O recandidato presidencial, Marcelo Rebelo de Sousa, dramatizou os efeitos da abstenção ao 11.º dia de campanha oficial: no limite, pode obrigar a uma segunda volta. «É apenas uma verificação de facto. Se, realmente, a percentagem de abstenção subir 15 a 20%, pode acontecer que mesmo com uma votação muito elevada, acabe por haver uma segunda volta», justificou o presidente incumbente ao Nascer do SOL , num registo de analista político, a lembrar o seu passado.
À pergunta se o aviso contra a abstenção tem também subjacente a preocupação com o facto de os votos expressos não lhe darem a necessária legitimidade (e força) política para um segundo mandato extremamente difícil, Marcelo tem resposta pronta. «Não tem nada a ver uma coisa com a outra», disse, insistindo nas contas que fez sobre os altos níveis de abstenção (e que explicou numa sessão com alunos no Liceu Pedro Nunes, onde estudou). Para Marcelo Rebelo de Sousa, uma segunda volta não lhe retiraria legitimidade, pelo contrário. «Como imagina, até numa segunda volta, a percentagem numa segunda volta é sempre muito superior. Até a legitimidade seria maior (…) Pela lógica das coisas, uma segunda volta daria sempre uma maioria reforçada», declarou o também chefe de Estado a este semanário.
Assim, o principal problema seriam mesmo «mais três semanas, num período muito complicado de pandemia, de campanha eleitoral» e com um país confinado, com pouca (ou nenhuma) margem para ações de campanha.
O alerta de Marcelo sobre a abstenção serviu sobretudo para fazer a tradicional dramatização dos últimos dias de campanha, num quadro em que não se deve suspender a democracia e num processo eleitoral em tudo atípico por causa da covid-19.
Marcelo, que esteve ontem no Porto e até foi confrontado com uma eleitora indignada que o aconselhou a reformar-se, fez a campanha mais curta de um recandidato presidencial na história das eleições. As deslocações regulares de campanha só arrancaram na segunda semana, enquanto os demais candidatos já estavam na estrada há vários dias. Mas há dois motivos: a sucessão de testes à covid-19 e o facto de nunca ter deixado de ser Presidente. Marcelo tanto discursou na qualidade de recandidato como de Presidente, por vezes com uma diferença de minutos.
O fato presidencial foi (quase) impossível de despir. E Marcelo colocou-se nesse duplo papel, assumindo também parte da responsabilidade política da crise, sujeitando-se à avaliação dos portugueses. Na prática, teve dias em que foi muito mais Presidente do que recandidato, num quadro em que, por exemplo, afinou o decreto do último estado de emergência. Mais, mesmo em campanha, Marcelo não resistiu a antecipar-se ao Governo no anúncio de que estava em marcha o encerramento das escolas.
Da campanha propriamente dita não haverá muito para contar, porque a estrutura não foi visível. Marcelo andou sozinho no seu próprio carro nas iniciativas, algumas anunciadas em cima da hora – um cenário que o próprio anteviu aos jornalistas. A sua campanha seria assim: um equilíbrio entre as regras sanitárias (por estar em vigilância passiva após um teste falso positivo à covid-19) e os temas do dia. Na esmagadora maioria das vezes, o assunto do dia foi invariavelmente a pandemia e as decisões a tomar para controlar a crise. Em termos de distritos, percorreu muito poucos: Lisboa, Setúbal e Porto (indo a Celorico de Basto para ir votar no distrito de Braga). O discurso da noite eleitoral será feito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Para memória futura fica a certeza de que, sendo reeleito como dizem a tradição e as sondagens, Marcelo terá já agenda na segunda-feira para preparar novo estado de emergência e um segundo mandato com dificuldades acrescidas, no pior momento da pandemia.
Para quem o acusa de tentar recuperar a direita para o poder, como a candidata Ana Gomes, ficou também explícito que se Marcelo for confrontado com esse cenário – e o Chega fizer parte da equação –, então exigirá um acordo escrito.