Há pouco tempo escreveu que “irritar a esquerda passou a ser a única posição política aceitável à direita”. A direita tem dificuldade em assumir a sua identidade?
O predomínio cultural e político da esquerda é tão grande em Portugal que até a direita se define em função da esquerda. Ser de direita, para muitos, é unicamente ser o oposto da esquerda, irritar a esquerda. Depois de anos a serem massacrados, insultados e derrotados constantemente, muitos à direita já só se interessam em devolver a humilhação, o que é um sentimento humano compreensível, mas um erro político. Eu brincava há dias com alguns amigos que se o António Costa e a Catarina Martins pisassem merda e ficassem muito irritados com isso, esse pedaço de merda arriscava-se a ser elevado a líder da oposição. Há pessoas à direita que admiram qualquer pedaço de merda desde que irrite a esquerda.
Isso limita a atuação dos partidos à direita do PS?
É um erro porque impede a direita de ter um pensamento próprio, estruturado e crítico sobre os assuntos, permitindo que seja a esquerda a definir a direita por antagonismo. Irritar a esquerda deve ser um efeito inevitável de um programa político reformista, mas não o seu mote. Alguém consegue pensar em bandeiras da direita hoje em dia? Não tem. A direita fica, assim, nas mãos da esquerda naquilo que tem de mais importante: a definição da sua identidade.
É favorável a uma união à direita para constituir uma alternativa à chamada geringonça?
Sou a favor de que se encontre uma alternativa à governação socialista no espaço do centro, da direita e do liberalismo.
Poderia fazer sentido uma aliança pré-eleitoral nas próximas eleições legislativas?
Pode vir a fazer sentido com os líderes certos em cada lado. Não sei se neste momento existem essas condições, mas é um cenário que não deve ser excluído.
Foi contra o acordo nos Açores entre o PSD e o Chega. A nível nacional, também não convidaria o Chega para apoiar um Governo de direita?
Não. Um partido não passa a fazer parte de um espaço político comum só porque se senta do mesmo lado na Assembleia da República. Se, por ridículo, houvesse ali um partido nazi que se dissesse de direita, ninguém diria que pertenceria ao mesmo espaço político e que os seus votos contariam para uma maioria alternativa. O Chega não é nazi, mas é um aliado declarado de Le Pen e dessa família política europeia que em nenhum lado é vista como pertencendo ao espaço político do centro, da direita moderada ou dos liberais. Para pertencer a um espaço político há que partilhar uma série de valores. O PSD e a Iniciativa Liberal, com as suas diferenças, fazem parte do mesmo espaço político.
O Chega não partilha esse valores?
O Chega faz parte de outro espaço político, que tem todo o direito de existir, tem a sua representação, mas não é o meu e não deveria ser o do PSD.
Se essa for a única hipótese para viabilizar o Governo…
Esta questão coloca-se sempre da forma errada. Se chegássemos a uma situação, como nos Açores, em que o meu espaço político dependesse do Chega para formar Governo, então o problema da decisão era do Chega. Se optasse por não viabilizar demonstraria uma equidistância entre o espaço do centro-direita e a esquerda, com todas as consequências eleitorais disso. O problema é que André Ventura sabe fazer bluff tão bem que andamos todos a conjeturar coligações no pressuposto de que, sem acordo, o Chega optaria por viabilizar um Governo de esquerda.
Como explica o crescimento de fenómenos como o Chega?
É um fenómeno já visto noutros países, nalguns até já teve o seu auge e está em declínio, como acabará eventualmente por acontecer em Portugal. Nós chegamos sempre atrasados a todas as modas. O crescimento de partidos políticos nos extremos, esquerdo e direito, é o resultado de memória curta. A II Guerra Mundial já acabou há 75 anos e a Guerra Fria acabou há 30. O tempo fez esquecer as consequências dos extremismos e quebrar as resistências mentais a esses movimentos ideológicos. Como a insatisfação é o estado natural do ser humano, as velhas ideias aparecem ciclicamente como se fossem soluções novas.
Já criticou a ideia de ilegalizar o Chega. Não faz sentido colocar essa hipótese em cima da mesa em relação a um partido político se ele tiver posições racistas e xenófobas?
A conversa sobre a ilegalização é um profundo erro político que me parece mais orientado para fazer crescer o Chega do que, efetivamente, para combatê-lo. O crescimento do Chega interessa muito aos partidos mais à esquerda, que tratam de o alimentar sempre que podem com esses argumentos absurdos. As ideias, mesmo as piores, combatem-se na arena política e nas urnas.
Como vê, por exemplo, a fixação do Chega com o rendimento social de inserção (RSI) e a comunidade cigana?
O socialismo vive eleitoralmente da existência de pobreza e por isso não tem grandes incentivos para acabar com ela. Da mesma forma, o Chega vive eleitoralmente desses conflitos sociais entre os mais pobres e por isso usa a retórica que os instiga ainda mais. Nem o PS irá acabar com a pobreza, nem o Chega irá diminuir os conflitos sociais, porque isso determinaria a reconfiguração da base eleitoral dos dois partidos. Como a pobreza alimenta os conflitos sociais e vice-versa, os dois partidos servem-se mutuamente. O foco do Chega nessas duas questões é excelente para o PS porque desvia as atenções dos verdadeiros problemas do país. O PS e o Chega são parceiros no empobrecimento moral e económico do país.
Os partidos tradicionais deixaram de corresponder às expetativas das pessoas?
Os partidos tradicionais assumiram que a sua base eleitoral fixa continuaria lá para sempre e por isso viraram-se excessivamente para dentro.
Isso aconteceu com todos?
No PSD sabemos hoje que os resultados eleitorais podem ser terríveis que, para um líder se manter, basta dominar a máquina eleitoral interna. O CDS anda há um ano a gastar todas as energias numa guerra civil interna quando a área política da direita conservadora decente precisava mais do que nunca de um partido forte. No PS, parece que muitas decisões importantes para o país não são tomadas com o interesse do país em mente, mas como parte da luta interna pela sucessão a António Costa. O resultado disso é a erosão da base eleitoral que os partidos consideravam fixa. Para alguns, como o CDS, começa a ser tarde para corrigir o erro.
Os partidos de direita em geral continuam a não conseguir descolar nas sondagens. Partilha a ideia de que falta um líder a um eventual projeto de direita?
Falta uma liderança carismática, mas falta acima de tudo um projeto político aspiracional, positivo e distinto, um programa que aposte sem medo na iniciativa privada, na competitividade fiscal, em novos modelos de prestação de serviços públicos e numa reforma do sistema de justiça.
Voltou agora a falar-se da possibilidade de Pedro Passos Coelho regressar à política. Seria uma hipótese…
Passos Coelho é o candidato mais forte a ocupar essa posição porque é alguém suficientemente respeitado em todo este espaço político para conseguir liderá-lo. Mas o espaço político deveria ser capaz de gerar mais pessoas com essa capacidade de liderança e criar uma nova geração de políticos capazes de ocupar esse lugar.
Acha que este Governo vai conseguir cumprir os quatro anos da legislatura ou arrisca-se a perder o apoio dos partidos de esquerda depois de o Bloco de Esquerda ter votado, pela primeira vez, contra um Orçamento de António Costa?
A situação será bastante mais complicada desta vez. Não há acordo escrito, estamos em crise e Marcelo Rebelo de Sousa já não precisará de ser reeleito. Serão três fatores de instabilidade para o Governo, mas António Costa já demonstrou que tem grande apego ao poder e capacidade de adaptação. Não estou a ver o PS a abdicar de gerir a bazuca europeia. A bazuca europeia vai ser uma festa de socialismo e compadrio.
Era desejável que houvesse eleições antecipadas?
Não sei. Qualquer oportunidade para tirar o PS do poder é bem-vinda, mas duvido que eleições antecipadas, neste momento, mudassem muita coisa no equilíbrio de poder. O único partido com um projeto ideológico alternativo não tem estrutura nem votos para exercer o poder. O partido com votos e estrutura, o PSD, não tem um projeto ideológico alternativo. Se este cenário mudar, talvez haver eleições antecipadas fosse o melhor para o país.
Como avalia esta primeira fase do mandato, muito marcada pela pandemia?
A pandemia veio apenas revelar as insuficiências de escolhas anteriores. Os problemas nas contas públicas impediram que houvesse uma resposta orçamental decente numa situação de grave crise como esta.
Seria favorável a menos restrições para proteger a economia a partir da hora em que tivemos mais meios de proteção individual?
Estarei sempre do lado da liberdade e da responsabilidade individual. Não quero viver numa sociedade em que um polícia pode parar um cidadão inocente perguntando para onde vai, em que famílias fiquem sem se poder encontrar por viverem em concelhos diferentes ou que negócios sejam forçados a fechar contra a sua vontade e a dos clientes. Admito restrições na medida em que opções individuais afetem negativamente terceiros, mas parece-me que muitas das decisões tomadas não tiveram qualquer efeito na contenção do contágio e outras tiverem um efeito tão pequeno que ficaram longe de justificar a limitação de liberdade imposta.
Como viu a forma como este Governo lidou com a pandemia?
O Estado central raramente escolhe as pessoas por mérito. Isso é um problema do país como um todo mas que só se torna visível quando as pessoas têm responsabilidades importantes com grande escrutínio. Graça Freitas e a sua equipa foram nomeados quando se pensava que fariam pouco mais do que emitir relatórios periódicos e mais umas quantas burocracias. Para fazer isso, qualquer burocrata serve, porque os erros são menos escrutinados. Infelizmente, acabaram por ter de liderar o combate da década e claramente não estavam preparados para isso. Sinceramente, chego a ter pena daquela equipa.
Tem sido crítico da solução do Governo para a TAP. Qual seria a melhor alternativa?
A melhor alternativa seria deixar a TAP entrar em insolvência, poupar quatro mil milhões de euros que bem necessários são na economia e que salvariam muitas mais empresas e empregos. Deixar que outras empresas ocupassem o lugar da TAP, trazendo ainda mais passageiros para o país, empregando os seus trabalhadores e fazendo com que ela deixasse de ser um peso para os contribuintes. Provavelmente, como aconteceu em todos os outros países em que se deixou cair a companhia deficitária de bandeira, apareceria uma nova companhia aérea livre dos vícios da velha e com mais capacidade para crescer. Essa sim, seria uma grande alternativa. Foi o que aconteceu na Suíça, na Bélgica, na Hungria e está prestes a acontecer na Noruega que, apesar de ser mais desenvolvida do que Portugal, decidiu não injetar mais dinheiro na Norwegian Airlines, a única companhia aérea daquela dimensão com sede no país. Enfiar quatro mil milhões de euros, 400 euros por habitante, numa empresa com prejuízos crónicos é só mais um prego no caixão da economia portuguesa.
Partilha da ideia de que o atual Presidente da República foi excessivo no apoio à geringonça?
Marcelo Rebelo de Sousa passou o primeiro mandato com o objetivo único de ser popular à esquerda para garantir uma reeleição descansada, possivelmente histórica. Espero que falhe o objetivo da reeleição histórica para, pelo menos, sinalizar ao próximo Presidente que esta não é uma boa estratégia. Suspeito, no entanto, que o segundo mandato será diferente para melhor, o que me dá um certo conforto. Espero que o segundo mandato de Marcelo comprove aquela ideia do próprio Marcelo de que o Presidente deve ter um mandato único para não ter de agir em função da reeleição.
O que espera destas eleições presidenciais?
Estando a reeleição definida à partida, espero que seja uma oportunidade para discutir ideias, mas não tenho grandes esperanças de que isso ocorra, dado o perfil da maioria dos candidatos.
O que seria um bom resultado para o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal?
Por mim, desde que o Tiago Mayan defenda as ideias certas, até pode ter zero votos. O importante é ser capaz de aproveitar as oportunidades mediáticas para expor as ideias liberais. É isso que terá efeitos positivos no longo prazo e será por essa capacidade que irei avaliar o sucesso destas eleições. Numa eleição como esta, em que só um é eleito e já sabemos todos quem vai ser, ter 3%, 5% ou 10% é pouco relevante para mim. Para o partido, o resultado será importante por uma questão de brio e motivação interna, mas tem uma máquina eleitoral afinada e certamente conseguirá atingir os objetivos que definiu.
Liderou a Iniciativa Liberal até às últimas eleições legislativas. Estão criadas as condições para o partido crescer?
O crescimento da Iniciativa Liberal será sempre mais lento porque não tem uma estratégia de cata-vento. Crescer depressa é fácil, basta perceber para onde o vento sopra a cada momento e apontar para aí, mesmo acabando a apontar para sítios diferentes em diferentes alturas. É a estratégia da conversa de café, seguida pelo PS e pelo Chega. A Iniciativa Liberal é diferente: sabe o que quer para o país, tem ideias definidas e a missão de convencer os portugueses dessas ideias. Espero que isto nunca mude. No dia em que adotasse uma estratégia de cata-vento para crescer mais depressa deixaria de ser o meu partido.