«A declaração autoritária do primeiro-ministro faz mais contra a imagem do país do que qualquer conspiração que eu pudesse organizar». As palavras são do ex-ministro social-democrata Miguel Poiares Maduro ao Nascer do SOL, que, à semelhança do eurodeputado Paulo Rangel e o deputado Ricardo Batista Leite, foi acusado por António Costa de liderar «uma campanha internacional contra Portugal», na sequência de uma resposta a propósito do polémico processo que levou à escolha do procurador europeu José Guerra – a carta enviada pelo Governo à União Europeia continha informações erradas do currículo do procurador. Poiares Maduro não poupou críticas a António Costa e admitiu que transformar a crítica ao Governo numa «traição à pátria» não é digno da nossa democracia.
«Uma das formas mais comuns de intolerância é transformar a crítica política em traição à pátria. Pode discordar-se sobre até que ponto o Conselho podia alterar a seleção do comité independente, mas uma coisa é clara: o Governo convenceu o Conselho a alterar com base em informação falsa. Logo a decisão final está viciada», atirou.
As declarações de António Costa vão levar, por isso, o PSD a acompanhar uma queixa-crime contra o primeiro-ministro se algum dos visados a apresentar. Alguns partidos da oposição pediram mesmo a demissão da ministra da Justiça Francisca Van Dunem, depois de o Governo ter enviado a carta à União Europeia com as informações falsas sobre o novo procurador europeu José Guerra – em defesa de que a opção pelo mesmo para o cargo era a melhor. O diretor-geral da Direção Geral da Política de Justiça (DGPJ), Miguel Romão, demitiu-se, alegando que o gabinete da ministra conhecia o conteúdo integral da carta, e as reações multiplicaram-se de imediato: queixa-crime ao Ministério Público da Ordem dos Advogados «contra incertos, na sequência das notícias vindas a público relacionadas com o processo de nomeação do procurador europeu», e também uma queixa do eurodeputado do CDS-PP Nuno Melo à Provedora de Justiça Europeia, pedindo que proceda aos inquéritos que considere necessários e atue junte das instituições europeias em causa.
Van Dunem admite falha
Na carta enviada à União Europeia, José Guerra é identificado como sendo procurador-geral-adjunto – mas é apenas Procurador da República – e como tendo participado na liderança investigatória e acusatória no processo UGT, o que também não corresponde à verdade. Em comunicado, a DGPJ sublinhou que José Guerra não teve qualquer responsabilidade em relação aos erros que constavam no documento. Mas Francisca Van Dunem, ouvida na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, assumiu que poderá ter existido uma «falha» da sua parte por não ter exigido ler a carta antes de ser enviada à Representação Permanente de Portugal na União Europeia. Só depois de enviada, a ministra, que nega ter ordenado falsear dados curriculares do procurador – e por isso diz ter condições para se manter no cargo –, mandou um documento a retificar os erros.
«Não sei se é mais grave a ministra não conhecer a carta ou conhecer e não ter detetado os erros. De uma forma ou de outra, parece-me que há uma responsabilidade objetiva grave do ponto de vista da ministra. Essa responsabilidade agravou-se porque agiu ativamente para encobrir esses erros, negando o acesso à carta, dizendo que não a podia divulgar e desvalorizando a importância do documento», sublinhou Poiares Maduro a este semanário.
Em jeito de reação, o grupo do Partido Popular Europeu (PPE) no Parlamento Europeu solicitou à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que analise com atenção estes casos, acusando, numa carta, o Governo de ter «prestado informações falsas às instituições comunitárias», o que constitui uma «violação dos tratados da União Europeia, incluindo o dever de uma cooperação leal». Além disso, diz ser uma «ameaça para o Estado de Direito».
Marcelo e o discurso nas presidenciais
No debate presidencial contra o líder do Chega André Ventura, o Presidente da República não foi claro quando abordado sobre uma eventual demissão da ministra Francisca Van Dunem, remetendo sempre a decisão para António Costa – este discurso tem motivado uma onda de críticas nos últimos dias.