O Governo português decidiu abdicar do contributo de Marc Rechter para a produção de hidrogénio verde em Portugal, mas a União Europeia (UE) reconheceu agora que os conhecimentos e competência nesta área do empresário holandês, residente no país há mais de duas décadas, podem e devem ser utilizados na implementação com sucesso deste projeto a nível europeu. Marc Rechter, presidente executivo da Enercoutim e do Resilient Group, empresas sediadas em solo português, foi nomeado membro da mesa-redonda para a produção de hidrogénio da Aliança Europeia de Hidrogénio Limpo (ECH2A na sigla inglesa), um órgão consultivo que reúne pessoas e entidades de reconhecido valor, tendo em vista avaliar as melhores oportunidades que podem integrar a estratégia de hidrogénio limpo da UE, um pilar central do Acordo Verde Europeu. De Portugal – e excluindo Rechter –, apenas a REN foi convidada para integrar este núcleo duro.
A questão torna-se ainda mais inusitada uma vez que foi mesmo Marc Rechter quem convenceu, no verão de 2019, o Executivo de António Costa a apostar no hidrogénio verde como estratégia para descarbonizar a economia nacional e ainda exportar essa energia para o norte da Europa (nomeadamente, para Países Baixos e Alemanha). Foi, aliás, o empresário holandês quem fez a ponte entre os Governos de Portugal e dos Países Baixos para a assinatura de um acordo tendo em vista uma candidatura conjunta de projetos aos financiamentos provenientes do Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI na sigla inglesa) – que, segundo as regras comunitárias, teria sempre de ser concretizada por, pelo menos, dois Estados-membros.
O memorando de entendimento foi, de facto, assinado entre os dois países em setembro passado, mas, por essa altura, já o Governo português havia excluído o projeto de Marc Rechter (denominado ‘Green Flamingo’) do lote dos 37 escolhidos que, à partida, reúnem condições para passarem à fase seguinte e serem concretizados, representando um investimento total na ordem dos nove milhões de euros.
Ao Nascer do Sol, Marc Rechter confessa que «é uma honra sermos convidados pela Comissão Europeia para fazer parte deste grupo». «É o reconhecimento da nossa capacidade e da nossa competência», completa. E mesmo não querendo fazer comentários à decisão do Governo português de não considerar o seu projeto, sempre vai adiantando que «a nossa disponibilidade para investir em Portugal mantém-se». «Esta nomeação não altera nada, só nos aumenta a responsabilidade de investir em grandes projetos europeus e ajudar a implementar a estratégia europeia» do hidrogénio verde. O nosso jornal sabe que o investimento em Portugal era considerado a prioridade para Marc Rechter – ou não fosse este o país que o holandês escolheu para viver, no início deste século – mas, mesmo com as portas fechadas pelo Governo português, o empresário continua apostado em investir no hidrogénio verde, mesmo que noutros países.
O Nascer do Sol tentou contactar o gabinete do secretário de Estado João Galamba – que tem sido, desde a primeira hora, o rosto do Executivo em defesa deste projeto – no sentido de obter uma reação a esta nomeação e tentar perceber se, nesta fase, ainda conta com o contributo de Rechter, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho da edição.
A triagem dos projetos elegíveis ao IPCEI foi anunciada em julho de 2020, na sequência de um trabalho desenvolvido pelo Comité de Admissão de Projetos – que integra as áreas governativas da Economia, do Ambiente, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e dos Negócios Estrangeiros (e contributos da Direção-Geral de Energia e Geologia e do Laboratório Nacional de Energia e Geologia). Porém, apenas três meses e meio depois, já em novembro, foram tornados públicos os nomes das entidades que integram os 37 projetos selecionados e ainda… os 35 rejeitados. A iniciativa de anunciar o nome dos candidatos foi do próprio secretário de Estado da Energia, João Galamba, na sequência de uma reportagem da revista Sábado que dava conta de que o governante estaria a ser investigado, desde 2019, pelo Ministério Público por suspeitas de corrupção e tráfico de influência no âmbito dos negócios ligados ao hidrogénio verde.
Entretanto, a semana ficou ainda marcada pelo encerramento da central a carvão de Sines da EDP, ao fim de 35 anos. Para o local está agora prevista a criação do megaprojeto industrial H2Sines – do consórcio internacional com EDP, Galp, REN, Martifer e Vestas –, que tem como objetivo produzir hidrogénio verde a partir de 2022. Numa primeira fase prevê-se a instalação de 10 megawatts até 2025, estando o desenvolvimento do projeto dependente de fundos europeus.
O Governo também aguarda pela resposta de Bruxelas ao apelo feito por carta, em dezembro, pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, para a criação de um mecanismo transfronteiriço que permita subsidiar a produção da energia. O objetivo seria criar uma ferramenta para apoiar a produção de hidrogénio verde no país de origem (Portugal) com subsídios oriundos dos países importadores (Países Baixos e Alemanha).