, está noutro plano há oito anos. Noutra dimensão qualquer. Não quer dizer que esteja morta de sentidos, mas cerebralmente está. Agora tem sido pior, temos de nos sujeitar às regras do jogo. Vemo-la pelo Skype, não nos deixam lá ir, o que se compreende perfeitamente. Mas, até vir a pandemia, ou seja, até ao ano passado, estávamos todos os dias em contacto com este drama. É violento.
Como é que as suas filhas veem a mãe assim?
Tem sido muito doloroso porque elas são três meninas que já têm meninos que fazem muitas perguntas e quando veem a avó no Skype perguntam quem é aquela senhora e porque é que não a veem… aquelas perguntas incómodas que as crianças fazem. Há muita lágrima à mistura. E agora, no Natal e na passagem de ano, a situação foi mais complicada porque era sempre habitual haver uma mesa de consoada. Este ano, por razões óbvias, não houve consoada nenhuma. Havia uma separação, cada um na sua casa. E não havia mãe, não havia avó.
Na última entrevista tinha dito que tinha 11 netos…
Já são 13. Uma das minhas filhas já tinha quatro e agora tem cinco porque adotou uma criança que estava numa instituição e foi buscá-la. É minha neta também, claro.
O Skype não torna as coisas mais fáceis, até pelo contrário…
Não, não torna as coisas mais fáceis. Porque ela está caída e depois levantam-lhe a cabeça para vermos os olhos dela, que também estão parados. É mau, é muito mau. Mas é um ensinamento. E isso transformou-me, sabe? Esta questão da doença dela exerceu influência sobre mim. Sinto que não sou o mesmo. Acho que me preocupo muito mais agora – não sei se se pode definir assim – com o espírito do que com a matéria. E, por isso, o meu alheamento em relação à questão da TVI de pagarem ou não pagarem não me interessa. Tenho a minha reforma da RTP, pode não ser uma grande reforma, mas é minha, é um direito meu.
Mas manter-se no ativo nunca foi uma questão só financeira…
Não, eu não quero parar, quero continuar a trabalhar. Por isso escrevo, por isso quero voltar ao ensino. E quando aparecer alguma coisa do ponto de vista institucional como foi agora as juntas de freguesias que me pediram apoio, farei. Agora o resto, as bancadas centrais e tudo isso, acabou. Como se costuma dizer, acabou uma época. Não quero é parar.
Mesmo com a idade que tem? Sente essa vontade e essa genica?
Sim, não tem problema nenhum. Enquanto a minha cabeça funcionar não tenho qualquer problema. Em termos de rádio e televisão, enquanto tiver voz…
É uma voz inconfundível…
Enquanto tiver voz. Mas quando deixar de ter voz, tenho uma casa no Algarve. Já planeei isso: quando me sentir mesmo em baixo, então vou para o Algarve e estou lá com os passarinhos, no meu isolamento. E estará tudo bem, não haverá problema nenhum. Encaro agora a vida de uma forma completamente diferente. Não só pela idade mas também pelos dramas consecutivos.
Voltando um pouco atrás, no livro que escreveu sobre o balanço dos 60 anos de carreira, tinha dito que saiu da TSF também um pouco amargurado…
Isso pode ser um pouco sina minha, não sei. Não acredito muito dessas coisas da sina, mas dá-me ideia disso. Em relação à TSF, tinha feito um jantar de carreira com o diretor, José Fragoso, que está agora na RTP, e anunciei nesse jantar que, paralelamente à TSF, ia ser diretor do primeiro jornal desportivo não pago distribuído gratuitamente na rua. Bateram todos muitas palmas, acharam todos muito bem e passados 15 dias puseram-me na rua. Disseram que como ia ser diretor de um jornal desportivo estava a fazer concorrência à TSF. Não vejo de que maneira.
Eram dois produtos diferentes….
Exatamente. Concluí, naquela altura, que poderia eventualmente ser uma decisão do Joaquim Oliveira. Era patrão da TSF e tinha também o jornal O Jogo. Provavelmente foi apenas imaginação minha.
O programa Bancada Central é considerado o ‘pai’ dos programas televisivos de comentário desportivo. Como vê agora este género de programas?
A Bancada Central fugia um pouco desse género de programas, com os quais nunca estive de acordo. Contra mim falo, porque a primeira vez que se fez um programa com comentadores que representavam clubes foi na TSF e foi comigo – terei sido um pouco o pai dessa criança. Era um do Sporting, outro do Benfica e outro do Porto. E depois? Qual é o problema? Não há problema nenhum, caso contrário, também não haveria partidos políticos, porque supostamente odeiam-se uns aos outros. Não sei se é bem assim, a democracia não aponta nesse sentido. Aponta para a convivência salutar, em que cada um tem as suas ideias e respeita as ideias dos outros. Agora andarem-se a insultar não é muito normal – embora no Parlamento haja muitas vezes insultos, como se sabe –, não patrocino isso. Também no futebol, as pessoas têm de se comportar bem. Têm de perceber que todos têm direito de existir, de coexistir. Ainda bem que esses programas estão a acabar. Em relação à Bancada Central era uma coisa um bocadinho diferente. Não eram os comentadores, os jornalistas ou diretores ou ex-diretores. Era o povo, eram as pessoas, eram os adeptos. Eram eles que falavam. Também às vezes passavam as marcas, mas o programa era feito por eles. Cada um tinha a sua opinião e respeitava as opiniões dos outros.
O desporto, principalmente o futebol, é conhecido por despertar paixões e ódios…
Sim, e havia umas guerrinhas ao microfone, porque escondido por detrás de um telefone qualquer pessoa fala. Mas eles depois também faziam almoços e jogos de futebol entre eles e convidavam-me. Essa ideia de organizar convívios era interessante e também é por isso que o programa durou tanto tempo. Depois passou para o Rádio Clube Português como Lugar Cativo e depois foi para a Rádio Amália como Bancada Central até que acabou. Com a pandemia era impossível manter estes programas porque as pessoas não vão ao futebol. Se calhar estou a pensar mal, talvez com a pandemia fosse importante haver programas destes para as pessoas poderem falar.
Mas os programas desportivos depois acabaram por levar tudo ao limite… Foi por causa da guerra das audiências?
Não tenho qualquer dúvida sobre isso. E veja-se o exemplo da CMTV. Não estou a dizer se é bom ou mau produto, mas é um caso claro de luta pela guerra das audiências. De qualquer forma eles querem atingir, aproveitando a simpatia do povo por aquele género de televisão, números mais elevados. Se é essa a televisão que gosto? Não, não gosto. Muitas vezes também não gostava da música que ouvia em determinadas estações de rádio e gostava de outras que não tinham a preferência do público. Mas esta guerra de audiências não tem limites para coisa nenhuma. As pessoas fazem aquilo que é mais absurdo que possamos considerar para tentarem ultrapassar o vizinho do lado. A guerra entre a TVI e a SIC é uma forma evidente de percebermos como é que essa guerra se está a desenvolver. Tudo para tentarem ter mais publicidade. É a única forma que entendo para fazerem isso. É assim que canalizam mais publicidade e ganham mais dinheiro. Mas até isso acontecer, o investimento que é feito é uma loucura. Acredito que a SIC tenha feito um investimento tremendo quando foi a mudança de várias pessoas para lá e agora a TVI também está a fazer um investimento tremendo. Percebo menos que me ponham na rua a mim, isso gera um conflito na minha cabeça.
Como vê uma pessoa como André Ventura, que ficou conhecido pelos debates desportivos, dar um salto para líder de um partido?
Não quero, de forma nenhuma, ofender o André Ventura mas acho que houve um aproveitamento da situação. Ele, ou alguém por ele em termos de partido, entendeu que o facto de ser uma pessoa conhecida, uma figura pública, podia dar-lhes bons dividendos. E acertaram. Tenho pessoas amigas – outras conhecidas –, por exemplo, alentejanos, que votaram no André Ventura porque é do Benfica. Não foi pelo André Ventura mas porque ser do Benfica. E este é o espírito.
Sem conhecerem o programa eleitoral…
Exatamente. Não têm conhecimento desse programa. Não teria feitio para isso. Não estou a censurar o André Ventura, estou a dizer que eu não faria aquilo que ele fez, não era capaz.
E os seus outro projetos como estão? É o caso da Rádio Amália…
Gosto muito do projeto de Luís Montez, acho que é um projeto muito simpático, muito agradável. Tudo o que seja música portuguesa interessa-me. Neste caso é só fado, não sou um grande simpatizante de fado, mas compreendo perfeitamente que o fado tem uma história muito rica e tem a ver com a alma do povo português e que sofreu uma transformação grande a certa altura, graças à Amália e depois ao Carlos do Carmo, que agora nos deixou fisicamente. Tenho incentivado Luís Montez a apostar em outros conteúdos. A música só é tudo muito bonito, mas às vezes pode ser um pouco cansativo. Embora o público que ouve essa rádio esteja perfeitamente identificado, acho que outros produtos não ficariam mal na estação de rádio. Por isso, fiz lá a Bancada Central, tem vários espaços informativos e fiz há pouco tempo um programa dedicado à Junta de Freguesia de Alcântara. É um programa institucional, mas parece-me interessante porque falar dos bairros, das freguesias, é uma coisa que se adequa ao fado.
E pode ser alargado a outras juntas?
Exatamente. Aliás, o programa chama-se o Dia do seu Bairro porque vai ressuscitar os bairros típicos da cidade de Lisboa. Penso que a própria Câmara Municipal de Lisboa podia ter espaços desse tipo na rádio para divulgar aquilo que ainda há de raiz popular na cidade. É uma cidade muito bonita que agora tem a Menina e Moça como o seu hino, mas precisa de recuperar os seus bairros tradicionais. A alma do povo não pode ser esquecida, nem pode ser maltratada. Falar de Alfama, Madragoa, etc., como elas eram na origem e como as conhecemos historicamente devia ter um lugar de permanência. Como dizia Fernando Pessoa, ‘a minha pátria é a língua portuguesa’ e eu não abdico disso.
Antes de se dedicar à comunicação ainda pensou em tirar o curso de medicina, não é verdade?
Era esse o meu objetivo, mas não me arrependo. As pessoas não se devem arrepender do caminho que fazem, o caminho foi aquele, foi um pouco diferente, mas foi o possível. Embora continue a dizer que gostava de ter sido.
Podia ter tirado o curso mais tarde…
Podia, mas tinha sempre muita coisa para fazer. Tive sempre uma vida muito cheia na rádio. Tinha os programas, os relatos de futebol, as apresentações dos espetáculos públicos, as reportagens na rua e no estrangeiro. Não havia tempo para nada. Tinha trabalhos em que estava dois e três meses fora do país. Nunca tive hipótese de me matricular no curso.
E que balanço faz dos 63 anos de profissão?
Não estou arrependido de nada do que fiz, nem da forma como fiz. Agora, acho que podia ter sido melhor. Tenho algumas frustrações, tenho algumas coisas que não correram como desejava. Já contei algumas. Já contei a história da TSF, outra situação foi com a Emissora Nacional quando no 25 de Abril os meus camaradas de trabalho disseram que tinha de ser suspenso porque descobriram reportagens que fiz no Estado Novo. Era o Estado em que vivia. Vivi naquela época, mandaram-me fazer as reportagens com o Marcello Caetano e com o Américo Tomás e ia fazer porque não tinha dinheiro para fugir a essa responsabilidade, nem tinha dinheiro para fugir para o estrangeiro. Então também aí começou o meu drama, porque os meus queridos colegas, a primeira comissão de trabalhadores que foi criada, suspendeu-me. Foi aí que disse: ‘Não me suspendem, vou-me embora’. E saí da Emissora Nacional para o Rádio Clube Português.
Disse que não estava arrependido de nenhuma decisão. Nem de ter sido porta-voz de Bruno de Carvalho?
Já disse que não me arrependo daquilo que fiz. Mas se agora me convidassem não ia. Naquela altura, fui entusiasmado pelo facto de poder contribuir de alguma forma para salvar o meu clube. Sou sócio número 91, não sou o 100 mil. Pensei que esse facto ajudaria a que as pessoas acreditassem mais naquilo que ia dizer como porta-voz não do conselho diretivo, mas da administração da SAD. Mas entenderam o contrário, entenderam que era o porta-voz do Bruno de Carvalho. Fui contratado pela SAD, não fui contratado pelo Bruno de Carvalho, e a intenção da SAD, naquela altura, era evitar que Bruno de Carvalho aparecesse tanto em público, até para o bem dele. Mas isto tudo saiu ao contrário porque aparecia eu e ele também continuava a aparecer. Foi incontrolável e durou cerca de dois meses. Foi uma coisa de passagem e sem me arrepender – não me arrependo dos meus casamentos, da vida que fiz, dos disparates que cometi na minha juventude – se fosse convidado nesta altura não ia. As condições eram diferentes, mas tenho muita pena, por exemplo, o que aconteceu em relação à Sporting TV. Fui fundador da Sporting TV no tempo de Bruno de Carvalho, mas não por causa dele. Fiz parte da estrutura inicial e quando entrou este novo presidente – que ainda está e creio que está a fazer um trabalho muito interessante – uma das primeiras coisas que fez foi mandar-me embora por achar que estava associado ao Bruno de Carvalho. Ele não compreendeu uma coisa fundamental: eu estava ligado ao Sporting, tal como continuo ligado ao Sporting. Continuo a pagar as quotas e, às vezes, até pago com um ano de avanço para ajudar o atual presidente Frederico Varandas. Mas ele nunca percebeu isso, o que foi uma pena. Também foi uma grande pena que os dois livros que escrevi para o Sporting, com a história do clube, não fossem publicados. Era uma série de 10, escrevi os dois primeiros, não foram publicados e nem sequer me agradeceram o facto de ter contribuído para a história do Sporting. Preferiam depois encomendar esses livros a outras pessoas. Acho que são mágoas que transporto dentro de mim e, nesta altura, é evidente que tudo é relativo, mas continuo a ser do Sporting com Frederico Varandas, sem Frederico Varandas, com Bruno de Carvalho, sem Bruno do Carvalho. Sou do Sporting, não sou deles. Tenho pena que, por exemplo, a Sporting TV não aproveite aquilo que posso dar. 62/63 anos de carreira tal como foi percorrida dá demonstrações que posso ser aproveitado, mas acham que não por uma questão pessoal. Isso é um péssimo hábito do povo português. Acontece o mesmo na política.
Alguma vez se sentiu discriminado ou marginalizado por nunca ter escondido o seu gosto pelo Sporting?
Sou agora discriminado e pelo meu próprio clube. Em relação à rádio não. Sempre tive o maior respeito e manifestações de grande carinho da parte dos outros clubes porque tentei ser jornalista e cumprir as regras. Nunca escondi que era do Sporting porque achei que não devia esconder. Disse sempre. Quando nasci já era do Sporting. Não tenho de esconder. Ou me aceitam ou não me aceitam. E todos me aceitaram assim. Recebi provas de carinho do Benfica que não pode imaginar, mesmo no Estádio da Luz. Foi fantástico porque reconheciam que era honesto e que tentava ser sempre isento. Essa coisa de gritar os golos às vezes as pessoas estão a cronometrar quanto tempo é que se grita para um e para outro. Nunca me prejudicou. Só fui prejudicado pelo meu próprio clube, não fui pelos outros. Fui sempre muito bem recebido no Futebol Clube do Porto, no Benfica, em todos os lados. Nunca tive nenhuma manifestação de alergia a mim. Acabei depois por ser vítima de uma guerra interna no meu próprio clube.
As filhas e netos também são do Sporting?
São daquilo que eles quiserem. Todos eles, os rapazes, jogam um bocadinho de futebol. Tenho um que tem muita habilidade, tem 11 anos e está numa escola do Sporting mas é do Benfica. E diz a toda a gente que está a jogar no Sporting porque a escola é boa mas é do Benfica e não muda. Diz isso ao treinador e à equipa e eles acham muita graça. O espírito é este. É desporto pelo desporto, não pela clubite aguda, que isso é uma coisa que não entra lá em casa. Mesmo quando havia reuniões de família – tínhamos o hábito de juntar a família todas as semanas, jantarmos juntos – não se discutia futebol. Normalmente nem futebol nem política. Nunca perguntei aos meus genros de que partido são. Não me interessa. Têm de ser boas pessoas, têm de ser amigos das minhas filhas e pronto. Sou mesmo democrata, tenho esse espírito que me foi passado pelo meu pai e pelo meu avô, que eram grandes republicanos e grandes democratas.
Está feliz pelo Sporting estar em primeiro lugar?
Sim, não nego. O sócio número 91 tem de manifestar a sua alegria, a sua felicidade porque, no futebol, o Sporting está em primeiro lugar. E não só: noutras modalidades também está muito bem classificado. Estou feliz com esta atitude nova da direção do Sporting e da administração da SAD porque uma coisa não tem nada a ver com a outra. O facto de eles não me quererem ou de não gostarem de mim é uma coisa, o facto de eu gostar daquilo que eles estão a fazer é outra. Não misturo as coisas. Mesmo sem me admitirem no seu seio, não deixo de ser o sócio número 91 e de me regozijar com as vitórias do meu clube.
Agora o Sporting está numa fase mais calma…
Está e eu também quero estar calmo, tranquilo. Quero pensar a sério no lado bom da vida. A vida tem coisas fantásticas, maravilhosas. O facto de uma pessoa não estar preparada para uma morrer é uma coisa que me aflige. Quero estar preparado isso, mas não sei se vou conseguir ou não. Mas tal como não estava preparado para nascer, não sei de onde vim, tenho de estar preparado para desaparecer, pelo menos do ponto de vista físico, da terra e do convívio das pessoas minhas amigas e da minha família. Tenho de estar preparado para outra coisa qualquer, que não sei o que é, mas é uma coisa que vejo como um ato de esperança. Mesmo que não seja quero acreditar que é.
Tem pensado mais na morte?
Não tenho pensado na morte. Tem é morrido muita gente minha amiga nos últimos tempos. Este principio do ano foi mau, no mesmo dia em que morreu Carlos do Carmo – meu amigo íntimo – também morreu um amigo de infância do Algarve, morreu uma tia de um genro meu que conhecia muito bem. Morreu o Cutileiro, com quem me dava muito bem. Isso às vezes desperta a inevitabilidade da morte. Se penso diariamente nisso? Não penso. O que penso é que tenho de dedicar os últimos anos da minha vida, meses, dias, ninguém sabe, a aperfeiçoar o meu espírito.
E está a conseguir?
Estou.
Como se pode aperfeiçoar o espírito?
Lendo muito, escrevendo muito, pensando muito. Sem ser faccioso, mas pensar a sério, não concebo que esta energia que tenho dentro de mim morra. Não sou só carne e osso. Tenho de ter mais coisas e são essas mais coisas que tenho, esse tal espírito, a tal alma – o que quiserem chamar – que me preocupa no bom sentido.
Acredita na reencarnação?
Não penso nisso. A reencarnação é uma coisa estranha, mas, do ponto de vista espiritual, acredito que posso estar junto de alguém, ou mais perto de alguém. Isso é capaz de ser verdade. Não é andar por aí aos passarinhos e de repente haver uma criancinha que nasce e eu entro nela. Não é isso que estou a falar. É a tal energia que gero que pode ser aproveitada por outra pessoa qualquer. A energia não se perde.
E como viveu esta fase de pandemia? Fomos todos ‘obrigados’ a parar um bocadinho…
Estou de acordo consigo. Acho que foi uma paragem, não sei se obrigatória ou não, para as pessoas pensarem. E pensarem na dimensão da existência da própria vida. Ou seja, de repente, as pessoas começam a pensar que não são nada e perante um elemento que nem tem vida – a covid não tem vida própria, acho – é mais forte que as pessoas. É mais forte que o ser humano. Fiquei a perceber que valho muito pouco. Aliás, já sabia que valia pouco porque basta olhar – não estou a especular – para o mar, para as árvores, para as flores, para os animais, para a terra, para tudo isto que me envolve para perceber que sou uma peça ínfima, pequenina, desta engrenagem. Esta engrenagem toda, o universo, é uma coisa muito complexa. Já tinha pensado nisso, agora com a pandemia percebi que estou completamente dependente de uma coisinha que o homem entendeu que se devia chamar covid-19.
Está disponível para levar a vacina?
Sim, sim. Imediatamente. Oxalá fosse já hoje. Tenho total confiança na ciência. Não sou dos que dizem que têm medo. Não, não. Aliás, todos os anos levo a vacina da gripe, a vacina da pneumonia também já levei… Não custa nada precaver-me. Já que estou cá quero durar mais um bocadinho, quero olhar para as árvores, quero sentir a natureza. Quero sentir a minha família, quero vê-los crescer, é normal.
Como lidou com as fases do confinamento e as restrições?
Isso é um drama social provocado pelo tal elemento proteico. Temos que nos sujeitar a essa situação. Tenho respeitado praticamente tudo aquilo que o Governo ou a Direção Geral de Saúde têm dito. Às vezes posso não concordar, posso pensar se está bem ou se está mal. As pessoas erram muitas vezes. Mas de qualquer das formas eles atuaram perante o desconhecido. Andaram às apalpadelas à procura da solução. A solução parece-me que é esta: as pessoas têm que pensar que não podem fazer a vida que faziam antigamente.
Os resultados estão à vista. Libertaram um pouco no Natal…
Por causa do Natal, do Ano novo, das festas clandestinas… Mas não tenho de ser prejudicado por isso. Houve gente que não aceitou e entendeu que a vida era, de facto, para viver 24 horas.
Disse há pouco que fez muitos disparates na juventude. Que disparates foram esses?
Alguns, sob o ponto de visto pessoal, mais uma namorada, menos uma namorada, mais uma fuga… Sei lá. São coisas que no fundo são disparates que toda a gente faz. Mais um casamento, menos um casamento, mais um ajuntamento, menos um ajuntamento… Mas isso tenho impressão que fazia outra vez, não me parece que seja desajustado. De qualquer modo, são coisas que eu recomendo aos meus filhos que não façam.
Por saber quais são as consequências?
Exatamente por isso. E aos netos também, já agora. Se isso me prejudicou ou não? Creio que não. No fundo tenho vivido a vida como qualquer pessoa normal.