Mesmo com um novo confinamento como o de março, podem ser necessárias sete semanas para que o número contágios baixe para os valores pré-Natal, quando o país registava uma média de 3400 infeções por dia. A estimativa é traçada ao i por Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e que trabalha na modelação da epidemia com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, um dos peritos que dá apoio técnico ao Governo. Os especialistas voltam ser ouvidos na reunião no Infarmed esta terça-feira e os casos reportados nos últimos dias, inclusive este domingo, que registou o maior número de casos de sempre a um fim de semana, quando há menos menos laboratórios a funcionar, têm vindo a agravar as previsões.
Casos estão a duplicar a oito dias
Se no início da semana passada se calculava uma taxa de duplicação de novos casos a cada 13 dias, que encurtou para 10 dias no final da semana, este domingo a projeção era de uma duplicação de casos a cada oito dias. Com a estimativa da FCUL a apontar agora para uma média diária de 11 500 infeções por dia, tendo em conta que existe um desfasamento entre infeção e diagnóstico e mantendo-se este ritmo, o país poderia chegar em oito dias às 20 mil infeções diárias, devendo chegar às 12 mil a 13 mil infeções/dia diagnosticadas durante esta semana. Carlos Antunes admite que possa começar a sentir-se uma desaceleração do aumento de casos, fruto também de menor mobilidade e contactos da população. Ainda assim, os números calculados até aqui apontam para uma taxa de crescimento de casos de cerca de 9% ao dia, superior a qualquer outro momento da pandemia. Para calcular quanto tempo poderá levar a esmagar a curva de casos, a equipa usa o histórico do primeiro confinamento em março. “Levámos oito a dez dias a começar a achatar a curva e depois levámos três semanas a reduzir para metade dos casos. Se desacelerarmos agora, chegaremos a uma média diária de 14 a 15 mil casos, precisaremos de duas a três semanas para reduzir a metade e mais um período para reduzir novamente a metade.”
Risco de contágio nunca foi tão elevado
Depois dos recordes de casos diagnosticados durante a semana e no fim de semana, a incidência de novos casos por 100 mil habitantes já superou o pico da segunda vaga a nível nacional, tendo passado pela primeira vez o patamar dos 800 casos por 100 mil habitantes. É o indicador que tem sido usado para avaliar o risco de contágio – começou por ser usado internacionalmente e foi adotado pelo Governo para definir medidas nos concelhos com mais risco ao longo de novembro e dezembro. Com mais de 89 mil casos diagnosticados nos últimos 14 dias em todo o país, a maioria na última semana, Portugal registava ontem uma incidência a nível nacional 865 casos por 100 mil habitantes. A região Norte, que na primeira e segunda onda registou o maior nível de contágio e maior pressão nos hospitais, tem agora 905 casos por 100 mil habitantes, ainda abaixo do pico da segunda vaga. A região Centro é a que regista maior incidência, tendo passado o patamar dos mil casos por 100 mil habitantes, o que até aqui só tinha acontecido no Norte. A região de Lisboa e Vale do Tejo estava ontem com uma incidência de 849 casos por 100 mil habitantes, o Alentejo 971 casos por 100 mil habitantes e o Algarve 703 casos por 100 mil habitantes, isto nos últimos 14 dias – o que ainda apanha a semana atípica do ano novo em termos de funcionamento dos laboratórios. Nos últimos sete dias, os diagnósticos aumentaram. Incidências que agora colocam a maioria dos concelhos em nível de risco extremamente elevado (mais de 960 casos por 100 mil habitantes) ou muito elevado (acima de 480)
Internamentos vão continuar a aumentar. Forças Armadas reforçam
Este sábado registou-se uma das maiores subidas nos internamentos de doentes com covid-19 desde o início da epidemia, numa altura em que os hospitais estão já com ocupações elevadas em UCI. Na semana passada, superava-se já 85% da capacidade no país, tendo em conta doentes críticos covid e não covid. Durante o fim de semana, a Ordem dos Médicos mostrou apreensão pela “rutura evidente” do SNS e responsabilizou o Governo pelo alívio das medidas no Natal e por “uma estratégia de comunicação, focada no anúncio e início da vacinação e que terá contribuído para a redução da perceção do risco por parte da população.” À SIC, o bastonário dos Médicos admitiu este domingo um cenário em que pode ser necessário escolher entre doentes críticos admitidos em cuidados intensivos. Os hospitais estão a aumentar capacidade, mas a falta de enfermeiros é a principal dificuldade, disse na RTP durante o fim de semana João Gouveia, presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos. O médico defendeu ontem também um novo confinamento para evitar uma situação de catástrofe.
A ministra da Saúde visita esta segunda-feira o polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas, que vai reforçar a capacidade de Lisboa, agora sob maior pressão. Também a base naval do Alfeite está a ser preparada como estrutura de retaguarda, indicou durante a semana ao i a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
As projeções da FCUL apontavam ontem que o número de doentes internados possa chegar aos 4000 esta semana. As segundas-feiras costumam ser o dia de maior afluência às urgências, pelo que é esperado um início de semana com muita pressão nos hospitais, agravada pelo tempo frio que aumenta o risco de descompensação de doença crónica. A mortalidade tem estado “muito acima do esperado” para esta altura do ano, continuava ontem a indicar o sistema nacional de vigilância de mortalidade, uma plataforma do Ministério da Saúde onde são registados em tempo real os certificados de óbitos no país. Nos últimos sete dias registaram-se mais 1254 mortes acima dos patamares expectáveis nesta altura do ano.